PUB

Crónicas naturais: papoilas no cocuruto do mundo

18.07.2025

O investigador Paulo Catry deixou-se encantar por estas flores que crescem no extremo norte do Alasca, em condições muito adversas. E como a aparente fragilidade se agiganta e nos apanha de surpresa.

Ártico: julho 2025

Todos temos um fascínio de índole gargantuesca: o maior mamífero (a baleia-azul), a árvore mais alta (uma espécie de sequoia), a ave mais rápida (o falcão-peregrino), os animais mais longevos (certas esponjas e corais; ou o tubarão-da-gronelândia, se quisermos nomear um vertebrado).

Pois as maravilhosas papoilas também são dignas do livro do Guiness. Mas não são as nossas rubras e saudosas (agora que é Verão) Papaver rhoeas, nem outras de espécies de cores menos vivas que por cá medram. 

Papoilas Papaver rhoeas e outras flores em Barca-d’Alva, Trás-os-Montes. Foto: P. Catry

Há a contabilizar uma centena de papoilas do género Papaver pelo mundo. Há papoilas de várias famas, como aquelas de onde se extrai o ópio ou a morfina, ou as comemorativas dos combatentes das grandes guerras. Há papoilas de geografias muito diversas, desde a África do Sul à Europa e à América do Norte. E é na geografia que uma das papoilas do mundo mais se destaca.

A norte da Gronelândia existe uma ilhota chamada Kaffeklubben (nome dinamarquês) que é o bocado de chão e rocha que mais se abeira do Pólo Norte. Mais para cima dali, só mar, por ora frequentemente gelado (a ver se dura, com o aquecimento em curso). Em 2023, uma expedição americana e gronelandesa visitou este quintal de Odin (a ilhota tem uns meros 700 metros de comprido) e deu conta das plantas que lá existem. Do lado mais polar da ilha, cresce um tufo de papoilas cuja proeza é esta: são as plantas vasculares mais setentrionais do planeta. As mais nórdicas de todas, recorde mundial absoluto e dificilmente ultrapassável na configuração presente das placas tectónicas que nos sustentam. São as papoilas-do-ártico Papaver radicatum.

Nunca estive na Gronelândia, e muito menos na ilha de Kaffeklubben (que apetecível seria espetar lá a bandeirinha das minhas inúteis fantasias), mas tive a sorte de encontrar outras papoilas árticas (Papaver macounii, muito semelhantes a P. radicatum) no extremo norte do Alasca.

Papoilas Papaver macounii no extremo norte do Alasca. Foto: P. Catry

Vistas de perto são mesmo parecidas com as nossas; só que amarelas, como se o frio desbotasse. Aliás, há por esta tundra várias outras espécies de plantas de géneros que nos são familiares, como os Rumex (azedinhas), as Potentilla (cinco-em-rama) ou os Salix (salgueiros), entre várias outras.

Para além de papoilas, no ilhéu de Kaffeklubben também se registaram saxífragas-púrpuras Saxifraga oppositifolia, plantas rasteiras de belas flores que se dão em montanhas muito mais a sul, por exemplo nos Alpes (onde batem o recorde da planta angiospérmica que cresce a maior altitude na Europa – 4500m). 

Saxífragas-púrpuras Saxifraga oppositifolia, na ilha de Victoria, Ártico Canadiano. Foto: P. Catry

Seria talvez de crer que nestes ambientes extremos as plantas se apresentassem em configurações esdrúxulas, quem sabe se transparentes, de cristal gelado, ou que fossem subterrâneas; que se aquecessem com lamparinas acesas no cálice das flores; que fossem microscópicas, porventura, por falta de primavera suficiente. Mas não! Salvo alguma discreta adaptação bioquímica de maravilhar especialistas, são simplesmente papoilas.


Saiba mais.

Leia aqui outros textos já publicados por Paulo Catry, professor e investigador do Mare – Marine and Environmental Sciences Centre, Ispa – Instituto Universitário, na série Crónicas Naturais. E também os artigos publicados em 2017, quando esteve à procura de aves marinhas no meio do Oceano Atlântico.

Don't Miss