A série “À Conversa com um Ecólogo” é uma parceria Wilder e Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO), que nos dá a conhecer diferentes ecólogos portugueses. A quarta conversa é com Zara Teixeira, investigadora do MARE da Universidade de Coimbra.
Zara Teixeira, licenciada em Biologia, trabalha como investigadora do núcleo do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente na Universidade de Coimbra. Não sendo uma “ecóloga típica”, como explica, estuda diversas interações entre os humanos e os sistemas aquáticos, recorrendo a sistemas de informação geográfica, e desenvolve também investigação em literacia do Oceano. Fique a conhecer melhor esta ecóloga.
Quem é e o que faz como ecóloga?
Sendo licenciada em Biologia, costumo dizer que não sou uma ecóloga típica. Por definição, uma écologa estuda a relação dos seres vivos com o ambiente que os rodeia. Eu tenho interesse nesta relação, mas de forma mais indireta.
Desde muito cedo que o meu foco tem sido no efeito das atividades humanas nos ecossistemas naturais, tendo em vista dois grandes objetivos. Por um lado, perceber como é que as alterações provocadas pelo Homem poderão afetar a tal relação dos seres vivos com o seu ambiente. Por outro lado, entender quais são as condições necessárias para que as nossas ações, individuais e institucionais, mudem de forma efetiva, de forma a que não se prejudiquem os restantes seres vivos e a nossa própria sobrevivência e qualidade de vida.
Sou investigadora do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Universidade de Coimbra e tento atingir esses dois grandes objetivos de duas formas distintas, que são muitas vezes complementares.
No caso do estudo do efeito das atividades humanas no ambiente, a minha perspetiva é a da geografia ambiental: estudo as interações entre o Homem e os ecossistemas aquáticos no espaço geográfico, utilizando ferramentas de sistemas de informação geográfica. Na prática, tento responder a questões tão diversas como, por exemplo:
– Onde se encontra e qual é a concentração de nutrientes vinda de zonas terrestres que dá entrada em zonas aquáticas?
– Onde é que se encontram e quais são os usos do solo que poderão afetar zonas aquáticas?
– Quais são as zonas potenciais para a instalação de aquaculturas?
– Ou até mesmo, quais são as zonas mais propícias para a absorção e acumulação de carbono, em contexto de alterações climáticas?
E para entender quais são as condições necessárias para que haja uma atitude e comportamento pro-oceano, desenvolvo investigação em literacia do Oceano. Em particular, tenho trabalhado muito com escolas para perceber como incluir a temática do Oceano nos curricula escolares e como podemos motivar essas ações.
Como começou a sua ligação à ecologia?
Quando estava a terminar o mestrado em Sistemas de Informação Geográfica, que tirei no Instituto Superior Técnico, surgiu uma oportunidade de apoiar um projeto que necessitava de alguém com as competências interdisciplinares que eu tinha – Biologia e conhecimentos em análise de dados geográficos.
Já lá vão quase 20 anos. Nessa altura, era raro alguém ter habilitações nestas duas áreas, o que foi vantajoso para mim. Gostei bastante do trabalho e dali até começar o doutoramento, conciliando as duas temáticas, foi um passinho.
O meu trabalho de doutoramento focou-se então nos impactos causados pelas alterações dos usos do solo nos ecossistemas costeiros e como é que esse conhecimento poderia contribuir para uma gestão preventiva daqueles ecossistemas. Daí para a frente, comecei-me a aperceber de que por muitos estudos que façamos sobre os impactos das nossas ações e sobre metodologias para reduzir ou evitar consequências negativas nos ecossistemas, isso não é suficiente para garantir a sua implementação ou o apoio dos cidadãos para algumas decisões difíceis que por vezes é necessário tomar.
Esta maior consciência surgiu fruto da relação de proximidade que estabeleci com a comunidade local, quando o MARE abriu o laboratório MAREFOZ na Figueira da Foz, em 2016. Senti que era fulcral o apoio dos cidadãos e dos decisores políticos e que tal só seria possível se houvesse uma maior consciência sobre a importância do Oceano e quanto à necessidade de se mudarem comportamentos que sejam favroráveis à sua sustentabilidade. Foi neste contexto que surgiu o meu interesse pela literacia do Oceano.
Qual é a melhor parte do seu trabalho?
O reconhecimento da investigação que fazemos. Não por vaidade, mas porque para mim é importante que o meu trabalho tenha impacto. Pode ser apenas numa comunidade local, ou até numa turma de uma escola, mas sentir que as pessoas reconhecem e compreendem a importância dos nossos resultados dá um sentido ao que faço e motiva-me a continuar.
Do ponto de vista do dia-a-dia, a melhor parte é o facto de não haver rotina e de poder estar em contacto com a natureza. Ora hoje estou no escritório a analisar dados e a escrever artigos científicos, no outro já estou em campo a recolher amostras, no outro poderei estar em contacto com decisores políticos ou a comunidade e, eventualmente, no dia a seguir já poderei estar com uma escola a fazer atividades de comunicação de ciência.
Porque é a ecologia importante?
Porque, juntamente com outras áreas, é a base da sobrevivência humana. As relações dos seres vivos com o seu ambiente mantêm funções e processos essenciais. Por exemplo, a absorção de nutrientes como fonte de alimento ajuda a manter a água com boa qualidade. Ou a redução da força da água, quando atinge vegetação ribeirinha, evita ou reduz a probabilidade de inundações. O próprio crescimento de animais e plantas é o que nos permite ter alimentos ou até madeira para construção ou produção de papel.
Portanto, perceber como funcionam estas relações e a nossa interferência nas mesmas, enquanto ciência, é essencial para garantir que o equilíbrio ambiental se mantém e que somos capazes de gerir as nossas atividades para evitar um efeito negativo que é prejudicial para todo o planeta.
O que gostaria de fazer mas ainda não fez?
Neste momento gostaria de colocar os salgados nacionais no léxico dos portugueses. Chamamos Salgados aos ambientes com produção de sal artesanal e a toda a sua envolvência, desde os corpos de água à vegetação das zonas húmidas costeiras. São locais mágicos e de uma beleza singular, mas que estão muito esquecidos. E há uma tendência para ver a produção de sal dissociada do seu ambiente, mas são um sistema único e interdependente, com elevado potencial e valor ambiental, cultural, histórico e social.
Esta questão está também muito relacionada com a literacia do Oceano e com o aumento do conhecimento dos cidadãos sobre a importância destes ecossistemas. Por esse motivo, sinto que me falta também fazer investigação em literacia do Oceano com outros públicos-alvo além das escolas, o que já comecei a fazer.
A série À Conversa com um Ecológo é uma parceria entre a revista Wilder e a Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO). Serão vários os investigadores portugueses, de todas as idades, que vão estar aqui a explicar o que fazem e o que é a Ecologia. Para celebrar o Dia da Ecologia, que se comemora em Setembro.