A série “À Conversa com um Ecólogo” é uma parceria Wilder e Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO), que nos dá a conhecer diferentes ecólogos portugueses. Desta vez, damos a conhecer Carlos Vila-Viçosa, que trabalha com florestas de carvalhos.
Carlos Vila-Viçosa, 43 anos, trabalha como investigador na associação Biopolis e no CIBIO – Centro de Investigação em Biogenética e Recursos Genéticos da Universidade do Porto. “A possibilidade de contribuir para a restauração e conservação das florestas nativas portuguesas, maioritariamente dominadas por carvalhos, é uma das melhores partes do meu trabalho”, afirma. “Responder a questões prementes como ‘o que plantar?’ e ‘onde plantar?’ é extremamente recompensador.”
Assista ao seu testemunho em vídeo e leia a entrevista.
Quem é e o que faz como ecólogo?
Chamo-me Carlos Vila-Viçosa e sou um botânico especializado em Biogeografia e Ecologia da Vegetação. Atualmente, o meu trabalho foca-se no estudo das florestas de carvalhos da bacia Mediterrânica, tanto do ponto de vista da ecologia e distribuição das espécies como do ponto de vista taxonómico e evolutivo do género Quercus, que engloba todas as árvores desse grupo. A minha abordagem multidisciplinar visa compreender os impactos das alterações climáticas nos nossos ecossistemas florestais.
O meu principal desafio é desvendar como os padrões ecológicos e biogeográficos influenciam a distribuição das espécies. Ao analisar as variações ambientais ao longo do tempo, tento perceber como estas tiveram influência na evolução das diferentes linhagens de carvalhos, promovendo o contacto ou a separação abrupta entre espécies. Isto pode ajudar a explicar fenómenos como a especiação, ou seja, o surgimento de novas espécies, o refúgio ou até mesmo a hibridação, que acontece quando há um cruzamento entre espécies diferentes – isto porque é comum árvores do género Quercus hibridarem, quando coexistem num mesmo local.
Para este fim, combino três áreas principais. Em primeiro lugar, a História Natural e a taxonomia, numa perspetiva clássica da botânica, estudando os nomes e as descrições originais das espécies, subespécies e híbridos e também a forma como diferentes botânicos as interpretavam, bem como as informações que podemos extrair das obras clássicas.
Em segundo lugar, recorro à modelação de nicho ecológico através do uso de SDMs (modelos de distribuição de espécies), que utilizam variáveis ambientais climáticas, edáficas (relativas ao solo) e topográficas para prever a probabilidade de uma determinada espécie ocorrer num espaço geográfico. Isso permite projetar a sua área de distribuição, tanto no que respeita ao que acontecia no passado como em cenários.
Por fim, trabalho com caracterização molecular para estudar o grau de parentesco (filogenia) e de hibridação (estrutura genética das populações) entre as diferentes espécies.
Como começou na ecologia?
O meu interesse pela ecologia surgiu durante o curso de Biologia na Universidade de Évora, onde fiquei fascinado com a compreensão dos fatores que influenciam as mudanças na paisagem e a distribuição ou posicionamento das diferentes espécies ou comunidades de plantas, como o sobreiro, a azinheira, os carvalhos, o freixo, o amieiro, entre outras. A curiosidade em entender as razões pelas quais os tipos de floresta variam no espaço e ao longo de gradientes ecológicos (solo, relevo, clima, proximidade de linhas de água) levou-me a estudar comparativamente os carvalhais de carvalho-português (Q. faginea Lam.) e de carvalho-negral (Q. pyrenaica Willd.), espécies de folha caduca-marcescente. No contexto do Alentejo e do sul de Portugal, essas florestas intrigavam-me devido ao contraste que ofereciam face às espécies perenifólias, como o sobreiro e a azinheira.
Este estudo levou-me a aprofundar o conhecimento sobre a diferenciação entre espécies, subespécies e híbridos de carvalhos, e a explorar ferramentas de ecoinformática e caracterização molecular para resolver as questões de parentesco dentro deste grupo complexo de espécies. E assim “evoluí” do Alentejo, para o Centro e Sul de Portugal, depois o Ocidente ibérico e por fim a Península Ibérica e o Mediterrâneo ocidental. E hoje em dia, trabalho com todas as espécies de Quercus da bacia do Mediterrâneo e da Europa.
Qual é a melhor parte do seu trabalho?
Para além do contacto privilegiado com a natureza e os ambientes florestais maduros, que frequentemente nos transportam para uma realidade desconhecida, destaco a realização intelectual de resolver o “puzzle da evolução” através da compreensão do “puzzle da paisagem” e das suas espécies. A capacidade de inferir sobre os “envelopes” ambientais onde as espécies evoluíram é especialmente gratificante.
Além disso, a possibilidade de contribuir para a restauração e conservação das florestas nativas portuguesas, maioritariamente dominadas por carvalhos, é uma das melhores partes do meu trabalho. Responder a questões prementes como “o que plantar?” e “onde plantar?” é extremamente recompensador.
Porque é que a ecologia é importante?
A ecologia é crucial porque, no caso das plantas, as hipóteses biogeográficas ajudam a perceber a especiação, estando intimamente ligadas às condições ecológicas. Como seres sésseis (que vivem imóveis), as plantas dependem fortemente de dois factores, o substrato e o clima, estando “presas” às alterações dos mesmos. Ao compreender de forma rigorosa os seus óptimos ecológicos — ou seja, o conjunto de variáveis que explicam a sua ocorrência ou dominância num dado local — e ao comparar estes ambientes com outros contrastantes, podemos inferir fenómenos como a especiação ou a hibridação resultante do contacto de espécies diferentes.
Por exemplo, se uma espécie é tipicamente associada a ambientes húmidos, com uma elevada precipitação ao longo do ano e baixa sazonalidade, é surpreendente encontrá-la em zonas mediterrânicas. É aqui que as ferramentas de modelação e caracterização molecular entram em ação.
O que gostaria de fazer, mas ainda não fez?
Gostaria de visitar todas as distintas florestas e matos de carvalhos da bacia do Mediterrâneo, especialmente as “que me faltaram” do Norte de África e no Médio Oriente, onde ocorrem as espécies “primas” ou “irmãs” das nossas, ajudando-nos a aprofundar o fenómeno da vicariância biogeográfica. Na realidade, gostaria de conhecer todas as florestas de espécies de carvalhos, bem como as florestas com as quais estas interagem. Em suma, gostaria de ter uma visão real (in loco) e global das florestas e da ecologia das Fagaceae em todo o mundo.
A série “À Conversa com um Ecológo” é uma parceria entre a revista Wilder e a Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO). Serão vários os investigadores portugueses, de todas as idades, que vão estar aqui a explicar o que fazem e o que é a Ecologia. Para celebrar o Dia da Ecologia, que se comemora em Setembro. Recorde os os testemunhos de Filipa Coutinho Soares, Mário Santos, Susana C. Gonçalves, Zara Teixeira e Maria Amélia Martins-Loução.