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Andria Miraldo durante uma monitorização da comunidade de insetos no parque natural de Maromizaha, Madagascar, ao abrigo do projeto Insect Biome Atlas, em 2019. Pode-se ver no canto esquerdo superior o Indri, o maior lémur de Madagascar (Indri indri). Foto: DR

Cientistas: De Portugal a Madagáscar, Andreia Miraldo aplica novas técnicas para investigar a biodiversidade

12.03.2025

O trabalho de Andreia Miraldo já a levou a muitos sítios com “uma biodiversidade estonteante”, como Madagáscar, a Amazónia, o Uganda e a Lapónia. Para esta cientista de 46 anos que labora com ADN, o mundo natural é “vasto e cheio de mistérios” e uma fonte de inúmeras perguntas para as quais procura respostas. Fique a conhecer a autora principal da quinta crónica da série Guardiões das Flores, sobre a importância de monitorizar os polinizadores em Portugal.

O que estás a fazer atualmente, como investigadora?

Sou bióloga, especializada em ecologia e monitorização da biodiversidade, com uma vasta experiência em investigação e consultoria ambiental. O meu trabalho envolve uma combinação de trabalho de campo e laboratório, análise de dados, elaboração de relatórios técnicos e científicos, e gestão de projetos. Tenho um grande interesse em compreender os padrões de distribuição da biodiversidade e como as atividades humanas a impactam, para informar políticas públicas eficazes de conservação.

Atualmente, trabalho no Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, onde integro uma equipa dedicada à elaboração do primeiro plano de ação para a conservação e sustentabilidade dos polinizadores em Portugal, o projeto PolinizAÇÃO. Este projeto, financiado pelo Fundo Ambiental, é de extrema importância para a proteção destes organismos que desempenham um papel fundamental na nossa saúde e na saúde dos nossos ecossistemas. 

Mantenho também uma posição de investigadora associada no Museu de História Natural da Suécia, fruto da minha participação num projeto inovador chamado Insect Biome Atlas.  Este projeto, que visa caracterizar detalhadamente os insetos da Suécia e de Madagáscar, já resultou na descoberta de novas espécies para a ciência e no desenvolvimento de métodos pioneiros de monitorização da biodiversidade com recurso a técnicas de sequenciação massiva de ADN. O Insect Biome Atlas transformou-se no primeiro programa de monitorização de insetos da Suécia, projeto esse que continua em curso até hoje. Os resultados obtidos até agora demonstram o enorme potencial da aplicação destas técnicas inovadoras de ADN para a descoberta e monitorização da biodiversidade a uma escala sem precedentes. 

Instalação de uma armadilha Malaise para monitorizar a comunidade de insetos na serra de Carnaxide ao abrigo do projeto PolinizAÇÃO, em Abril de 2024. Foto: DR

Além disso, sou diretora da Biodiversity and Sustainability Solutions – BaSS, uma empresa de consultoria ambiental que fundei há dois anos em Portugal. Através da BaSS, ofereço serviços especializados em estudos de impacto ambiental, planos de gestão da biodiversidade e soluções para a sustentabilidade.

Como é que começaste?

Diria que iniciei o meu percurso de bióloga na infância. Sempre tive uma curiosidade enorme em explorar a vida animal que estava à minha volta. Mesmo tendo crescido num centro urbano, pegava em todo o tipo de animais com que me deparava (ratos, morcegos, lagartixas, cobras, osgas entre outros) com o intuito de desvendar os seus segredos e, mais importante na altura, aterrorizar a minha avó, mãe e irmã!

Mas o meu percurso profissional teve início na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde me licenciei em Biologia Aplicada aos Recursos Terrestres. Com 22 anos, durante o último ano da licenciatura em Biologia, optei por fazer o meu estágio profissionalizante nas florestas da Amazónia, no Parque Natural de Amacayacu, na Colômbia. Acabei por não concluir esse estágio e regressei a Portugal onde tive que começar de novo.

No entanto, essa estadia de seis meses na Amazónia foi uma experiência marcante onde aprendi realmente a ser bióloga. Aprendi lições de vida inestimáveis, que moldaram a minha abordagem à ciência, como o abraçar a complexidade (da vida e dos ecossistemas), reconhecer os meus limites e os limites da natureza, a importância de ser adaptável e aprender com os erros. 

Equipa de expedição ao parque Natural de Gunung Mulu em Sarawak, Borneo, em 2013, para monitorizar escaravelhos. Esta expedição foi organizada pelo já falecido Prof. Ilkka Hanski, e visou repetir a amostragem por ele feita em 1978. Durou 3 semanas e teve início no “base camp”, a 200m de altitude, e terminou no pico do Mount Muku a 2276m. Foto: DR

Onde e como aprendeste a fazer o teu trabalho?

