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Em 2023, durante as amostragens de polinizadores do projeto SPRING em Alfandega da Fé. Foto: Sónia Ferreira

Cientistas: Sónia Ferreira está a ajudar a criar bibliotecas que guardam o ADN dos insetos

07.05.2025

Desde pequena que esta investigadora do CIBIO-InBIO se sente fascinada pela natureza. Hoje, aos 46 anos, continua a “estudar bichos” e a trabalhar para o aumento do conhecimento que temos sobre eles. Fique a conhecer a autora principal da sexta crónica da série Guardiões das Flores, sobre as novas tecnologias que contribuem para a identificação dos polinizadores.

O que estás a fazer atualmente, como investigadora?

Sou bióloga de formação e faço investigação em entomologia. Como diria a minha irmã, “estudo bichos”! No meu trabalho combino ferramentas de morfologia e de análises genéticas para identificar e caracterizar espécies, e por vezes, quando descobrimos algo novo, descrever novas espécies. Nos últimos dez anos tenho estado a trabalhar com muitos grupos distintos de invertebrados. Entre os quais estão muitos polinizadores como abelhas e borboletas-noturnas, mas também organismos decompositores, parasitas e predadores sejam eles escaravelhos coprófagos, libélulas ou ácaros aquáticos.

O objetivo é criar bases de dados de códigos de barras de ADN que permitam o desenvolvimento de estudos de ecologia que permitam acelerar o conhecimento das interações e interdependências entre espécies. Faço um pouco de tudo, desde o trabalho de campo à análise dos dados genéticos – é extraordinário quando conseguimos gerar novo conhecimento e contribuir com a publicação de dados. É fundamental a publicação de resultados para que seja possível alicerçar mais investigação e simultaneamente tornar acessível a informação gerada para a gestão dos recursos naturais.

Paralelamente tento trabalhar na divulgação da diversidade dos invertebrados e seu papel ecológico, tanto em Portugal como noutros países, como é o caso da Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe. É fundamental criar uma maior familiaridade com os distintos grupos de invertebrados, para que deixem de ser “bichos” e passem a ter nome próprio e função associada. É igualmente muito importante formar quadros técnicos capazes de estudar e gerir os desequilíbrios provocados, tanto pelas alterações climáticas, como pela destruição de habitat a que assistimos atualmente.

Equipa internacional do projeto Biodiversity Genomics Europe, na Estação Biológica de Mértola, em Maio de 2023, visando a amostragem de vários grupos de invertebrados. Foto: Sónia Ferreira

Como é que começaste?

A descobrir o cheiro da raposa, os cogumelos do outono, os bicharocos por baixo de um tronco de arvore ao passear aos domingos de manhã com o meu pai, a minha irmã e o nosso cão Black nas “bouças” de Silva Escura, na Maia. O início e o gosto pela natureza estarão sempre ligados a este contacto regular na infância. Quando estava no ensino secundário houve uma tarde que me fascinou de uma forma indescritível. Muitas turmas foram até ao Fórum da Maia para receber e ouvir uma palestra do Professor Jorge Paiva sobre diversidade. Numa altura que a fotografia digital era ainda uma realidade inacessível, o professor trouxe na sua palestra imagens de florestas remotas cheias de organismos de cores e formas inacreditáveis e uma paixão indescritível, mas muito palpável e incrivelmente contagiante. Fiquei completamente deslumbrada, mal sabia que 23 anos depois percorreria algumas dessas florestas. Fui para biologia sem saber muito bem por onde seguir, se botânica, se zoologia, achei que se estudasse insetos teria de aprender também botânica… e dediquei-me a insetos.

Com vinte e alguns anos fui a Amesterdão e passei o meu único dia livre no museu de zoologia, a ver a coleção de entomologia à procura de grilos de Portugal para o meu mestrado. Fiquei a tresandar a naftalina, e passei o dia no meio de pessoas cuja média de idades era muito acima dos 50 anos. Foi no final dessa tarde que me apercebi que fazia escolhas muito pouco normais e que essas escolhas me faziam muito feliz.

Mais tarde, numa estância no Museu de Ciências Naturais de Madrid, acabei a primeira semana com as bochechas a doer de sorrir toda a semana. Tratou-se de uma bolsa SYNTHESYS em que estive a fazer o inventário da coleção de libelulas e libelinhas da Península Ibérica. E foi a validação do início de uma viagem sem retorno.

Onde e como aprendeste a fazer o teu trabalho?

