Inês Catry e outros cientistas da sua equipa investigam há mais de 10 anos a cegonha-branca, em Portugal. A omnipresença de plásticos e outros lixos em ninhos da espécie e os efeitos negativos que viam nas crias foi decisivo para avançarem com um estudo focado nesse problema, publicado esta semana na Ecological Indicators. A coordenadora do estudo e investigadora do CE3C – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, da Universidade de Lisboa, explica o que está em causa.
Wilder: Porque decidiram avançar com este estudo científico sobre o lixo encontrado em ninhos de cegonhas e o impacto que está a ter?
Há mais de 10 de anos que trabalhamos com cegonhas e monitorizamos os ninhos ao longo da época de reprodução. Para ver o conteúdo dos ninhos, usamos um poste telescópico com uma câmara na ponta, e tiramos uma fotografia. Assim, ao longo da época, temos uma vez por semana uma fotografia de cada ninho, onde dá para ver bem a quantidade de “lixo” que as cegonhas aí usam.
Para além disso, subimos bastantes vezes aos ninhos, por exemplo para anilhar as crias, ou colocar emissores GPS, ou em outros trabalhos que fazemos para as amostrar, como fazer medições para ver como estão a crescer. Nessas visitas, e ao longo dos anos, fomos tendo bastantes casos em que encontramos crias emaranhadas e que acabam por não sobreviver.
E assim surgiu a ideia de fazer este trabalho, com o objectivo de tentar quantificar o real impacto destes materiais de origem antropogénica. Para isso precisávamos de uma metodologia mais sistemática, em que escolhemos uma amostra de ninhos que conseguíamos alcançar – mais baixos – e em que semanalmente verificámos se havia crias emaranhadas. As fotos que recolhemos ao longo de anos também foram usadas, para sabermos que tipo de materiais as cegonhas levam para os ninhos e quantos destes tinham cada tipo de material.
W: Já têm sido realizados vários estudos sobre o problema do plástico e dos materiais de origem humana em ninhos de aves. Qual é a importância deste novo estudo e dos seus resultados?
A maioria dos estudos não quantifica o impacto destes materiais nas aves. Muitos estudos são apenas descritivos, mostrando a frequência de ocorrência de “lixo” nos ninhos mas sem reportar quantas crias morrem, ou apenas reportando casos detectados ocasionalmente, como nós fizemos também no passado. Noutros casos, parece-nos que os resultados podem estar subestimados, porque muitas vezes o que acontece é que os investigadores só visitam os ninhos quando vão anilhar as crias e perto do período em que aquelas estão quase a sair dos ninhos.
O que o nosso estudo mostra é que muitas das crias de cegonha ficam emaranhadas quando são pequenas, com mais ou menos duas semanas, e por isso muitas acabam por morrer relativamente pequenas. Esta mortalidade é dificilmente detectada na maioria dos estudos que estimam a produtividade/sucesso reprodutor, com visitas mais tardias aos ninhos. No nosso trabalho, e com as visitas semanais, estimámos que 12% das crias podem morrer.
W: Porque é que consideram que este problema está a afetar também outras espécies de aves e outros países?
Há outros estudos que mostram que este é um problema maior, atingindo muitas espécies em muitos locais diferentes. Em Portugal não tenho conhecimento de muitos estudos, existe por exemplo este, mas só a descrever o tipo de materiais e frequências de ocorrência.
Lembro-me também de que a última águia pesqueira fêmea que criava em Portugal quando a população nidificante se extinguiu – mais recentemente voltaram a criar – morreu no ninho em 1997, enrolada em redes de pesca. Da minha experiência, por exemplo em Castro Verde, já encontrei crias de francelho, estorninho e gralha-de-nuca-cinzenta enroladas em cordas ou fios e crias mortas. As gralhas, por exemplo, levam muito material para os ninhos, e nos últimos dois anos encontrei crias quase voadoras mortas à porta daqueles, presas a cordas e arames.
Ou seja, acreditamos que deve ser um problema generalizado. Embora haja espécies como as cegonhas, é claro, para as quais o impacto será maior, tendo em conta a quantidade de lixo que usam na construção dos ninhos.
W: No vosso estudo, o baraço de plástico é apontado como a principal causa de emaranhamento das patas das crias. No dia a dia deparam muitas vezes com este material na natureza? Deveria ser banido?
Estas cordas são muito comuns em áreas agrícolas. São usadas para enfardar [feno e palha], mas depois reutilizadas para muitas funções, como reparar vedações, ou para o sistema de fecho dos portões daquelas, etc. Quem anda no campo depara-se muitas vezes com estes materiais descartados e como “lixo”. E sim, deveria ser banido, poderia talvez ser reciclado. Poderia haver uma proibição de deixar esses materiais no campo, e sobretudo poderiam ser considerados materiais que fossem alternativos.
Saiba mais.
O problema dos macropásticos afeta também a alimentação das cegonhas-brancas: duas em cada três são vítimas dessa poluição.