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Foto: Joana Bourgard

Comissão Europeia acusada de marginalizar natureza na sua proposta de orçamento pós-2027

18.07.2025

A proposta para o novo Quadro Financeiro Plurianual da União Europeia (2028-2034), apresentada a 16 de Julho, põe em risco o futuro do programa LIFE, a espinha dorsal da conservação da natureza na Europa, alertam organizações de defesa da vida selvagem.

A Sociedade Espanhola de Ornitologia (SEO/Birdlife) diz-se profundamente preocupada com a proposta apresentada por Bruxelas relativa ao pós-2027. “Longe de reforçar a resposta europeia perante a emergência ecológica, a nova proposta supõe um passo atrás na ambição climática e na protecção da biodiversidade”, alerta em comunicado.

Segundo a SEO/Birdlife, a proposta da Comissão Europeia aposta numa simplificação extrema dos fundos da União Europeia, eliminando os objectivos específicos de biodiversidade e fundindo programas como o LIFE em novos mecanismos orientados para a competitividade económica.

Se esta proposta for aprovada, “a natureza vai perder visibilidade” e peso político e financeiro.

A organização alerta que sem um financiamento adequado não será possível implementar os objectivos europeus de restauro ecológico nem enfrentar, com garantias, os impactos das alterações climáticas, nem proteger os serviços dos ecossistemas que sustentam a saúde, a segurança alimentar o bem-estar das pessoas.

Asunción Ruiz, directora executiva da SEO/Birdlife, considera que “a proposta apresentada hoje (16 de Julho) pela Comissão Europeia não está à altura da resposta aos desafios estruturais e mundiais que põem em risco o nosso futuro comum”.

Apesar dos compromissos assumidos já pela União Europeia no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, o novo Quadro Financeiro Plurianual, com um orçamento de dois biliões de euros para aplicar de 2028 a 2034, abandona o objectivo de 10% gastos em biodiversidade e não estabelece mecanismos de seguimento nem de prestação de contas para garantir um financiamento adequado.

Além disso, salientou a SEO/Birdlife, o futuro do programa LIFE, o único fundo especificamente ambiental da União Europeia, é posto em causa, já que se propõe integra-lo num fundo de competitividade gerido directamente pela Comissão Europeia. “Esta decisão vai enfraquecer a sua eficácia e afastar a sociedade civil da concepção e implementação das políticas ambientais europeias.”

A organização apela ao Governo de Espanha para trabalhar activamente no Conselho e no Parlamento Europeu para manter o programa LIFE como um fundo específico e com maior dotação e para definir uma dotação mínima para a biodiversidade no novo Quadro Financeiro Plurianual.

Em Portugal, a WWF também manifestou a sua preocupação.

“Num movimento inexplicável, o altamente bem-sucedido programa LIFE será absorvido pelo Fundo Europeu para a Competitividade, um instrumento concebido principalmente para apoiar objetivos de política industrial”, lamenta, em comunicado.

A WWF Portugal receia que seja “pouco provável que projetos genuínos de conservação e restauro da natureza continuem a receber apoio significativo, já que foram totalmente omitidos do novo fundo”.

“No seu empenho implacável pela simplificação, a Comissão criou um monstro de Frankenstein,” comentou Bianca Mattos, coordenadora de Políticas da WWF Portugal. “Ao desmantelar e fundir o financiamento direcionado, dedicado e bem-sucedido do atual programa LIFE nos dois grandes pilares do novo Quadro Financeiro Plurianual, que deverão cumprir uma lista interminável de objetivos sem qualquer prioridade clara, a Comissão arrisca-se a cortar fundos vitais para a ação climática e pela natureza.”

De forma preocupante, a Comissão também atribui a si própria plena discricionariedade sobre como e até que ponto esses objetivos serão prosseguidos. “Esta abordagem fragiliza milhares de beneficiários em toda a Europa que dependem de financiamento da UE estável e previsível para ações climáticas e ambientais. Além disso, marginaliza o papel do Parlamento Europeu na definição do orçamento da UE e ameaça rebaixar prioridades fundamentais da União”, salienta a WWF Portugal.

Por isso, a WWF apela aos co-legisladores para que alterem a proposta da Comissão e garantam que o orçamento da UE assegure financiamento dedicado para as atividades do LIFE.

Ainda assim, há pontos positivos. Esta organização “saúda o compromisso contínuo com a eliminação de subsídios prejudiciais ao ambiente no próximo período orçamental da UE. A Comissão Europeia comprometeu-se – pelo menos no papel – a aplicar plenamente o princípio de Não Causar Dano Significativo, em conformidade com as suas obrigações legais ao abrigo do Regulamento Financeiro”.

“No entanto, muito dependerá da forma como esta aplicação se concretiza na prática.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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