Ammophila arenaria

As estratégias das plantas: as plantas pioneiras e a recuperação dos ecossistemas

16.05.2025

Quando tudo parece perdido, alguém tem de ser o primeiro para que a vida possa voltar. Neste novo artigo da série botânica dedicada às extraordinárias estratégias das plantas, em Portugal e no mundo, Carine Azevedo conta as histórias das fantásticas plantas pioneiras.

Nem todas as plantas esperam pelas condições ideais para crescer. Algumas preferem chegar antes de tudo o resto, ocupar espaços e dar início à regeneração do ambiente. Estas plantas são chamadas pioneiras – resistentes, rápidas e pouco exigentes. 

Quando uma encosta arde, quando o solo é abandonado ou quando o vento deixa as dunas expostas, a vida não tarda a regressar. São estas plantas discretas, mas decisivas, que dão o primeiro passo. Com raízes firmes e estratégias simples, instalam-se onde quase nada mais cresce e começam o que parece impossível: fazer a vida voltar. 

Foto: Helena Geraldes/Wilder

O que são plantas pioneiras?

O termo “pioneira” não identifica uma família ou um grupo botânico específico, mas sim uma função ecológica. Uma planta pioneira é aquela que se instala em ambientes perturbados, instáveis ou recém-formados — lugares onde o solo é pobre, a exposição solar é intensa e as condições muitas vezes extremas.

São as primeiras a ocupar espaços onde a vegetação foi destruída ou ainda não se formou, e fazem-no com uma rapidez surpreendente.

Mas a sua função vai além de “chegar primeiro”: ao instalarem-se, modificam o ambiente. Fixam nutrientes, criam sombra, retêm humidade e travam a erosão. Com isso, preparam o caminho para espécies mais exigentes, as chamadas espécies secundárias que, por si só, não sobreviveriam num ambiente tão hostil. É assim que se inicia a sucessão ecológica – o processo natural através do qual os ecossistemas se reconstroem e se tornam mais complexos.

Giesta (Cytisus striatus). Foto: Krzysztof Ziarnek, Kenraiz/WikiCommons

Lembro-me bem de, em criança, ficar fascinada ao ver como, semanas após um incêndio na mata ao lado de minha casa, a vida começava a regressar. Mesmo quando o solo ainda parecia estéril. No meio do cinzento das cinzas, despontavam as folhas verdes das giestas (Cytisus striatus) e das carquejas (Pterospartum tridentatum). Nas zonas mais abertas, surgiam as pequenas folhas dos trevos (Trifolium spp.) e as espigas delicadas da bole-bole-maior (Briza maxima), que dançavam com o vento. Os musgos cobriam discretamente as pedras negras e os primeiros fetos (Pteridium aquilinum) erguiam as suas frondes entre os troncos queimados dos pinheiros e dos sobreiros que compunham aquela mata. 

Características das plantas pioneiras

As plantas pioneiras partilham um conjunto de estratégias muito próprias que lhes permite prosperar em condições difíceis: crescimento rápido, para aproveitar as janelas curtas de oportunidade; reprodução eficaz, com ciclos de vida curtos e produção abundante de sementes; dispersão eficiente, muitas vezes através do vento ou de animais; tolerância a condições extremas – como calor, seca, frio, salinidade ou solos pobres – e, em alguns casos, capacidade de fixar azoto, o que melhora a fertilidade do solo.

Estas plantas não são necessariamente pequenas ou frágeis. Apesar de muitas serem herbáceas de ciclo curto, há também arbustos e árvores capazes de desempenhar esse papel. 

O que distingue uma planta pioneira não é o tamanho, mas a eficácia com que coloniza “espaços difíceis”. Cresce depressa, espalha-se com facilidade — quer através de sementes, esporos ou fragmentos vegetativos —, reproduz-se rapidamente e resiste ao vento, às temperaturas extremas e à escassez de nutrientes.

Algumas plantas desaparecem quando a sua missão está cumprida; outras permanecem, integrando-se no novo ecossistema que ajudaram a criar.

Mas entre as pioneiras há também plantas muitas vezes ignoradas, como os musgos. São plantas simples, sem flores nem sementes, que se reproduzem por esporos ou por fragmentos vegetativos. Embora frágeis à primeira vista, os musgos têm uma notável capacidade de retenção de água e de fixação em superfícies pobres — rochas, troncos, muros ou solos degradados. São muitas vezes os primeiros a surgir, criando um microambiente mais húmido e contribuindo para a formação de solo, o que facilita a instalação de outras espécies. Têm um papel importante nas fases iniciais da sucessão ecológica.

