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Foto: Marta Acácio

Plástico que invade ninhos de aves está a matar crias. Cientistas sugerem soluções

16.07.2025

Estudo no Alentejo e Algarve encontrou materiais plásticos descartáveis em 91% de 568 ninhos de cegonha-branca analisados em quatro anos. Fio agrícola, usado para atar os fardos de feno, é o que faz mais vítimas.

Os materiais plásticos descartáveis, como sacos e cordas, são uma presença constante nos ninhos de aves como as cegonhas e estão a causar a morte de muitas crias, que ficam com as patas presas e emaranhadas acabando por morrer. O alerta foi lançado por investigadoras das universidades de Lisboa, East Anglia (Reino Unido) e Montpellier (França), que publicaram esta semana um estudo na revista científica Ecological Indicators.

Ao longo de seis anos, entre 2018 e 2023, a equipa fotografou ninhos de cegonha-branca (Ciconia ciconia) no Alentejo e Algarve, durante a época de reprodução da espécie, para investigar a presença de materiais de origem humana. Em 2023, visitaram também 93 ninhos semana após semana, depois da eclosão dos ovos, verificando se as crias ficavam com materiais emaranhados nas patas e ajudando-as quando era possível.

Os resultados deste estudo confirmaram que o plástico sob variadas formas está omnipresente nos ninhos de cegonha, o que aconteceu em 91% dos ninhos fotografados. Mais preocupante ainda é que muitas crias ficam com as patas emaranhadas nesses materiais, ainda com poucas semanas de vida. Um total de 33 crias (12% do total) foram encontradas nessa situação, nas visitas realizadas em 2023, “e muitas destas morreram, muitas vezes devido a ferimentos como necrose e perdas de membros”, descreve uma nota de imprensa divulgada pela Universidade de East Anglia.

Os sacos de plástico e outros plásticos flexíveis foram os materiais de origem humana detetados em maior número, em 65% dos ninhos, mas foram as cordas de polipropileno, usadas na agricultura, que mais problemas causaram às pequenas aves. Conhecido como fio agrícola ou baraço de plástico, muito comum hoje em dia nas enfardadeiras que atam de forma automática os fardos de feno e palha nos campos, este foi o material encontrado na maioria das situações em que as cegonhas tinham incorporado cordas artificiais nos ninhos – o que aconteceu em quase metade (42%) das situações.

Ninho com crias de cegonha e vários materiais de origem humana, observado durante o estudo. Foto: Marta Acácio

Mas especialmente preocupante foi que essas cordas sintéticas estavam emaranhadas nas patas de quase dois terços (63%) das crias de cegonhas encontradas em apuros, o que aconteceu em especial nas colónias desta espécie que estão situadas em zonas agrícolas.

A equipa também concluiu que nos ninhos onde havia um maior número de cordas – o máximo encontrado foi 22 – o perigo de as crias ficarem com as patas emaranhadas era maior, enquanto que as taxas de sobrevivência eram mais pequenas.

Cria de cegonha emaranhada com cordas, encontrada pelas investigadoras. Foto: Inês Catry

“Este problema ambiental não se limita às cegonhas-brancas ou a Portugal”, avisam as investigadoras no artigo publicado, lembrando que este material é usado na agricultura por todo o planeta e que já foram detetados problemas semelhantes em águias-pesqueiras na América do Norte, carcarás na Argentina e cegonhas-negras na Polónia, por exemplo. Em Portugal, aliás, há outras duas espécies afetadas, segundo a Lista Vermelha das Aves (2023): o francelho (Falco naumanni) e a gralha-de-nuca-cinzenta (Corvus monedula).

“A razão porque o baraço de plástico é tão perigoso pode estar ligada às suas propriedades. É um material longo e flexível, produzido com muitos fios fortes de polipropileno, que nos ninhos se separa em filamentos individuais, o que aumenta o risco de emaranhamento”, explicam também.

Outra presença habitual nos ninhos de cegonha é a tela plástica que se usa para embrulhar os fardos de feno e palha, quando estes já estão amarrados. A equipa encontrou esse material em 13% dos ninhos – e também enrolado em redor das pernas de seis pequenas cegonhas.

Problemas do plástico nos ninhos. Em cima, uma cria junto a um emaranhado de fio agrícola de polipropileno; em baixo, pata de cegonha seriamente afetada por estrangulamento. Fotos: Marta Acácio e Inês Catry

Substituir o fio agrícola de polipropileno

“Os nossos resultados trazem novas informações quanto à quantidade de mortes de crias causadas por emaranhamentos e sublinham a necessidade urgente de removermos e substituirmos materiais perigosos como o fio agrícola de polipropileno, tanto no uso agrícola como no ambiente, devido aos impactos prejudiciais para as crias”, alerta Ursula Heinze, que foi a primeira autora deste estudo no âmbito de um mestrado na Universidade de East Anglia, citada na nota de imprensa.

No artigo agora publicado, as investigadoras notam que todos os anos são utilizadas na Europa 80.000 toneladas deste fio sintético, não só para os fardos de feno mas para muitos outros usos agrícolas. Em fim de vida estes materiais não são recicláveis, por causarem problemas nas máquinas, e muitas vezes acabam enterrados nos campos.

Como alternativa, sugerem por exemplo o regresso ao sisal para atar os fardos de feno e palha. Fabricadas com base em fibras vegetais, as cordas de sisal foram sendo progressivamente substituídas pelo pástico desde a década de 1980. “A mudança para este material, que já era utilizado e que é mais biodegradável, pode ser uma opção”, afirmam as investigadoras, que avisam que poderão ser necessárias medidas de remediação ambiental para encurtar a presença dos fios de polipropileno na natureza.


Saiba mais.

Os ninhos de cegonha são muito grandes e pesados. Alguns chegam a pesar mais de 800 quilos!

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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