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Cegonha-branca. Foto: Matthias Barby/Wiki Commons

Duas em cada três cegonhas-brancas são vítimas da poluição por macroplásticos

17.06.2025

Um estudo publicado na revista Ardeola, a revista científica da Sociedade Espanhola de Ornitologia (SEO/BirdLife), detectou conteúdos plásticos nos sistemas digestivos de 1.045 cegonhas-brancas de um total de 1.550 exemplares analisados mediante necropsia.

Das 1.500 cegonhas analisadas, 1.045 continham materiais plásticos nos seus sistemas digestivos, ou seja, duas em cada três cegonhas mortas foram afectadas pela ingestão destes materiais, ainda que não tenham sido a causa da sua morte.

Desses 1.045 indivíduos, 342 aves (32,7 %) apresentavam contaminantes sólidos. Em 142 dos casos (41,5 %) observaram-se duas ou mais categorias de contaminantes sólidos no mesmo animal, destacando-se os elásticos, detectados em 200 aves, seguidos pela silicone, que se encontrou em 66 animais.

Cegonhas-brancas a alimentar-se numa lixeira. Foto: SEO/BirdLife

Esta investigação foi possível graças às necropsias realizadas por uma equipa de veterinários entre 1997 e 2019 a animais procedentes do Centro de Recuperação de Fauna Silvestre de La Alfranca (CRFSA, governo de Aragão).

Estes resultados, publicados na revista Ardeola, “demonstram, mais uma vez, o perigo que constitui para determinadas espécies de aves o abandono de resíduos no campo e a sua exposição nas lixeiras a céu aberto”, lembra a SEO/Birdlife. 

Além de estudar o número de aves afectadas, o estudo tentou conhecer o grau de afectação e a possível variação dessa incidência entre grupos etários, por exemplo.

Segundo os autores, ficou clara a associação entre a presença destes materiais no aparelho digestivo das cegonhas e a procura de alimento nas lixeiras.

“O material encontrado com mais frequência (19,1%) foram os elásticos, seguidos por tiras de silicone (6,3%)”, disse, em comunicado Chabier González, autor principal do artigo e técnico do CRFSA. “Estes dois materiais têm grande capacidade para formar bolas que prendem o resto do conteúdo e dão origem a grandes massas impossíveis de eliminar na forma de egagrópilas, a única via de expulsão possível já que, no intestino das cegonhas, apenas entram materiais líquidos ou semi-líquidos, nunca sólidos, nem sequer pêlos de micro-mamíferos”, acrescentou.

Por idades, não se detectaram diferenças significativas quanto à proporção de aves que tinham ingerido estas substâncias, mas sim quanto à quantidade das mesmas. 8% das crias ainda no ninho apresentavam altos volumes de embalagens de plástico no seu aparelho digestivo, enquanto que nos adultos essa percentagem foi de apenas 3,3%.

Quanto ao local de alimentação, as cegonhas com conteúdo digestivo atribuível a uma lixeira eram as que com mais frequência tinham ingerido embalagens de plástico e outros contaminantes (70,8 %).

Cegonha-branca. Foto: Matthias Barby/Wiki Commons

Mas a presença de plásticos ou silicones não se limita às lixeiras. Cerca de 24% das aves que se terão alimentado em campos de cultivo e em zonas húmidas tinham plásticos no seu sistema digestivo.

“É frequente encontrarmos em campos de agricultura intensiva plásticos abandonados, que podem atingir grandes densidades em determinadas épocas, em especial quando se mudam os plásticos que fixam as árvores frutíferas aos seus tutores ou quando se colocam protecções plásticas nos melões para os proteger dos insetos”, lembrou também este técnico.

Os autores do estudo assinalam que a lista de objetos que causam obstruções ou dificuldades digestivas não se limita aos elásticos e incluem, por exemplo, bonecos de brincar como peixes ou serpentes e tetinas de biberões. “Têm as características em comum com outro dos materiais mais encontrados, a silicone. Todos têm uma forma alongada e consistência elástica, igual à de muitas das presas habituais da cegonha-branca”, explicou González.

O estudo detectou ainda outros contaminantes, como o vidro, plásticos duros ou bocados de sacos de plástico.

Mas por que razão a cegonha confunde tanto estes resíduos com alimentos? Segundo os autores, a necessidade de obter um equilíbrio positivo entre a energia gasta a procurar alimento e a que a presa dá obriga estas aves a ser pouco selectivas, limitando-se a selecionar as suas presas através do que estão a ver e sentindo com o bico a sua consistência antes de as engolir com rapidez.

“Este era um sistema que funcionava muito bem quando tudo aquilo que encontravam no campo eram minhocas, cobras, etc. Mas a nossa falta de consciencialização e as deficiências na recolha selectiva de resíduos tornaram esta prática em algo muito perigoso para esta espécie”, lamentou González.

A contaminação por plásticos é um grave problema ambiental que tem merecido a atenção especialmente nos seus impactos nas aves e mamíferos marinhos.

As aves terrestres têm sido alvo de uma atenção muito menor. Ao longo de mais de 25 anos de trabalho no Centro de Recuperação da Fauna Silvestre de La Alfranca – cuidando de mais de 120 espécies de aves, mamíferos e répteis -, as equipas notaram que a cegonha-branca é a espécie que com mais frequência ingere plásticos e a única que os ingere de forma massiva.

“Isto é um importante problema ambiental que afecta as cegonhas-brancas e que exige uma melhor gestão das lixeiras, uma melhoria das práticas agrícolas e uma maior consciencialização das pessoas”, defende González.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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