Exemplos de espécies pioneiras

Após um incêndio, o solo fica exposto e vulnerável. É fundamental que algumas espécies se instalem rapidamente para evitar a erosão e iniciar a regeneração.

Espécies como o pinheiro-bravo (Pinus pinaster), o sobreiro (Quercus suber) e o medronheiro (Arbutus unedo) são espécies pioneiras em zonas afetadas pelo fogo. O pinheiro-bravo, por exemplo, aproveita o calor para abrir as suas pinhas e libertar as sementes que germinam com facilidade. À medida que cresce, fixa o solo e cria sombra, favorecendo a instalação de outras espécies. 

Medronheiro (Arbutus unedo). Foto: sara150578/Pixabay

O sobreiro, com a sua cortiça espessa, resiste ao fogo e contribui para a estabilização do solo, criando microambientes favoráveis à biodiversidade. Já o medronheiro, bem adaptado ao calor e à secura, favorece a regeneração natural, ao oferecer alimento e abrigo à fauna local.

Plantas como a esteva (Cistus ladanifer), o rosmaninho (Lavandula stoechas) e a carqueja (Pterospartum tridentatum) surgem com frequência após a ocorrência de um incêndio, tolerando bem a seca e o calor.

Espécies herbáceas como o trevo-subterrâneo (Trifolium subterraneum) e o cabelo-de-cão-dos-prados (Poa pratensis) ajudam a cobrir rapidamente o solo exposto e a travar a erosão.

É interessante perceber como, ao longo dos anos, estas espécies reaparecem com uma regularidade quase previsível. Quase como se a natureza tivesse o seu próprio plano de ação, rigoroso e eficaz.

Nos sistemas dunares – ambientes instáveis e salinos – as plantas pioneiras enfrentam condições severas de vento, salinidade e escassez de nutrientes. A sua principal função é estabilizar as areias e permitir a chegada de outras espécies. O estorno (Ammophila arenaria), com raízes profundas e caules flexíveis, é fundamental na fixação das dunas primárias. É fascinante como uma planta, à primeira vista frágil, consegue segurar a areia, formando pequenos tufos que servem de base para outras espécies.

Estorno (Ammophila arenaria). Foto: Christian Ferrer/WikiCommons

Mais para o interior das dunas, plantas como o cordeiro-da-praia (Otanthus maritimus), a morganheira-das-praias (Euphorbia paralias), o feno-das-praias (Elymus farctus), o cravo-das-areias (Armeria maritima), a perpétua-das-areias (Helichrysum stoechas) e a camarinha (Corema album) contribuem para estabilizar as areias e abrir caminho à instalação de comunidades vegetais mais diversificadas.

Em terras agrícolas abandonadas, terrenos em pousio, pedreiras ou taludes, as pioneiras iniciam um processo de recuperação lento, mas importante. Espécies como a giesta-branca (Cytisus multiflorus), as maias (Cytisus striatus), a erva-mata-pulgas (Dorycnium pentaphyllum) e o tojo (Ulex europaeus) – todas leguminosas – são mestres em crescer onde quase nada cresce. Estas espécies enriquecem o solo através da fixação de azoto, criam sombra e abrigo e preparam o terreno para que, com o tempo, espécies mais exigentes se possam instalar.

Nas margens de rios e linhas de água, sujeitas a variações bruscas de humidade e a cheias periódicas, as pioneiras são muitas vezes árvores. Os salgueiros (Salix spp.), o freixo (Fraxinus angustifolia) e o amieiro (Alnus glutinosa), por exemplo, crescem rapidamente e têm sistemas radiculares densos e profundos que contribuem para estabilizar o solo, desempenhando um papel importante na consolidação das margens. Arbustos como a silva (Rubus ulmifolius) e o lúpulo (Humulus lupulus) também aparecem nas fases iniciais de colonização destas zonas e contribuem para criar mosaicos ricos em biodiversidade.

Em encostas rochosas, expostas ao vento e ao sol, com solos ácidos e pedregosos, espécies como as urzes (Erica spp.) iniciam a sucessão ecológica formando tapetes densos que retêm humidade e protegem o solo. O tomilho-bastardo (Thymus capitellatus) e o zimbro-rasteiro (Juniperus communis) cumprem funções semelhantes, ajudando a estabilizar o solo e a aumentar a biodiversidade nesses ambientes.

Confesso que me encanta observar como é que pequenas plantas têm um papel surpreendentemente grande no equilíbrio ecológico de zonas tão agrestes.

Muitas dessas espécies podem aparecer em ambientes diferentes – desde dunas costeiras a solos áridos, áreas afetadas por incêndios ou encostas expostas ao vento – o que mostra a sua impressionante capacidade de adaptação.

