Os estudos nesta área têm vindo a crescer e a diversificar-se, como nos conta a investigadora Carla Rego. Nesta nova crónica da série Guardiões das Flores, uma parceria com o projeto PolinizAÇÃO, saiba o que está a ser feito nas universidades portuguesas.
Em Portugal, o estudo dos polinizadores e da polinização tem evoluído de forma notável, especialmente na última década, acompanhando as tendências globais da investigação em conservação da biodiversidade. Este progresso vai desde os estudos que identificam e classificam as espécies (taxonomia) até às abordagens ecológicas focadas nas interações planta-polinizador. Inclui também a avaliação da importância dos polinizadores e das consequências do seu declínio para os ecossistemas naturais, agrícolas e florestais. Trata-se de uma área do conhecimento que tem vindo a crescer e a diversificar-se, refletindo a crescente importância da proteção deste grupo.
Estudos taxonómicos
Os estudos sobre polinizadores em Portugal remontam ao século XVIII, quando naturalistas começaram a identificar e descrever espécies de abelhas, vespas, moscas, borboletas, escaravelhos e outros insetos visitantes das flores. Estes trabalhos foram fundamentais para o conhecimento inicial dos polinizadores, e permitiram criar as primeiras listas de espécies, recolher dados de distribuição e, em alguns casos, informação ecológica. Um dos principais legados são as coleções entomológicas em instituições como os museus de História Natural de Lisboa, Porto e Coimbra.
Embora as primeiras listas nacionais de alguns grupos de insetos polinizadores tenham sido publicadas no século XX, foi já no século XXI que surgiram atualizações de grande relevância. Obras como “Lepidoptera of Continental Portugal” (2015), “The Bees of Portugal” (2018) e o artigo “A checklist of the hoverflies of Portugal” (2011) marcaram um ponto de viragem ao disponibilizarem listas atualizadas, baseadas na revisão da informação e no estudo de exemplares guardados em coleções entomológicas nacionais e estrangeiras. Guias como “As borboletas de Portugal” ou a chave ilustrada para as moscas-das-flores do arquipélago da Madeira tornaram mais acessível a identificação destes insetos. Recentemente, foram traduzidas para português as chaves de identificação para os géneros de abelhas e moscas-das-flores europeus. Estas ferramentas têm o potencial de cativar e capacitar investigadores e de impulsionar o estudo dos polinizadores.
Paralelamente, os estudos sobre polinizadores começaram a integrar tecnologias baseadas em ADN e análise de imagem recorrendo à inteligência artificial, permitindo avanços notáveis na sua identificação e estudo.
Polinizadores e polinização
Ao contrário de Espanha, onde o estudo da ecologia da polinização tem uma longa tradição, em Portugal os estudos sobre interações planta-polinizador foram escassos até ao início deste século. Esta lacuna reflete a separação histórica entre o ensino da botânica e da zoologia, negligenciando esta importante interação ecológica.
Ainda assim, Portugal foi palco de descobertas notáveis, como as primeiras observações a nível mundial de polinização por répteis na ilha da Madeira, e uma revisão abrangente sobre a polinização por aves na Europa. Também se aprofundou o conhecimento sobre estratégias de polinização por engano, em que algumas plantas iludem os polinizadores, por exemplo, produzindo néctar de forma irregular, incluindo “flores vazias”, sem recompensa. Nestes casos, apenas algumas flores produzem néctar, o que leva os insetos a visitarem várias flores à procura de alimento – muitas vezes sem sucesso, mas, no processo, asseguram o transporte de pólen.
Nos últimos anos, os estudos sobre a biodiversidade de polinizadores e as suas interações com plantas têm aumentado muito. Destacam-se os trabalhos que evidenciam o papel crucial destes animais na reprodução de plantas endémicas e ameaçadas. É o caso da espécie jasione-marítima (Jasione maritima var. sabularia), que apenas ocorre nos ecossistemas dunares do oeste de Portugal continental, e de espécies endémicas da Madeira e dos Açores, como o maçaroco-da-Madeira (Echium candicans), o tangerão-bravo (Musschia wollastonii) e a não-me-esqueças dos Açores (Myosotis azorica). Sem os seus polinizadores, a sobrevivência destas plantas estaria em risco.
