A série “À Conversa com um Ecólogo” é uma parceria Wilder e Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO), que nos dá a conhecer diferentes ecólogos portugueses. Desta vez, damos a conhecer Hélia Marchante, que trabalha com plantas invasoras e com o projeto de ciência cidadã INVASORAS.pt.
Hélia Marchante, 49 anos, é professora universitária e investiga as plantas invasoras, desde a sua ecologia aos efeitos que têm sobre os ecossistemas e de que formas as podemos controlar. Uma dos projetos em que está envolvida já há vários anos é o controlo biológico da acácia-de-espigas, em vários locais do país, uma espécie que a inspira para projetos semelhantes com outras invasoras, no futuro.
Assista ao seu testemunho em vídeo e leia a entrevista escrita, mais completa.
Quem é e o que faz como ecóloga?
O meu nome é Hélia Marchante, sou professora na Escola Superior Agrária do Politécnico de Coimbra e investigadora no CERNAS (Research Centre for Natural Resources, Environment and Society); sou uma das responsáveis pela plataforma de ciência cidadã INVASORAS.pt. Enquanto ecóloga trabalho com espécies de plantas invasoras, dedicando-me a investigar não só a ecologia das espécies, mas também os impactes que têm nos ecossistemas e quais as formas de as gerirmos melhor. Isso inclui desde métodos de controlo, com destaque para o controlo biológico, até uma aposta forte na prevenção, o que se concretiza em diversas formas de divulgação e formação a diferentes públicos-alvo.
Como começou na ecologia?
Comecei a trabalhar com plantas invasoras logo no início da minha vida profissional; assim que terminei o curso de Biologia comecei o Mestrado em Ecologia e a tese foi focada numa espécie invasora, a acácia-de-espigas, avaliando os seus impactes e a possibilidade de uso de controlo biológico. Mas posso dizer que antes disso, já desde criança, sempre me interessei muito pela vida, pela natureza e em saber como ela funciona. Foi a minha primeira aproximação à ecologia!
Qual é a melhor parte do seu trabalho?
Sentir que dou um pequeno contributo para a conservação (e recuperação) da natureza, da biodiversidade, de todo o equilíbrio dos ecossistemas. E faço isso através do trabalho focado na diminuição de uma das suas maiores ameaças, que são as espécies invasoras. Por exemplo, trabalhamos há muitos anos com o controlo biológico de acácia-de-espigas, uma das plantas invasoras que tem mais impactes negativos no nosso litoral.
A acácia-de-espigas produz muitas sementes que se acumulam no solo, aos milhares, promovendo a rápida reinvasão quando é controlada mecanicamente. O agente de controlo é um pequeno inseto australiano (Trichilogaster acaciaelongifoliae), inimigo natural desta acácia na Austrália, que foi introduzido por nós em Portugal em 2015, depois de mais de 12 anos de testes e análises de risco. “Trichi”, como carinhosamente lhe chamamos, induz a formação de galhas (bugalhos) nas pequenas gemas das acácias-de-espigas, diminuindo muito a produção de flor (mesmo o crescimento das outras partes) e, consequentemente, a produção de fruto e de semente.
É muito recompensador ver que atualmente, passados quase 10 anos da introdução do inseto, já temos locais em Portugal onde a produção de semente da acácia-de-espigas invasora está a ser muito reduzida! Isso contribui para que menos sementes se acumulem no banco de sementes, trazendo mais sucesso às outras intervenções de controlo da invasora. E isso significa mais hipóteses para a recuperação das espécies nativas e dos habitats de que elas fazem parte.
Porque é a ecologia importante?
Porque nos permite não só conhecer melhor como as espécies se relacionam com o ambiente, e com as outras espécies, mas também como os ecossistemas funcionam como um todo e mantêm o seu equilíbrio. E é nesse conhecimento que estão as respostas para a recuperação, pelo menos parcial, de muitos dos ecossistemas degradados devido aos mais variados factores e ameaças. Sem ecossistemas em equilíbrio e sem serviços dos ecossistemas, a nossa vida e a das outras espécies está ameaçada.
O que gostaria de fazer mas ainda não fez?
Trabalhar com todas as fases de controlo biológico, desde a prospecção de inimigos naturais nas regiões de origem das espécies invasoras até à sua seleção e libertação nas regiões onde a espécie-alvo é invasora. E trabalhar com o controlo biológico de mais espécies, incluindo plantas invasoras aquáticas. Tenho trabalhado com o controlo biológico de plantas terrestres, principalmente acácias, mas os agentes com que trabalho já tinham sido selecionados previamente pelo que só fiz o trabalho a partir daí.
Concretizando um pouco, gostava muito de trabalhar com o controlo biológico de jacinto-de-água, porque considero que é crucial para conseguirmos gerir esta espécie com mais sustentabilidade e sucesso. Já há agentes selecionados no Mundo, mas nada testado para a Europa. E, por outro lado, gostava também de me envolver no controlo biológico de ludevígeas, plantas invasoras anfíbias que invadem tanto as margens como dentro da água, para as quais ainda não há nenhum agente de controlo biológico ideal; já há alguns estudos, mas os potenciais agentes encontrados não são suficientemente específicos.
A série “À Conversa com um Ecológo” é uma parceria entre a revista Wilder e a Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO). Serão vários os investigadores portugueses, de todas as idades, que vão estar aqui a explicar o que fazem e o que é a Ecologia. Para celebrar o Dia da Ecologia, que se comemora em Setembro. Recorde os os testemunhos de Filipa Coutinho Soares, Mário Santos, Susana C. Gonçalves, Zara Teixeira, Maria Amélia Martins-Loução e Carlos Vila-Viçosa.