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Andorinhão-da-serra (Apus unicolor) a entrar no ninho, no edifício reabilitado. Foto: Projeto Andorin

Reabilitação de edifício no Porto salvaguarda colónia rara de andorinhões-da-serra

01.07.2025

Este terá sido o primeiro restauro de um edifício em Portugal que contemplou a preservação de uma colónia de andorinhões, afirma o projeto Andorin.

Foi graças à rápida articulação entre o projeto Andorin, coordenado pela associação Vita Nativa, o município do Porto e o E3B Group que as obras de reabilitação de um edifício na rua de Sá da Bandeira, no Porto, permitiram que se preservasse uma colónia de andorinhões-da-serra (Apus unicolor).

Os andorinhões, que são muitas vezes confundidos com as andorinhas mas pertencem a um grupo diferente, alimentam-se de insetos e passam uma grande parte da vida a voar. Muitos são migradores e formam colónias de nidificação que juntam vários casais, muitas vezes em edifícios, onde constroem os seus ninhos debaixo das telhas do telhado ou em caixas de estore, por exemplo.

Quanto ao andorinhão-da-serra, uma das espécies de andorinhão conhecidas em Portugal, é característico dos arquipélagos da Madeira e das Canárias. “Recentemente, percebeu-se que também se reproduzem no Porto e em Lisboa, existindo apenas cinco colónias de nidificação conhecidas em toda a Europa continental, todas elas em Portugal”, explicou o projeto Andorin, numa nota de imprensa enviada à Wilder. Este projeto lançado em 2022 coordena uma campanha de ciência cidadã de registo de ninhos e de colónias de nidificação de andorinhas e andorinhões. “Todas as colónias conhecidas de andorinhão-da-serra em território continental estão registadas na campanha do projeto, o que permite que lhes seja dedicada alguma atenção”, indicou ainda a equipa do Andorin.

Andorinhão-da-serra (Apus unicolor). Foto: Paulo Belo

Das cinco colónias, a que está situada num edifício da rua de Sá da Bandeira, em obras de reabilitação desde o final do verão de 2024, conta atualmente com “três ou quatro casais”. Graças ao alerta do ornitólogo Paulo Belo, que visita regularmente esta e outras colónias da espécie, os responsáveis do Andorin aperceberam-se de que o prédio estava a ser alvo de uma intervenção e contactaram o Departamento Municipal de Planeamento e Gestão Ambiental da Câmara Municipal do Porto (CM Porto). Este departamento camarário, por sua vez, articulou-se com o Departamento Municipal de Gestão Urbanística, de forma a agendar uma reunião com o promotor imobiliário responsável pelo projeto de edificação, o E3B Group.

“Nessa reunião, o promotor imobiliário, que desconhecia a presença da colónia no edifício, desde logo se mostrou disponível para encontrar uma solução para a preservação da colónia”, descreveu à Wilder a chefe da Divisão Municipal de Gestão Ambiental do município, Marta Pinto. Na visita que se seguiu às obras do edifício, que juntou técnicos da câmara, do projeto Andorin e os reponsáveis da obra, identificaram-se os locais dos ninhos e os respetivos orifícios de acesso – que tinham sido tapados por uma laje de cimento – e definiram-se as medidas e a localização das futuras aberturas que seriam feitas.

Realizou-se ainda uma nova visita ao edifício, a que se juntou Paulo Belo, ornitólogo responsável pela descoberta desta colónia. O uso de uma câmara endoscópica permitiu confirmar que no antigo vão de estore, onde antes das obras se alojavam os ninhos de andorinhão, continuava a existir espaço suficiente para a nidificação. “No final, foi sugerido alargar o acesso, num formato ovalizado, de forma a minimizar ao máximo a possibilidade de obstrução da abertura. Paralelamente, foi desenhada e impressa em 3D uma peça de acabamento da abertura, composta por uma face com pequenos sulcos, que permitem a entrada dos andorinhões”, recordou também Marta Pinto.

O regresso dos andorinhões

Outra das questões identificadas, em outubro do ano passado, foi a necessidade de se acelerar o prazo previsto para a retirada dos andaimes a tempo da nova época de nidificação. “Foi feito um verdadeiro esforço para cumprir tudo o que foi proposto pelo projeto e os trabalhos foram concluídos mesmo a tempo da chegada das aves. A 22 de junho, foi confirmado que os andorinhões, que são muito fiéis aos locais de nidificação, voltaram a ocupar o edifício”, lembrou a equipa do Andorin, projeto coordenado por Vasco Flores Cruz.

“Enquanto que as aves beneficiam das estruturas que construímos para nidificar, nós beneficiamos de um serviço de controlo de invertebrados que é de um valor incalculável. Vale por isso a pena promover esta relação de benefício mútuo”, sublinhou este ecólogo, em entrevista à Wilder

“Houve uma ótima sinergia e foi tudo muito ágil, pelo que o maior desafio foi conseguir terminar a obra, retirar os andaimes e resguardos da obra a tempo da nidificação dos andorinhões”, concordou a chefe da Divisão de Gestão Ambiental do município. Até hoje, houve um outro caso semelhante a este, mas com um ninho de falcão-peregrino na varanda de um prédio em reabilitação. “Foi possível preservar durante as obras, mais uma vez com a colaboração proactiva do empreiteiro.”

Aspeto atual do edifício reabilitado. Foto: Projeto Andorin

“O equilíbrio entre obras de reabilitação de edifícios e a preservação de habitats é sempre um enorme desafio, até porque frequentemente não sabemos que espécies utilizam esses edifícios. No caso da CM Porto, tentamos sempre que haja articulação entre o Pelouro do Ambiente e Transição Climática e o Pelouro do Urbanismo e Espaço Público”, indicou ainda Marta Pinto, sublinhando que “é fundamental que, à semelhança deste caso, a sociedade civil reporte agilmente e fundamentadamente este tipo de situações”. “Só desta forma somos capazes de dar uma resposta atempada e com os resultados desejados.”


 Agora é a sua vez.

Tem dúvidas quanto ao impacto de obras de reabilitação em ninhos de andorinha e andorinhão no seu edifício? Pode informar-se aqui e contactar o projeto Andorin para pedir esclarecimentos.

Recorde também os resultados da campanha de ciência cidadã realizada em 2024, aqui.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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