Em contexto agrícola, têm surgido estudos que revelam o impacto deste grupo de insetos na sustentabilidade da produção alimentar. A polinização de culturas como o kiwi, a maçã ou a cereja foi estudada em várias regiões do país, identificando os principais polinizadores e o seu papel nos sistemas produtivos. Alguns trabalhos mostram como a paisagem, o tipo de habitat circundante e a perturbação humana influenciam a diversidade e abundância de polinizadores locais, afetando assim a produção de alimento.
A procura de soluções para aumentar o número e diversidade de polinizadores em áreas agrícolas levou à avaliação da importância de manter zonas biodiversas dentro ou na proximidade das áreas cultivadas. Estas zonas, muitas vezes constituídas por bandas floridas obtidas por regeneração natural (deixando crescer as plantas que ocorrem naturalmente nessas áreas) ou por sementeira, têm mostrado contribuir positivamente para a produção em vinhas, pomares, olivais e outros sistemas agrícolas.
Apesar destes avanços, continuam a existir lacunas, nomeadamente quem são e quantos são. A investigação tem-se concentrado mais em abelhas, borboletas e moscas-das-flores, grupos maioritariamente diurnos. No entanto, há cada vez mais evidências de que outros animais, incluindo espécies noturnas, podem ter um papel tão ou até mais importante na polinização.
Conservação dos polinizadores: uma prioridade para a humanidade
A crescente consciencialização sobre o declínio dos insetos polinizadores levou a várias iniciativas nacionais e europeias para melhorar o conhecimento sobre a sua biodiversidade, ameaças e conservação. Neste contexto, a elaboração do primeiro Livro Vermelho dos Invertebrados de Portugal Continental foi fundamental ao identificar várias espécies de polinizadores ameaçadas de extinção, alertar para as ameaças que enfrentam no nosso território e propor várias medidas de conservação para recuperar as suas populações.
Com uma forte componente de trabalho de campo, o projeto aprofundou a informação sobre algumas espécies. Em contrapartida, confirmou também muitas lacunas de conhecimento sobre a sua distribuição e ecologia, que impediram a avaliação do risco de extinção de inúmeros polinizadores – um sinal claro do muito que ainda falta conhecer para protegermos a biodiversidade funcional de que todos dependemos.
A constituição da rede Polli.NET – Rede Colaborativa para a Avaliação, Conservação e Valorização dos Polinizadores e da Polinização foi um marco na história da investigação dos polinizadores em Portugal. Esta rede reúne representantes da comunidade científica, da sociedade civil, ONGs e outras partes interessadas com o objetivo de promover a colaboração entre investigadores e gestores ambientais e do território. Um dos seus objetivos é identificar os polinizadores e os desafios que enfrentam, avaliar soluções e aplicar medidas consensuais para os proteger.
A implementação do projeto SPRING (“Strengthening Pollinator Recovery through Indicators and Monitoring”) em Portugal, entre 2022 e 2023, foi igualmente decisiva. Este projeto apoiou o desenvolvimento de sistemas de monitorização de polinizadores, que em breve serão obrigatórios a nível europeu, e promoveu formação na identificação dos principais grupos de insetos polinizadores.
Um dos exemplos mais relevantes da dinâmica criada pela rede polli.NET é o projeto nacional PolinizAÇÃO, financiado pelo Fundo Ambiental. Este projeto tem como principal objetivo propor um Plano de Ação para a Conservação e Sustentabilidade dos Polinizadores, identificando ações e medidas concretas para melhorar o conhecimento sobre insetos polinizadores, combater as causas do seu declínio e mobilizar a sociedade para a sua conservação.
Com conhecimento, trabalho colaborativo multidisciplinar, compromisso e ação, Portugal pode tornar-se um exemplo para a proteção e valorização dos guardiões das flores.
Carla Rego trabalha, como investigadora, no CE3C – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Nesta crónica também colaboraram, como co-autores, Sónia Ferreira, Sílvia Castro e João Loureiro. Carolina Caetano assegurou a revisão do artigo. O texto foi ainda revisto por Inês Sequeira, da equipa da Wilder.