O papel ecológico das plantas

Mais do que ocupar espaço, as espécies pioneiras transformam o ambiente: estabilizam o solo, acumulam matéria orgânica, retêm água e criam condições que favorecem a chegada de outras formas de vida.

Muitas têm raízes profundas ou ramificadas, capazes de manter o solo coeso mesmo em condições difíceis. Ao crescerem e, mais tarde, ao decomporem-se, formam húmus — uma camada rica em nutrientes que melhora a fertilidade do solo. 

Também modulam o microclima: atenuam temperaturas extremas, aumentam a humidade e tornam o ambiente menos hostil. 

A sua presença também é fundamental na promoção da biodiversidade, já que atraem e alimentam insetos, aves, mamíferos e outros animais que, por sua vez, ajudam a dispersar sementes e a polinizar novas plantas, desencadeando um efeito cascata que acelera a regeneração ecológica. Quando essas pioneiras são autóctones (espécies nativas da região), o impacto é ainda mais positivo: adaptadas às condições locais, integram-se melhor nos ecossistemas e promovem soluções mais estáveis e duradouras.

Plantas pioneiras como ferramentas para a restauração ecológica

Face à degradação de solos, incêndios florestais e alterações climáticas, as plantas pioneiras são aliadas valiosas. São frequentemente utilizadas em projetos de engenharia ecológica: na recuperação de taludes rodoviários, margens de rios, áreas mineiras ou zonas de agricultura intensiva. 

Ao reduzir a erosão, melhorarem a estrutura do solo e exigirem pouca manutenção, tornam-se instrumentos-chave de restauro ambiental. A sua escolha cuidadosa fortalece os processos de regeneração e respeita a identidade ecológica de cada lugar.

Hoje, o cenário pós-incêndio nem sempre é tão promissor. Em muitas zonas, as plantas pioneiras nativas vêem-se agora em desvantagem face à proliferação de espécies exóticas invasoras como as acácias (Acacia spp.), as háqueas (Hakea spp.), o espanta-lobos (Ailanthus altissima)  ou a erva-das-pampas (Cortaderia selloana), que ocupam rapidamente o espaço disponível, mas sem oferecer o mesmo valor ecológico. Ao contrário das nativas, estas espécies tendem a formar monoculturas que dificultam a regeneração natural e reduzem a biodiversidade, tornando a escolha criteriosa das espécies pioneiras ainda mais urgente nos projetos de restauração.

Erva-das-Pampas (Cortaderia selloana). Foto: Forest & Kim Starr/Wiki Commons

Muito antes das plantas: líquenes e os verdadeiros pioneiros

Antes de qualquer planta se conseguir estabelecer num ambiente inóspito, há organismos ainda mais resilientes que dão início à reconstrução da vida: os líquenes. Estes seres extraordinários não são plantas – resultam da associação simbiótica entre um fungo e uma alga (ou cianobactéria) – e colonizam superfícies “nuas” como rochas, muros, cascas de árvores ou solos expostos. 

Vivem com o mínimo: luz, humidade e um suporte físico bastam para sobreviver em locais onde quase nada mais resiste. Suportam secas prolongadas, variações térmicas extremas e radiação solar intensa. Lentamente, tornam o inóspito em fértil — desgastam a rocha, acumulam matéria orgânica e ajudam a formar solo.

Pequenos e discretos, os líquenes são verdadeiros iniciadores da sucessão ecológica. Criam condições mínimas para que as plantas pioneiras se possam instalar. E são também indicadores valiosos da qualidade do ar: muitas espécies só prosperam em locais onde a poluição atmosférica é baixa. A sua presença anuncia que o processo de recuperação ecológica está em curso.

Lentos, silenciosos e quase invisíveis ao olhar distraído, são eles que dão o primeiro passo no longo caminho da reconstrução da vida. Sem os líquenes, muitas plantas não teriam onde se agarrar. E, sem plantas, a vida terrestre tal como a conhecemos não teria por onde começar.

O ínicio de tudo

A sucessão ecológica é um processo complexo, mas profundamente colaborativo. Começa com seres quase invisíveis que tornam possível a chegada das espécies pioneiras. 

O que torna esta história ainda mais fascinante é perceber que, por mais pequenas ou simples que pareçam, estas primeiras formas de vida são as fundações de todo o ecossistema que se segue. 

Com ecossistemas marcados por desequilíbrios e perturbações constantes, o papel das plantas pioneiras é mais importante do que nunca. São elas que, passo a passo, desenham o caminho do regresso da vida. A sua resiliência e engenho silencioso merecem ser reconhecidos — porque sem eles, nada mais poderia voltar.


Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no email [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.


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