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Mariposa-de-bogong. Foto: Ajay Narendra

Cientistas descobrem que estas mariposas usam as estrelas para se orientarem nas longas migrações

20.06.2025

A mariposa-de-bogong, na Austrália, faz duas viagens noturnas de 1000 quilómetros cada durante as migrações de primavera e outono. Um novo estudo ajuda a desvendar como é que este inseto de cérebro minúsculo não se perde.

Uma equipa internacional de 14 investigadores, liderados pela Universidade de Lund, na Suécia, conseguiu demonstrar como é que milhares de milhões de mariposas-de-bogong (Agrotis infusa) conseguem percorrer um longo caminho, sempre no escuro, sem se desviarem da rota correta em direção a um destino onde nunca tinham estado. O estudo foi publicado esta semana na revista científica Nature.

Esta espécie de mariposa ou borboleta-noturna é nativa da Austrália. Em tons acastanhados e cinzentos, tem um cérebro do tamanho de um décimo de um grão de arroz, como descreve a Universidade de Lund num comunicado de imprensa. A forma como esta borboleta de aspeto comum se orienta em longas migrações tem intrigado os cientistas desde há muito tempo.

Durante a primavera, cerca de 4000 milhões destas mariposas viajam durante a noite ao longo de 1000 quilómetros para se abrigarem em grutas frescas nas Snowy Mountains, a cadeia montanhosa mais elevada da Austrália. Neste local entram em estivação, um período de dormência a que algumas espécies recorrem durante o calor. Passados três ou quatro meses de estivação, chegado o outono viajam na direção inversa para o local de origem, onde acasalam, põem ovos e morrem.

A caminho da gruta de Bogong, em South Ramshead. Foto: Lund University

Mas como é que se orientam no escuro e para um local totalmente desconhecido para elas? “Navegar pelas estrelas é uma capacidade que só os humanos possuem, muitas vezes com ajuda de um sextante, e também algumas aves que migram de noite. Agora, conseguimos demonstrar que a mariposa-de-bogong é o primeiro invertebrado, até hoje, conhecido por dominar esta técnica”, indicou Eric Warrant, professor de Biologia na Universidade de Lund e coordenador do novo estudo, citado no comunicado de imprensa.

Os investigadores recorreram a simuladores de voo e a análises do cérebro das mariposas à procura de pistas para o enigma, realizando várias experiências em ambientes controlados e sem qualquer campo magnético, na Austrália. Ao serem colocadas perante um céu estrelado natural, estas voavam consistentemente de acordo com a estação do ano – para sul na primavera e para norte no outono.

“Quando rodávamos o céu estrelado 180 graus [no simulador de voo], as mariposas também mudavam de direção 180 graus, mas quando as estrelas desapareciam, ficavam desorientadas. Foi um verdadeiro momento eureka assistir a isso durante as experiências”, comentou David Dreyer, primeiro autor do estudo e investigador na Universidade de Lund.

Mapear mini-cérebros

Ao medir os estímulos neoronais em diferentes zonas do minúsculo cérebro destas borboletas, enquanto eram colocadas a voar sob a imagem de um céu estrelado, a equipa conseguiu também localizar os circuitos onde está armazenada a informação que estes insetos terão herdado dos progenitores, relativa às estrelas do Hemisfério Sul.

Ainda assim, não é apenas o céu estrelado que ajuda estes pequenos insetos a orientarem-se durante viagens tão compridas. Em ambientes naturais, quando surgem nuvens, as mariposas continuam a seguir corretamente o seu caminho – o que dá a entender que o campo magnético da Terra é outro dos recursos que utilizam, concluíram os cientistas.

Mariposa-de-bogong. Foto: Ajay Narendra

“É absolutamente fascinante, tendo em conta o tamanho desta viagem. É o equivalente a um humano migrar duas vezes a toda a volta do planeta, utilizando apenas os seus sentidos”, comentou Eric Warrant.

De acordo com a Universidade de Lund, os resultados desta investigação poderão interessar por exemplo a engenheiros que estejam a desenvolver drones, mas vai também contribuir com mais conhecimento para as estratégias de conservação de espécies ameaçadas. “O mais importante é que o estudo revela a magnificência da natureza e a importância de preservarmos a biodiversidade”, sublinha a universidade sueca.

“A mariposa-de-bogong é uma espécie que está ameaçada na Austrália, devido à seca causada pelas alterações climáticas. É da maior importância protegermos este navegador maravilhoso e providenciarmos-lhe rotas seguras de migração e céus escuros”, apelou por sua vez Eric Warrant.


Saiba mais.

Assista a um vídeo no Youtube, que descreve como a equipa de investigadores fez as suas experiências relativas à mariposa-de-bogong.


Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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