Foto: Zeynel Cebeci/Wiki Commons

O que procurar no Verão: a morganheira-das-praias

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Carine Azevedo dá-nos a conhecer uma bonita planta que por estes dias podemos encontrar em flor nas praias portuguesas, nas dunas, onde é uma das primeiras a colonizar as areias nuas.

 

A morganheira-das-praias (Euphorbia paralias) é uma das muitas espécies que podemos encontrar na orla marítima, sendo uma das primeiras plantas a colonizar as dunas. Possui um papel muito importante na consolidação das areias e na formação de sistemas dunares.

Euphorbiaceae

A Euphorbia paralias é uma espécie da família Euphorbiaceae, a quinta maior família de plantas com flor, composta por cerca de 6.500 espécies aceites em todo o mundo, distribuídas por 227 géneros botânicos.

A esta família pertencem espécies com grande importância económica, como:

– a seringueira (Hevea brasiliensis), de onde se extrai o látex, a principal fonte de borracha natural;

– a mandioca (Manihot esculenta), cujo tubérculo é a terceira maior fonte de carbohidratos, depois do arroz e do milho, e um dos principais alimentos base da população de países em desenvolvimento;

– o rícino (Ricinus communis) do qual se obtém o óleo de rícino, reconhecido como um laxante natural e um importante fortificante e regenerador da pele. Esta é uma espécie com elevado nível de toxicidade, devido ao elevado teor de ricina, e em Portugal está classificada como espécie invasora;

– a poinsettia (Euphorbia pulcherrima), a mais bela das eufórbias. É uma espécie de folhagem verde e vermelha com elevado interesse ornamental e muito procurada pelo Natal para arranjos florais, daí também ser vulgarmente conhecida como estrela-de-natal;

Foto: Vengolis/Wiki Commons

– o cróton (Codiaeum variegatum), uma interessante espécie ornamental de folhagem variegada, verde a púrpura, passando pelo amarelo e o rosa.

Em Portugal, são cerca de 50 os taxa nativos desta família, distribuídos por quatro géneros botânicos.

Morganheira-das-praias

O género Euphorbia, a que pertence a morganheira-das-praias, é o maior género desta família, e compreende cerca de duas mil espécies de plantas. Inclui uma ampla diversidade de formas vegetais, desde plantas anuais, bienais ou perenes, herbáceas, arbustivas ou arbóreas, às vezes suculentas ou espinhosas, com látex leitoso, irritante, vesicante e cáustico.

Em Portugal ocorrem cerca de 40 taxa do género, alguns dos quais endémicos das regiões autónomas como, por exemplo, a E. anachoreta e a figueira-do-inferno (E. piscatoria), exclusivas do Arquipélago da Madeira. A erva-leiteira (E. azorica) e o trovisco-macho (E. stygiana) são espécies indígenas exclusivas do Arquipélago dos Açores.

Figueira-do-inferno (Euphorbia piscatoria). Foto: H.-U. Küenle/Flora-On

No território continental ocorrem 4 taxas endémicos: a E. paniculata subsp. welwitschii, a E. paniculata  subsp. monchiquensis, a E. paniculata subsp. calcicola e a eufórbia-de-gomes-pedro (E. pedroi), espécie classificada como Em Perigo, segundo a Lista Vermelha da Flora Continental.

A morganheira-das-praias, também conhecida como eufórbia marítima, é uma planta perene, multicaule, rizomatosa, glabra, mais ou menos glauca (verde-azulada). Os caules podem crescer até 80 centímetros de altura. São todos sensivelmente da mesma espessura e altura, erectos e com uma base lenhosa.

As folhas são inteiras e sem pecíolo, espessas e coriáceas, glaucas na face superior e brilhantes na face inferior. São erectas, densamente imbricadas, lanceoladas ou elípticas, dependendo de sua posição no caule: as folhas superiores são lanceoladas e ovadas, as inferiores um pouco mais curtas, elípticas ou lanceoladas.

A floração ocorre de março a setembro.

Morganheira-das-praias. Foto: JDAlmeida/Flora-On

Como planta monóica que é, possui flores masculinas e femininas na mesma planta. As flores são nuas (não têm pétalas nem sépalas) e reúnem-se em pleocásio, com três a seis raios, duas a três vezes bifurcados.

