Catarina Siopa

Trabalhando com a vida selvagem: Catarina Siopa investiga como a agricultura e os polinizadores podem ficar mais amigos

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Investigadora no FLOWer Lab, da Universidade de Coimbra, Catarina Siopa já trabalhou vários meses no Brasil e outros tantos na Argentina. Agora com 30 anos, continua em busca de mais respostas sobre a interdependência entre as diferentes culturas agrícolas e os polinizadores selvagens e e como conciliar dois mundos que por vezes colidem. Fique a conhecer melhor a autora principal do primeiro artigo da nova série Guardiões das Flores, publicado esta quarta-feira na Wilder.

O que estás a fazer atualmente, como investigadora?

Trabalho no FLOWer Lab, do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra. Enquanto investigadora, trabalho com a polinização em culturas agrícolas, e dedico-me também à conservação de polinizadores em sistemas produtivos e às dinâmicas entre os polinizadores, as práticas de gestão e a produção agrícola.

Mais especificamente, tento compreender como é que os polinizadores contribuem para a produção e qualidade das diferentes culturas agrícolas e como podemos protegê-los e otimizar os serviços de polinização nesses mesmos sistemas. Sabemos que os polinizadores selvagens são essenciais para a produção e qualidade de muitas culturas, mas equilibrar a sua proteção com práticas agrícolas que impactem negativamente a biodiversidade não é fácil.

No entanto, dado o declínio global dos polinizadores que é hoje observado em várias regiões do mundo, é urgente desenvolver soluções e práticas agrícolas que sejam sustentáveis e amigas dos polinizadores. E é no encontrar este equilíbrio que a minha investigação se tem focado nos últimos anos!

E como é que começaste?

Entrei no mundo da investigação quando terminei a minha licenciatura em Biologia, em 2016, ao fazer uma série de rotações laboratoriais em grupos de investigação. Numa destas rotações, conheci membros do atual FLOWer Lab, e ao iniciar o mestrado em Ecologia, fiz o meu projeto de tese no grupo. Durante o mestrado trabalhei com uma área distante daquela com que trabalho hoje, que envolveu plantas poliploides (plantas com mais de duas cópias do seu genoma) e teve como modelo a planta Jasione maritima.

Mas entretanto, aliado a um pouco de sorte, o FLOWer Lab iniciou um novo percurso de investigação sobre a polinização em culturas agrícolas, nomeadamente o girassol. Em 2017 e 2018, fiz parte de uma equipa que fez trabalho de campo em Espanha, onde investigámos o impacto de estruturas verdes nos serviços de polinização e produção de girassol. Foi uma experiência desafiante, mas é ainda hoje uma das minhas aventuras favoritas, pois foi aqui onde descobri a minha área! 

Como aprendeste a fazer o teu trabalho?

Venho de uma família de agricultura de subsistência e os meus avós foram pequenos produtores de maçã na zona de Alcobaça, pelo que esta foi uma aprendizagem que começou quando era criança, mas foi entre o mestrado e o doutoramento que aprendi muito do que sei hoje. Tenho tido oportunidades de trabalhar em várias culturas e regiões e com isso ganhei muita experiência em trabalho de campo, mas igualmente em laboratório. Tive a oportunidade de trabalhar com o girassol, maçã, pera, kiwi, amêndoa, entre outros, identificando os seus polinizadores e a importância destes para a produtividade.

Entretanto, iniciei o meu doutoramento em 2020, e parte dos trabalhos que conduzi foram ligados à cereja, com o estudo dos aspetos da biologia floral, dos polinizadores dessa cultura e sobre a importância de zonas naturais na paisagem para os serviços de polinização. Mas como o doutoramento se iniciou aquando da pandemia, precisei de adaptar bastante o meu plano original, porque fiquei impossibilitada de realizar trabalho de campo no meu primeiro ano.

Catarina Siopa a trabalhar com os polinizadores e a cereja. Foto: DR

Assim, iniciei um projeto que envolvia a compilação dos défices globais de polinização em culturas agrícolas, do qual resultaram a publicação de uma base de dados e várias colaborações internacionais: em 2022 fiz uma estadia científica de vários meses no Brasil e em 2023 estive no instituto INBIOMA, na Argentina. Agora, em 2025, irei para a Alemanha lecionar e fazer investigação. Este contacto com investigadores e equipas internacionais tem sido uma experiência muito boa e enriqueceu bastante os meus conhecimentos científicos.

Quando começaste, o que pensavas que querias fazer?

Fazer ciência foi desde muito cedo um desejo meu e o que há muito tempo considero ser a minha vocação. Sou curiosa por natureza e sempre fui uma pessoa de questionar muito, pelo que sempre soube que queria seguir o rumo da investigação.

Menos claro foi com o que gostaria de trabalhar dentro do mundo da ciência. Antes de iniciar o meu percurso na universidade, sempre considerei que seguiria para a área da conservação. Mas durante a licenciatura, fiquei interessada nas interações entre organismos e ganhei um gosto especial pelas plantas. E daí veio o meu foco na polinização. Como sempre tive um grande interesse tanto na ecologia básica como aplicada, ao longo dos anos, a minha investigação dirigiu-se para algo que conjuga ambas.

Em trabalho de campo com as amendoeiras. Foto: DR

O que ainda te falta descobrir?

Existem ainda bastantes lacunas sobre a polinização animal em culturas, especialmente no contexto português, e quero muito trabalhar nesta vertente nos próximos anos. Não conhecemos quais são os polinizadores para muitas das culturas e o impacto destes na qualidade e valor nutricional das mesmas.

O tomate, por exemplo: conhecemos alguns dos polinizadores, como os abelhões, mas falta-nos saber que espécies selvagens visitam a cultura e quantificar a dependência das diferentes variedades cultivadas quanto à polinização. Outros exemplos são os melões, meloas e melancias, sobre a qual temos muito pouca informação e estudos conduzidos em Portugal.

Da mesma forma, necessitamos de identificar estratégias para proteger e promover as comunidades de polinizadores em sistemas agrícolas, sem comprometer a produção. Isto porque precisamos de reduzir o uso de químicos e a intensificação agrícola, uma vez que prejudicam a abundância e diversidade dessas comunidades de polinizadores, mas como essas são atividades realizadas para aumentar a produtividade das culturas, torna-se um desafio encontrar aqui um equilíbrio.

Por fim, globalmente, quero trabalhar com questões globais e compreender como a atividade humana impacta e influencia os déficits de polinização nas culturas agrícolas. 


Saiba mais.

Descubra aqui qual é o elo invisível entre os polinizadores e a vida na Terra, numa crónica que tem como autora principal Catarina Siopa.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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