O meu trabalho tem muitas facetas, mas creio que o que destaca a minha especialidade neste momento é o desenvolvimento e aplicação de técnicas inovadoras de ADN para monitorizar a biodiversidade. Adquiri os requisitos essenciais para as minhas funções durante o meu doutoramento na Universidade de East Anglia, no Reino Unido, que concluí em 2009.

Nessa altura, comecei a trabalhar com genética de populações de lagartos (Timon lepidus) na Península ibérica. Aprendi e apliquei técnicas de extração de ADN e de amplificação e sequenciação de marcadores genéticos. Foi então que percebi o grande potencial da aplicação de técnicas de ADN para caraterizar a biodiversidade, não só para distinguir e identificar diferentes espécies, mas também para caracterizar a diversidade intraespecífica, ou seja, as variações genéticas dentro de cada espécie.

Quando começaste, o que pensavas que querias fazer?

O meu fascínio pelo mundo natural foi, em grande parte, inspirado pelo trabalho incrível do Sir David Attenborough. As suas narrativas sobre a vida selvagem despertaram em mim uma curiosidade enorme e um grande interesse pela conservação da natureza. Esta paixão foi também alimentada pelas histórias do meu professor de ecologia animal durante a licenciatura, o Prof. Jorge Palmeirim, cujas aventuras nos trópicos, a estudar morcegos, me cativavam. 

Nessa altura não sabia bem o que queria fazer como bióloga. Pensei que o melhor seria ir à descoberta do mundo e tentar expor-me a ambientes diferentes, trabalhar com organismos diferentes e ver se encontrava o meu caminho.  Esta determinação levou-me a conhecer muitos países com uma biodiversidade estonteante. Desde as florestas tropicais da Amazónia, passando pelas de Madagáscar, Bornéu, Uganda e Nigéria, até às montanhas da Etiópia, os desertos de Marrocos e a Lapónia dos países nórdicos, observei a singularidade e a beleza de cada bioma. Todos estes, à exceção de Marrocos, foram visitados em trabalho.

Andreia Miraldo na Avenida das Boababs em Morondava, Madagascar, onde existe a maior concentração de embondeiros de Grandidier (Adansonia grandidieri). Esta imagem foi captada a caminho da Kirindy Forest Reserve, para iniciar a monitorização de insetos ao abrigo do Insect Biome Atlas, em 2020. Foto:DR

Essas experiências reforçaram a minha convicção de que não podemos proteger aquilo que não conhecemos. A descoberta de novas espécies e o desenvolvimento de métodos eficientes para essa descoberta, como as metodologias inovadoras de ADN, tornaram-se assim prioridades centrais no meu trabalho. O projeto Insect Biome Atlas permitiu-me não só expandir o conhecimento sobre a biodiversidade de insetos na Suécia e Madagáscar, mas também desenvolver e implementar novas ferramentas de caraterização rápida e monitorização eficazes da biodiversidade.

Um exemplo notável do sucesso dessas ferramentas são os resultados do nosso trabalho em Madagáscar: em apenas um ano de amostragem em 50 locais, identificamos mais de 70.000 espécies de insetos. Estes resultados fazem com que Madagáscar passe de um dos países com menor conhecimento sobre a sua entomofauna para um dos mais bem estudados a nível mundial! Da mesma forma, no projeto PolinizAção, testamos técnicas inovadoras para caracterizar a diversidade de polinizadores em Portugal e desenvolver estratégias eficazes para a sua conservação. 

O que ainda te falta descobrir?

Tanta coisa! O mundo da biodiversidade é vasto e cheio de mistérios. Ainda há muitas espécies desconhecidas e muitas questões sobre a sua ecologia e biologia que precisam de ser respondidas. Perguntas básicas como: quantas espécies de insetos realmente existem em Portugal e no mundo? Que funções exatas desempenham nos ecossistemas nacionais? Onde estão distribuídas? Como é que as atividades agrícolas e florestais estão a impactar as suas populações? Estas são apenas algumas das questões fundamentais que me fascinam e a que ainda me falta responder.

Acredito que a ciência tem um papel fundamental a desempenhar na sustentabilidade do nosso planeta e que, como biólogos, temos a responsabilidade de continuar a explorar e a descobrir para podermos proteger melhor a biodiversidade e compreender o funcionamento dos ecossistemas que nos suportam.


Além de Andreia Miraldo, fique a conhecer outros investigadores envolvidos na série “Guardiões das Flores”, publicada todos os meses na Wilder: Catarina SiopaHugo GasparOlga Ameixa e Elisabete Figueiredo.


Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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