As flores femininas são solitárias, pediceladas, centrais, e estão praticamente reduzidas a um ovário trilocular, cercadas por várias flores masculinas, das quais só se vêem os estames amarelos. Este conjunto de flores está envolvido por brácteas inteiras e ovadas, que formam um invólucro em forma de cálice e é denominado como cíato.

Cada cíato é solitário e tem um pedúnculo distinto; no entanto, de cada um deles emergem vários outros pedúnculos dando origem a sucessivos cíatos, em várias camadas.

O fruto é uma cápsula arredondada, marcadamente sulcada longitudinalmente, de casca rugosa e de cor verde-amarelada. Cada cápsula contém três sementes grandes, ovóides, lisas e cinzentas.

Após a maturação, as sementes são libertadas pela planta por meio de dispersão balística, ou seja, os frutos abrem explosivamente quando maduros e expelem as sementes a curtas distâncias, até cerca de dois metros.

A disseminação das sementes pode ser auxiliada pelo vento, pelas formigas e até pelas correntes de água. As sementes flutuam na água do mar e podem percorrer distâncias muito grandes levadas pelas correntes oceânicas.

Habitat e ecologia

A denominação científica Euphorbia surge em homenagem a Euphorbus (século I antes de Cristo), médico grego do Rei Juba II da Numídia e Mauritânia. O restritivo específico paralias também deriva do grego, do termo “paralos” = marítimo, devido ao habitat costeiro desta espécie, mas às vezes usado com o sentido de azul como o mar, pelo tom verde-azulado das suas folhas.

A morganheira-das-praias distribui-se ao longo da costa mediterrânica da Europa e Norte de África, da costa atlântica do Magreb até ao Mar do Norte, Macaronésia e Mar Negro.

Em Portugal ocorre naturalmente ao longo de toda a faixa do Litoral continental e também está presente no Arquipélago da Madeira.

É comum em dunas e restingas costeiras, especificamente nas dunas primárias embrionárias e secundárias ou dunas brancas, em estuários, campos de ervas costeiras, pastagens, charnecas e matagais, podendo também crescer ao longo de costas rochosas e em fendas cheias de areia entre rochas.

Foto: Krzysztof Ziarnek, Kenraiz/Wiki Commons

A morganheira-das-praias, como acontece com a maioria das espécies do género Euphorbia, tem preferência por locais com luz solar plena, necessária para que se desenvolva de forma adequada, embora tolere a meia-sombra.

Do ponto de vista edáfico não é muito exigente, podendo prosperar em solos pobres ou levemente ricos em nutrientes, exigindo apenas que sejam bem drenados. Não está presente em solos altamente fertilizados.

É uma espécie halófita, ou seja, bastante tolerante à salinidade, e também consegue suportar longos períodos sem humidade no solo. Em contrapartida, não suporta geadas tardias ou temperaturas extremas.

Esta planta é provida de raízes muito longas, que lhe permitem captar água em profundidade. As folhas ligeiramente carnudas ajudam-na a reter água nas condições áridas em que se desenvolve.

Espécie pioneira vs invasora

A Euphorbia paralias é uma espécie de grande importância para as dunas e é considerada uma espécie pioneira, ou seja, uma das primeiras plantas a colonizar as areias nuas que, arrastadas pelo vento, são acumuladas sucessivamente em camadas, dando origem a novas dunas ao encontrarem uma planta que as “ajuda” a fixar.

Também contribui para a consolidação do cordão dunar, ao longo de toda a faixa do Litoral.

Por outro lado, nas regiões temperadas do Pacífico, nomeadamente em Nova Gales do Sul, Victoria, Tasmânia, Austrália do Sul e Austrália Ocidental, para onde foi importada, esta planta tornou-se uma espécie invasora e poderá tornar-se uma séria ameaça aos ambientes costeiros dessas regiões.

A morganheira-das-praias invadiu com sucesso muitas comunidades costeiras, estabelecendo densas colónias, cobrindo extensas áreas dunares, abafando as espécies nativas que aí se deveriam desenvolver, alterando totalmente esses ecossistemas.

