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Carla Rego. Foto: DR

Cientistas: Carla Rego quer inverter a forma como olhamos os insetos

11.06.2025

Fascinantes, importantes e com necessidade de serem protegidos, é como Carla Rego vê estes pequenos seres de seis patas. Aos 54 anos, é investigadora no CE3C – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e é vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Entomologia. Fique a conhecer a autora principal da nova crónica da série “Guardiões das Flores”, sobre como é que os cientistas em Portugal estão a trabalhar para proteger os polinizadores.

O que fazes?

Sou bióloga, estudo insetos e as suas interações com plantas, nomeadamente a polinização.

E onde e quando começaste? 

Sempre tive fascínio pela ciência e por animais … e uma grande desilusão por não poder ter animais de estimação quando era criança. Mas a Biologia não estava nos meus horizontes. A minha primeira “paixão” foi a Medicina, não na vertente clínica, mas sim na parte de investigação científica, para participar em descobertas que pudessem ajudar a tratar ou a curar doenças. Depois apercebi-me que para poder fazer investigação em Medicina, com formação base nesta área, tinha pela frente um processo muito longo. Mais tarde, na altura de escolher o curso, decidi concorrer para Farmácia, com Biologia como segunda opção. O destino ditou que ficasse em Biologia … e ainda bem!

Cheguei à Biologia com a convicção que iria trabalhar com “coisas” peludas e fofinhas, como linces, lobos … nada menos do que isso. E de uma coisa tinha certeza: nunca iria trabalhar com insetos. Mas ao longo do curso descobri que trabalhar com “grandes” mamíferos não era assim tão romântico e que poderia ter de fazer investigação com estes animais quase sem os ver, apenas estudando os seus vestígios, como pegadas e excrementos.

Depois chegou o contacto com os insetos, quando tive oportunidade de aprender entomologia com professores da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Foi uma descoberta fascinante e passei a olhar em redor com mais atenção para coisas pequeninas com seis patas e sem pelo. No final do curso consegui ter uma bolsa de investigação no âmbito de um projeto que estudava moscas da fruta (Drosophila subobscura) e, paralelamente, tive oportunidade de fazer trabalho de campo e de aprender a identificar outras espécies de drosófilas. Fiquei apaixonada… e o resto é história.

Carla Rego durante uma saída de trabalho, a fotografar insetos. Foto: DR

Como aprendeste a fazer o teu trabalho? 

Aprendi a fazê-lo no âmbito da minha formação académica, quer durante o curso de Biologia, que comecei em 1988, quer durante o mestrado em comportamento animal, uma área que sempre me fascinou. Mas a aprendizagem veio, sobretudo, do contacto com colegas e investigadores fantásticos, com os quais tive oportunidade de colaborar em diversas temáticas. Participei em vários projetos sobre biologia evolutiva, estudando a adaptação a novos ambientes, a adaptação térmica, biodiversidade e conservação (de insetos, claro) quer no continente, quer nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, e, mais recentemente, em estudos sobre polinização. Posso dizer que hoje em dia os meus sentidos estão sempre alerta para detetar pequenos seres de seis patas.

Ao longo do meu trabalho, percebi que aquilo que era fascinante para mim e para os meus colegas era difícil de explicar a outras pessoas, a começar pela minha família. Afinal de contas, não parece muito normal dizer “a minha filha estuda moscas”… Depois surgiu de modo natural a necessidade de comunicar o gosto por aquilo que faço. A ciência não deve ficar fechada no ambiente académico, em artigos e apresentações em congressos, onde “apenas” fica disponível para os nossos pares. Esta necessidade levou-me a participar em diversas atividades de divulgação, e a minha ligação à Sociedade Portuguesa de Entomologia levou-me a concentrar-me em transmitir a outros a noção de que os insetos são fascinantes, importantes, e que necessitam de ser protegidos. Para conservar é necessário conhecer, pois não se conserva aquilo que não se conhece ou pelo qual não se sente alguma empatia. 

A experiência do contacto com o público levou-me a desenvolver capacidades na área da educação ambiental e de comunicação de ciência. Não é simples ajustar o modo como comunicamos com outros cientistas para o público. Não podemos ter uma atitude arrogante e falar com os outros como sendo os donos da verdade. Para mim, este desafio foi muito interessante, divertido e enriquecedor, cheio de peripécias e histórias que marcam. E nestas andanças, mais uma vez, tive oportunidade de colaborar com pessoas fantásticas e extremamente criativas.

Carla Rego numa ação de monitorização com espécies de polinizadores. Foto: DR

Finalmente, o que ainda te falta descobrir? 

Muita coisa, parafraseando alguém muito mais sábio do que eu: “Eu só sei que nada sei”. Atualmente estou a recolher informação sobre o modo como as características dos insetos têm sido usadas em diferentes áreas científicas, desde avaliar o risco de extinção até aos inúmeros serviços de ecossistemas que nos prestam sem darmos conta. Continuo fascinada pela entomologia e a querer aprender mais, sobretudo sobre moscas-das-flores e outros polinizadores.

O mundo à minha volta continua a apaixonar-me e a ciência também. Adoro ir para o campo, ver “bicharada” e tentar descobrir que espécies de insetos e plantas encontrei. Preocupam-me as questões sobre a sustentabilidade, a conservação da biodiversidade e o afastamento que as pessoas, sobretudo em ambiente urbano, têm em relação à natureza. Quando perguntamos que insetos conhecem, geralmente falam de baratas, formigas, pulgas, melgas, mosquitos e abelha do mel. À exceção desta última, são todos seres mal-amados e que despertam sentimentos negativos.

No entanto, sinto que em alguns aspetos as coisas estão a melhorar. Projetos como o PolinizAção (Plano de Ação para a Conservação e Sustentabilidade dos Polinizadores) ou a Vacaloura.pt, dos quais muito me orgulho de fazer parte, estão a fazer a diferença. E sempre que participo em atividades com o público, venho de coração cheio e com a sensação de estar a fazer a minha pequena contribuição para que as coisas mudem. 


Além de Carla Rego, fique a conhecer outros investigadores envolvidos na série “Guardiões das Flores”, publicada todos os meses na Wilder: Catarina SiopaHugo GasparOlga AmeixaElisabete FigueiredoAndreia Miraldo e Sónia Ferreira.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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