No início todos pensamos que a universidade é o sítio onde aprendemos mais, e em grande parte é o local onde temos acesso a mais ferramentas e mais pessoas com conhecimentos nas áreas que nos queremos formar. Mas de uma forma geral tudo o que aprendemos em qualquer situação, por muito remota que possa parecer acaba por ser útil na nossa vida profissional. Aprendi imenso, inclusive que sabia muito pouco, nos intervalos das aulas do curso de Biologia em que me refugiava no museu de História Natural da Universidade do Porto, agora Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto, onde estive a dar apoio às curadoras do Museu e a ajudar nos trabalhos de inventariação e curadoria da coleção de avifauna. A tarefa mais estranha para mim, na altura, era a remoção de pó das aves com um pequeno aspirador, pelo que se pode dizer que andava a “aspirar” aves nesses intervalos das aulas…

Aprendi imenso também em trabalhos de campo em áreas protegidas de Portugal, onde tive a oportunidade de trabalhar em inventários de invertebrados, nomeadamente no Parque Natural da Serra da Estrela, Parque Natural do Douro Internacional, Parque Natural do Tejo Internacional e no Parque Nacional da Peneda Gerês. Foi marcante ver a diversidade de habitats e de espécies e como são diferentes entre regiões, assim como são distintos os desafios de os estudar.

Durante o período do meu mestrado, que terminei em 2009, tive a oportunidade de visitar alguns museus de história natural de outros países. Aprendi imenso com a equipa de entomologia do Museu de Nacional de Ciências Naturais de Madrid e em especial com a Dra Vicenta Llorente, que me ensinou muito do mundo dos ortópteros, da ciência e um bocadinho da vida.

Em 2007, fui convidada para integrar a equipa a trabalhar na lista vermelha de organismos de água doce do Mediterrâneo e ir a uma reunião em Marrocos. Apanhei o meu primeiro voo na vida e lá fui conhecer Rabat e especialistas de diferentes países. Foi o início de muitas viagens por países diferentes para estudar libélulas com equipas internacionais, rodeada de especialistas de vários grupos e nas quais fui aprendendo a olhar e a conhecer em detalhe não só as libélulas, mas também a procurar e amostrar outros incríveis animais.

Em trabalho de campo na Patagónia, Argentina, em 2015, na viagem após o congresso mundial de Odonatologia. Foto: Klaus-Jürgen Conze

Aprendi imenso, mais uma vez, na cidade de Liverpool, minha casa durante os trabalhos laboratoriais de doutoramento. Foi entre a herança dos Beatles, a multiculturalidade, a gentileza das suas gentes e os investigadores de várias nacionalidades com quem partilhe casa, que acordei para um mundo muito mais amplo humanamente. Foi também aqui, em plena academia inglesa, que aprendi o enorme benefício de ser capaz de assumir e dizer “Não sei”, que não há problema em assumir que não sabemos. Muito pelo contrário, que quanto mais rapidamente o fizermos mais rapidamente aprendemos e realizamos trabalho de qualidade em investigação.

Quando começaste, o que pensavas que querias fazer?

Organizar a informação de um pequeno grupo e passar ao grupo seguinte num espaço de meses – mais de vinte anos depois ainda trabalho com libélulas. Há imenso para fazer em qualquer grupo de invertebrados, e a nossa produtividade cresce bastante, com o acumular de experiência. É caricato olhar para trás e ver a vontade de organizar informação – agora é precisamente isso que faço sejam listagens de espécies ou as bibliotecas de códigos de barras de ADN. E descobrir, queria muito fazer descobertas e ver coisas novas, ora no grupo dos insetos isso é garantido, pela sua enorme diversidade (e as vezes até sem sair de casa…)!

O que ainda te falta descobrir?

Há muitas mais espécies por descrever do que descritas – por isso falta descobrir mesmo mesmo mesmo muito! Mas algo que me intriga é a repulsa que muitas pessoas têm dos invertebrados, dado que sempre me fascinaram e vejo neles enorme beleza (bem, nuns mais que noutros é certo) e muitos motivos de interesse e admiração.

De certa forma falta-me descobrir como fazer com que mais pessoas gostem dos invertebrados e percebam o papel importantíssimo que têm nas nossas vidas!

Trabalho de campo na Guiné-Bissau durante um curso de Biologia tropical da Tropica Biology Association, em 2023. Foto: Sónia Ferreira

Além de Sónia Ferreira, fique a conhecer outros investigadores envolvidos na série “Guardiões das Flores”, publicada todos os meses na Wilder: Catarina SiopaHugo GasparOlga AmeixaElisabete Figueiredo e Andreia Miraldo.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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