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Andorinhão-da-serra (Apus unicolor). Foto: Paulo Belo

Projeto Andorin: “Esperamos que este restauro se torne um exemplo para mais edifícios amigos dos andorinhões”

01.07.2025

“Enquanto que as aves beneficiam das estruturas que construímos para nidificarem, nós beneficiamos de um serviço de controlo de invertebrados que é de um valor incalculável”, afirma Vasco Flores Cruz, coordenador do projeto Andorin, ligado à associação Vita Nativa. Este ecólogo explicou à Wilder como foi possível salvarem uma colónia de andorinhões-da-serra em plena cidade do Porto. Esta ave tem apenas cinco colónias conhecidas em Portugal continental.

WILDER: Quantas colónias de nidificação de andorinhão-da-serra (Apus unicolor) foram identificadas no Porto até agora?

Vasco Flores Cruz: Duas colónias, uma junto ao parque da cidade e esta que ajudámos a recuperar na rua de Sá da Bandeira.

W: Como é que tomaram conhecimento do que estava a acontecer no edifício da Rua de Sá da Bandeira?

Vasco Flores Cruz: O Paulo Belo tem-se dedicado ao estudo destes andorinhões e por isso visita as colónias com regularidade. Como é uma espécie em que só alguns indivíduos migram, ele tenta ir percebendo quantas aves estão na colónia ao longo do ano. Numa dessas visitas, deparou-se com o início da montagem de andaimes que indicavam que o edifício ia entrar em obras.

W: Como é que decorreu o processo de contactos com a Câmara Municipal do Porto e com o dono de obra?

Vasco Flores Cruz: Como não sabíamos quem era o dono de obra, recorremos ao município do Porto, que certamente teria licenciado a obra e por isso tinha de ter essa informação. Pouco depois, o município conseguiu uma reunião com a E3B Group no próprio edifício, onde tentámos perceber o que tinha sido feito, qual o calendário da obra e o que se poderia fazer para salvar a colónia.

W: Já tiveram outras experiências do mesmo género?

Vasco Flores Cruz: Sim, uma situação semelhante decorreu quando um viaduto onde existe uma colónia de andorinhão-real (Tachymarptis melba)  em Vila Franca de Xira começou a ser restaurado. Foi lançado um alerta para que se tentasse preservar os locais de nidificação dessas aves e foi-nos pedido para se construirem caixas-ninho especialmente pensadas para essa espécie, coisa que nunca tinha sido feita no nosso país. Também aí, as aves aceitaram bem os locais de nidificação que ajudámos a disponibilizar, tendo ocupado as caixas-ninho logo na época de reprodução seguinte à instalação das caixas.

W: Quais foram os principais desafios que sentiram ao longo deste processo?

Vasco Flores Cruz: Tanto o município como a empresa que está a restaurar o edifício tiveram uma postura incrível, tendo tido disponibilidade imediata para nos ouvir, aceitando depois e implementando todas as propostas que fizemos. Se este pode ser um desafio noutras situações, não o foi neste caso.  Mesmo com toda a boa vontade por parte da empresa de construção, a retirada dos andaimes – que era fundamental para que as aves tivessem acesso ao edifício – ficaria condicionada por algum atraso que a obra tivesse e estávamos mesmo no limite. Essa era a nossa maior preocupação. Por fim, depois de tanta sensibilidade e abertura por parte dos outros intervenientes, estávamos dependentes de que as aves aceitassem as alternativas que foram construídas sob a nossa orientação, para que todo este esforço tivesse valido a pena. A confirmação de que os andorinhões tinham voltado ao edifício foi por isso uma enorme alegria para toda a equipa do Andorin, mas também um alívio!  

W: Quais são as lições que se podem tirar do que aconteceu durante esta reabilitação?

Vasco Flores Cruz: Sobretudo que o restauro de um edifício não implica a destruição dos locais de nidificação. Pode até ser fácil conciliar o restauro com a conservação das aves. Esperamos mesmo que o restauro deste edifício se torne um exemplo e um ponto de partida para a construção e restauro de mais edifícios amigos dos andorinhões. Enquanto que as aves beneficiam das estruturas que construímos para nidificar, nós beneficiamos de um serviço de controlo de invertebrados que é de um valor incalculável. Vale por isso a pena promover esta relação de benefício mútuo. 

W: Quais são os principais cuidados a ter, se fizermos obras num local que tem nidificação de andorinhões?

Vasco Flores Cruz: Sabendo antecipadamente que o edifício é usado para a nidificação de andorinhões e pretendendo fazer uma obra, o que se deve fazer é informar o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, pedindo que emitam uma licença que permita a realização da obra. Esta licença pode condicionar o calendário da obra e implicar alguns cuidados ou medidas de mitigação dos impactos causados.

Os principais cuidados são respeitar o período de reprodução das aves e manter acessíveis os vãos que os andorinhões usam.

O período de reprodução depende da espécie, sendo necessário identificar corretamente os andorinhões antes de tomar decisões. Entre as espécies mais comuns, o andorinhão-preto (Apus apus) só faz uma postura por ano e por isso tem um período reprodutor mais curto, enquanto que o andorinhão-pálido (Apus pallidus) pode fazer duas posturas, utilizando os edifícios ou estruturas onde nidifica durante bastante mais tempo. Relativamente às cavidades, normalmente há soluções para manter os vãos onde as aves se reproduzem e os seus acessos desimpedidos. Não sendo possível, deverão ser criadas novas condições no edifício ou em edifícios próximos.


Saiba mais.

Tem dúvidas sobre uma obra num edifício e de que forma é possível proteger uma colónia de andorinhões? Contacte o projeto Andorin, aqui.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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