Microbióloga ligada à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e ao centro de investigação CE3C, Joana está a estudar como é que os seres microscópicos do solo contribuem para o sucesso das acácias, plantas invasoras em Portugal. Esta série, que nos dá a conhecer diferentes ecólogos portugueses, é uma parceria com a SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia.
Joana Jesus, 31 anos, passa as semanas dividida entre a recolha de amostras no campo e o trabalho em laboratório, dedicada ao seu doutoramento, no qual estuda comunidades microbianas que vivem no solo e a sua relação com as plantas, em especial as acácias. Embora goste muito de analisar dados e de responder a questões, prefere o ar livre e o contacto com a natureza. Para ela, a ecologia “permite integridade” na forma como olhamos o mundo natural. “É deixar de olhar para uma flor como flor amarela e poder chamá-la pelo nome e saber porque é que existe naqueles habitats”, exemplifica.
Para ficar a conhecer melhor esta ecóloga, assista ao vídeo e leia a entrevista, mais abaixo.
O que faz como ecóloga?
Sou microbióloga e estou a fazer o meu doutoramento na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (CE3C). Ando entre o campo e o laboratório a estudar as comunidades microbianas do solo. O conhecimento destas comunidades permite-me perceber que relações são estabelecidas com as plantas para compreender processos adaptativos.
O que eu estudo mais concretamente são plantas invasoras, as acácias, e de que forma é que o microbioma contribui para o sucesso invasor. É uma área bastante interessante porque estes microrganismos têm uma capacidade impressionante de se adaptarem, e esta plasticidade permite que sobrevivam a flutuações no solo ou até que viajem das raízes até às sementes e, por isso, as adaptações podem ser direta ou indiretamente adquiridas pelas plantas. Apesar deste conhecimento ser mais fundamental, as hipóteses são inúmeras e os caminhos múltiplos. Por isso, o contributo ecológico é extremamente promissor para desconstruir a capacidade adaptativa destas invasoras.
Como começou na ecologia?
Na verdade, só me tornei ecóloga há pouco tempo. Posso ter começado antes, mas sem saber. Fui escuteira e a conexão com a natureza sempre me encantou. Por isso, saber que parte do meu trabalho poderia ser no campo não deixou hesitações.
Mas só descobri as potencialidades da ecologia quando estava a escolher a minha tese de mestrado e optei por estudar plantas e os processos mediados por microrganismos. Comecei por estudar a nodulação, o processo através do qual as plantas adquirem azoto que é fixado por bactérias especializadas. Este processo ocorre em estruturas que se desenvolvem nas raízes chamadas de nódulos.
Como sou microbióloga, a minha ligação com a ecologia passa-se no solo e é contada pelas comunidades microbianas e as suas interações com as plantas. Conhecendo quem faz parte destas comunidades e que funções desempenham, permite-me perceber o seu efeito na ecofisiologia da planta e de que forma as mesmas são beneficiadas.
As acácias, por serem plantas invasoras extremamente agressivas, por terem um impacto tremendo nos habitats que invadem, tornam-se uma planta modelo muito interessante para estudar estas interações. Posso partir de um ambiente mais micro para uma perspetiva mais macro, ou seja, da microbiologia do solo para a ecologia da acácia, conseguindo transpor os meus resultados para o contexto do ecossistema.
Qual a melhor parte do seu trabalho?
Confesso que esta é difícil de responder, mas tenho de admitir que o melhor é mesmo andar no campo, escolher os locais de estudo e recolher as minhas amostras. Procuro estar sempre atenta a padrões que a natureza me vai mostrando e que me ajudam a encaminhar as minhas hipóteses e a definir a minha linha de pensamento. Tenho a vantagem de trabalhar com solos, acácias e microorganismos desde a tese de mestrado, por isso, começo a sentir-me um bocadinho especialista nesta temática. Fico dividida porque também gosto muito de analisar os dados que recolhi, consolidar as evidências e responder às hipóteses. Mas no campo posso observar a diversidade de plantas, nódulos e solos. Portanto, acho que vou “bloquear” andar no campo.
Porque é a ecologia importante?
Sendo nós pessoas, parte integrante da natureza, diria que a ecologia se torna uma componente essencial no nosso dia-a-dia, dá-me uma perspetiva mais consciente. Permite uma conexão e um entendimento que não só ajudam a coexistir de maneira saudável, como permite integridade. É deixar de olhar para uma flor como flor amarela e poder chamá-la pelo nome e saber porque é que existe naqueles habitats. A ecologia é basilar na compreensão dos processos, desde o papel das bactérias do solo ao seu efeito no contexto do ecossistema. Acho que a ecologia é mesmo assim: uma área transversal e que precisa de muitas outras para fazer sentido. É a ciência dos processos e da multidisciplinariedade.
O que gostaria de fazer e ainda não fez?
Oh, gostava de tanta coisa. Por exemplo, gostava de mostrar que as acácias se comportam como uma comunidade, partindo da premissa de que comunicam. Gostava de conseguir “scanear” as interações que se dão nas raízes e desconstruir esta hipótese. Talvez a nível molecular e microbiano?! Quem sabe! O bom da ecologia é isto: há sempre questões.
A série “À Conversa com um Ecológo” é uma parceria entre a revista Wilder e a Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO). Serão vários os investigadores portugueses, de todas as idades, que vão estar aqui a explicar o que fazem e o que é a Ecologia. Para celebrar o Dia da Ecologia, que se comemora em Setembro. Recorde os testemunhos de Filipa Coutinho Soares, Mário Santos, Susana C. Gonçalves, Zara Teixeira, Maria Amélia Martins-Loução, Carlos Vila-Viçosa, Hélia Marchante, Ruben Heleno, Ana Paula Portela, Pedro Anastácio, Ana Sofia Reboleira e Rúben Sousa de Oliveira.