Os resultados de oito anos do projeto VACALOURA.pt, dedicado ao maior escaravelho da fauna portuguesa, foram agora avaliados num artigo científico. O que foi conseguido graças aos novos registos surpreendeu os investigadores.
Nove anos depois do início do projeto de ciência cidadã VACALOURA.pt, dedicado ao mapeamento do vaca-loura (Lucanus cervus) e de outros três escaravelhos que dependem da madeira morta, as áreas de distribuição destas espécies aumentarem várias vezes em Portugal. A equipa de investigadores analisou os registos históricos já conhecidos desde 1870, incluindo coleções de história natural em museus e bibliografia científica. De seguida, compararam essa informação com os avistamentos comunicados por cidadãos-cientistas no âmbito do projeto começado em 2016.
Ao todo, foram validados 7306 registos, dos quais 93,7% referentes a informação mais recente, obtida com base em ciência cidadã.O resultado, segundo um artigo publicado na revista científica Biodiversity and Conservation, mostra que os dados fornecidos por cidadãos-cientistas, desde 2016, traduziram-se num aumento em 3,6 vezes da área de distribuição do vaca-loura em Portugal, face ao que era conhecido anteriormente.
E este não foi um caso único. A área de distribuição do vaca-ruiva (Lucanus barbarossa), outro escaravelho do mesmo género, aumentou 7,2 vezes alimentada pelos registos trazidos por cientistas-cidadãos. No caso do Dorcus parallellipipedus, com o nome comum vaquinha, o mapa da espécie cresceu 3,9 vezes. E mesmo para o Platycerus spinifer, bastante menos avistado do que os primeiros três, a área conhecida aumentou 1,6 vezes.
“Sempre tivemos uma boa ideia da participação dos cidadãos nacionais neste projeto, mas ver os resultados agregados espantou-nos completamente face à dimensão da mudança que conseguimos criar em conjunto”, disse à Wilder João Gonçalo Soutinho, primeiro autor do artigo científico e coordenador do projeto de ciência cidadã dedicado ao maior escaravelho português. “Além do aumento da distribuição dos escaravelhos, os dados permitiram agora compreender melhor a ecologia das espécies e assim dar algumas ideias que podem ajudar a melhorar a conservação da biodiversidade em Portugal, começando por estas espécies e todas as que têm as mesmas dependências ecológicas.”
A nova informação possibilita também “identificar as zonas do território nacional com elevado potencial da ocorrência” dos quatro escaravelhos, ajudando a melhorar a sua monitorização e conservação, acrescenta uma nota de imprensa de João Gonçalo Soutinho e dos restantes 15 autores do novo estudo. Ajudados pela obtenção de mais informação sobre a ecologia deste escaravelho, afirmam também os investigadores, é possível compreender melhor a história natural do território português e o “papel essencial” da floresta nativa e das árvores de grande porte na paisagem.
Sem madeira morta, sem vacas-louras
Com um ciclo de vida que se estende por três a quatro anos, o vaca-loura passa a maior parte desse tempo como larva, pois é apenas nos últimos dois a três meses que vive em estado adulto.
Na fase larvar, este escaravelho – que como adulto ostenta umas grandes pinças semelhantes a chifres, daí o seu nome comum – “tem um papel vital na degradação da madeira morta” das florestas, notam os autores do estudo. As larvas abrigam-se principalmente em raízes mortas de árvores antigas de folha caduca, como é o caso dos carvalhos-galegos (Quercus orocantabrica), mas também se alimentam de troncos caídos no solo.
“Os resultados demonstram que se trata de uma espécie que necessita de áreas florestais nativas em territórios com clima temperado, como o encontrado no norte de Portugal. No entanto tem maior predisposição para florestas nativas com reduzida densidade arbórea e ricas em árvores de grande porte. Estas características são indicadoras de florestas nativas antigas, cada vez mais raras em Portugal”, assinala a equipa.
“É interessante compreender também que é observada principalmente em regiões com mais território orientado a norte e com algo contra intuitivo para um inseto que necessita do sol para se aquecer e ser ativo. São no entanto territórios pouco produtivos e de interesse para a atividade humana, sendo natural que nestes locais haja uma maior abundância das florestas que este escaravelho necessita para sobreviver.”
Portugal com pouca madeira morta disponível
Para os investigadores, o vaca-loura pode desta forma ser utilizado como um sinal da presença de florestas e árvores antigas, zonas estas onde poderão ser aplicadas medidas ativas de conservação da natureza, tendo em vista o cumprimento das metas nacionais e internacionais, como é o caso da Lei do Restauro da Natureza. Esta legislação chama a atenção para a necessidade de se conservarem a madeira morta e as árvores antigas nas florestas da Europa, uma vez que “cerca de 70% das espécies que vivem nas florestas temperadas europeias necessitam deste habitat para sobreviver”, escrevem os autores.
“Em Portugal isto é particularmente relevante dado que somos o segundo país da Europa com menos madeira morta disponível nas nossas florestas, com valores muito abaixo dos sugeridos por especialistas”, sublinham. Apesar disso,
Por outro lado, a distribuição geográfica do vaca-loura pode ajudar à identificação de áreas do território que deveriam ficar protegidas de alterações à lei, tendo em conta mudanças como a da Lei dos Solos, sugerem os investigadores. “Qualquer município pode assim pesar também princípios e valores ambientais antes de facilitar a urbanização de solos rústicos, usando os dados da presença desta espécie (entre outras de elevado valor ecológico) como indicadores de habitats de elevado interesse para a conservação da biodiversidade”, acrescentam.
Para breve, está previsto também o uso dos novos dados sobre o vaca-loura para ajudar a mapear as árvores de grande porte em várias regiões de Portugal, no âmbito do projeto de ciência cidadã Gigantes Verdes, da Associação Verde. “Além disso, queremos alargar estas dinâmicas associadas à madeira morta em Portugal e trabalhar mais ativamente em ações de conservação destas estruturas, continuando o trabalho de mapeamento da vaca-loura mas também de outras espécies que possam ser indicadores da presença de florestas nativas antigas”, disse João Gonçalo Soutinho, que é também presidente e co-fundador da Verde e investigador do CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Unversidade do Porto).
Agora é a sua vez.
Além de participar no projeto VACALOURA.pt (hospedado na plataforma portuguesa Biodiversity4All) ajudando a mapear o vaca-loura e outras 13 espécies de invertebrados que partilham o mesmo habitat deste escaravelho, pode também juntar-se ao projeto Gigantes Verdes, contribuindo para descobrir onde estão as árvores de grande porte em Portugal.