Qual é o valor da abelha-do-mel e da atividade económica que dela depende? E o que sabem os cientistas sobre este polinizador? Conheça as respostas nesta crónica da série “Guardiões das Flores”, uma parceria entre a Wilder e o projeto PolinizAÇÃO.
Entre as mais de 20.000 espécies de abelhas que existem no mundo, uma captou a atenção do ser humano há mais de 9000 anos: a abelha melífera, também conhecida por abelha-do-mel.
Com o nome científico Apis mellifera, esta abelha é uma espécie social que, em regiões como a Europa, é gerida pelo ser humano. Pertence à ordem Hymenoptera e à família Apidae. Nativa da Europa, África e sudoeste da Ásia, está amplamente distribuída por todo o mundo devido ao seu valor económico, em particular pela produção de mel. Mas o seu papel vai para além disso: ao valor económico junta-se o enorme valor ambiental devido ao seu excelente desempenho como polinizadora, tanto de culturas agrícolas como da flora silvestre.
A Península Ibérica tem a sua própria subespécie, Apis mellifera iberiensis, que evoluiu para se adaptar à nossa região e que, por isso, é diferente das restantes abelhas melíferas. Podemos reconhecê-la pelas suas características morfológicas específicas, como a coloração mais negra, mas também pelo comportamento defensivo mais exacerbado, quando comparado com outras subespécies.
A organização da colmeia
A abelha melífera é uma espécie social com várias particularidades, como o facto de apresentar indivíduos com morfologia e funções distintas (castas): os do sexo masculino (zangãos) e os do sexo feminino, que se dividem em rainha e obreiras. Os zangãos são indivíduos haploides originados de ovos não fecundados. As fêmeas são diploides, tendo origem em ovos fecundados. A diferença morfo-fisiológica nas fêmeas resulta da dieta durante a fase larvar: larvas provenientes de ovos fecundados são alimentadas com mel e pólen, dando origem a obreiras, enquanto que as futuras rainhas são alimentadas exclusivamente com geleia real, uma substância nutritiva produzida pelas obreiras.
Enquanto as obreiras realizam todas as tarefas da colónia, a rainha assegura a reprodução, através da postura de ovos. Já os zangãos fecundam as rainhas virgens. Durante o voo nupcial, a futura rainha acasala com vários zangãos em pleno voo, e estes morrem logo de seguida.
Às obreiras cabe assegurar várias tarefas, de acordo com a sua idade. As mais jovens são responsáveis pela limpeza de toda a colónia. Mais tarde são amas, cuidando da criação, alimentando as larvas. De seguida passam a construtoras de favos e depois a guardiãs, defendendo a colónia. As mais velhas dedicam-se ao pastoreio, saindo da colmeia para recolherem néctar e pólen, os quais serão transformados em mel e pão de abelha (mistura fermentada de pólen) e armazenados nos favos existentes na colmeia. Adicionalmente recolhem resinas e água, que utilizam no dia a dia.
A apicultura em Portugal
A atividade apícola está solidamente implantada em todas as regiões de Portugal. É uma atividade económica que providencia rendimentos e, dessa forma, fixa populações nos territórios rurais. Além disso, está associada a impactos ambientais positivos por contribuir para a manutenção e preservação dos ecossistemas, através da polinização. Ou seja, ser apicultor é um exemplo de emprego verde.
Em Portugal, existem atualmente 12.363 apicultores, os quais detêm 753.124 colmeias. A produção anual de mel varia consoante as condições climáticas e do solo.
A relevância da apicultura não se restringe apenas ao mel. Na verdade, muitos outros produtos úteis podem ser obtidos: pólen apícola, cera de abelha, geleia real, própolis e apitoxina (veneno).
Mas o maior contributo da abelha melífera vem do seu trabalho diário fora da colmeia, visitando flores de forma metódica e incansável. Algo invisível, que não pode ser medido nem pesado, algo que dificilmente é avaliado, e muitas vezes menosprezado: a polinização das plantas!
O serviço de polinização proporcionado pela apicultura
A polinização é um processo vital para a sobrevivência das plantas, fundamental para a manutenção dos ecossistemas e para a agricultura, pelo que é crítico para a segurança alimentar da espécie humana, sendo a abelha melífera uma das principais espécies envolvidas na polinização.
Quando as abelhas melíferas encontram um local com disponibilidade de recursos, ao regressar à colmeia comunicam a sua localização. Fazem-no através de uma dança, na qual a abelha abana o abdómen rapidamente enquanto se desloca numa determinada direção. A abelha repete este movimento várias vezes, e as vibrações causadas pela dança são captadas pelas outras abelhas. O tempo que a abelha demora nesta fase indica a distância a que se encontra o recurso, enquanto a direção da dança indica o ângulo do recurso em relação à posição do sol. Após receberem esta informação, as outras abelhas saem da colmeia e vão visitar o local.
Acresce que as abelhas melíferas optam por visitar flores da mesma espécie. Ao visitarem uma flor, aprendem a retirar o néctar e/ou o pólen, capitalizando esse conhecimento. Este comportamento, juntamente com o recrutamento das restantes obreiras para esse recurso, faz com que a abelha melífera seja um excelente polinizador, promovendo a tão importante polinização cruzada.
É de salientar o significativo benefício da polinização por abelhas melíferas para árvores de fruto como as amendoeiras, cerejeiras, macieiras, pereiras e pessegueiros, bem como para plantas forrageiras (trevos) e oleaginosas (girassol e colza), entre muitas outras plantas e culturas. Além de aumentar a produtividade das culturas, melhora a qualidade de frutos e legumes, com um melhor formato, maior calibre, homogeneidade da cor e do teor de açúcares ou o rendimento na extração de óleos.
Para alcançar uma boa polinização, o número de colmeias a introduzir nos pomares varia de 1 a 15 colmeias por hectare, de acordo com a cultura-alvo. Na maioria dos casos, as colmeias são propositadamente deslocadas para o serviço de polinização, retornando ao local de origem quando termina o período de floração da cultura. Os atuais investimentos feitos em Portugal em pomares de amendoeira e abacateiro, por exemplo, estão a aumentar a procura pelos serviços de polinização proporcionados pelos apicultores.
O serviço para o ecossistema
O serviço de polinização proporcionado pelas abelhas melíferas não se resume às culturas agrícolas. Se pensarmos que a maior parte do mel produzido em Portugal tem origem em néctares de plantas silvestres autóctones, como o rosmaninho, o alecrim ou as urzes, facilmente entendemos a importância das abelhas para a manutenção das populações dessas plantas.
Num contexto de alterações climáticas e de dependência do uso de fitofármacos para o sucesso da maioria das culturas agrícolas, as populações de insetos polinizadores estão ameaçadas.
Sendo consensual que o desaparecimento da atividade apícola e, consequentemente, da “força” polinizadora da abelha melífera, compromete uma boa parte do serviço de polinização, é compreensível o enorme relevo da apicultura para a sustentabilidade dos ecossistemas naturais e humanizados. Sem apicultura é mais difícil (senão impossível) manter saudável o património agrícola, ambiental e paisagístico do país.
Anabela Nave é engenheira agrícola e trabalha como investigadora no INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária. Nesta crónica colaboraram ainda como autores Ana Eugénio, João Casaca e Nuno Capela, também investigadores. Carolina Caetano, da Universidade de Coimbra, assegurou a revisão do artigo.