Foto: Tigerente/Wiki Commons

As suas folhas e brácteas são uma importante fonte de alimento de inúmeras espécies de borboletas e traças, como a esfinge-da-euforbia (Hyles euphorbiae), a “Coast Spurge Bell” (Acroclita subsequana) e a “Drab Looper” (Minoa murinata), que em alguns casos também a usam para pôr os seus ovos.

Esfinge-da-eufórbia. Foto: Rene Schmidt/Wiki Commons

A polinização desta planta é zoófila, isto é, feita por animais, envolvendo agentes variados como répteis (Podarcis spp.), formigas (Camponotus spp.) e numerosos insectos, principalmente moscas (Exhyalanthrax afer), abelhas e vespas (Vespa spp.).

Das dunas para o jardim

A morganheira-das-praias, como a maioria das Euphobia, é apreciada pela beleza incomum das suas flores, inflorescências e folhas.

As características peculiares desta planta, aliadas ao longo período de floração, à fácil manutenção e à grande tolerância à seca e ao calor, fazem dela uma planta ornamental invulgar e favorita em paisagismo, sendo ideal para criar jardins em locais próximos da costa, em jardins de pedra ou simplesmente para decorar vasos e floreiras, com outras plantas tolerantes à salinidade.

Foto: Zeynel Cebeci

Tal como as restantes espécies deste género, foi tradicionalmente usada na medicina popular pelas suas propriedades anti-inflamatórias, purgantes e anestésicas, tendo caído em desuso devido à sua elevada toxicidade.

Esta planta produz uma seiva branca com aspeto leitoso, ou seja, látex, que é facilmente segregada quando é ferida e que pode ser altamente irritante para a pele, olhos e mucosas, pelo que deve ser manipulada com muito cuidado.

Numa próxima ida à praia preste atenção à vegetação, e sem pisar a duna, procure esta espécie de flores peculiares. Registe esse momento com uma fotografia e partilhe-o connosco.

 


Dicionário informal do mundo vegetal:

Taxon (no plural Taxa) – nível taxonómico de um sistema de classificação científica de seres vivos (Ex. Família, Género, Espécie, Subespécie).

Perene – planta que tem um ciclo de vida longo e que viver três ou mais anos.

Multicaule – planta que se ramifica junto à base, produzindo vário caules, sensivelmente da mesma espessura e altura.

Rizomatosa – planta cujo caule é subterrâneo – rizoma – que cresce geralmente na horizontal, com aspeto de raiz, composto de escamas e gemas, como se de um caule aéreo se tratasse.

Glabra – sem pêlos.

Glauca – de cor verde-cinzenta-azulada.

Pecíolo – “pé” da folha que liga o limbo ao caule.

Coriácea – que tem uma textura semelhante à casca da castanha ou do couro.

Imbricada – disposição muito próxima das folhas, geralmente sobrepostas como telhas ou escamas de peixe.

Lanceolada – com forma semelhante a uma lança.

Elíptica – com forma que lembra uma elipse, mais larga no meio e com o comprimento duas vezes a largura.

Monóica – espécie que apresenta flores femininas e masculinas separadamente na mesma planta.

Flor nua – flor que não possui peças florais (pétalas e sépalas), encontrando-se reduzida aos órgãos sexuais.

Pleocásio – inflorescência em cimeira – inflorescência com crescimento limitado, terminando numa flor, assim como os seus ramos laterais, em que, por baixo do eixo primário, que termina em flor, se formam 3 ou mais ramos secundários, os quais, por sua vez, repetem esse padrão de ramificação.

Pedicelada – flor ou inflorescência que possui “pé” (haste de suporte).

Ovário trilocular – dividido em lóculos – cavidades ou compartimentos, onde se alojam as sementes.

Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor ou da inflorescência, que a protege enquanto está fechada.

Cíato – inflorescência típica das espécies do género Euphorbia, com uma flor feminina, nua, pedicelada e solitária ao centro, rodeada por cinco flores masculinas, também elas nuas, circundadas por um invólucro em forma de taça.

Pedúnculo – “Pé” que sustenta a inflorescência.

Cápsula – fruto seco, com várias sementes, que abre e deixa as sementes cair quando maduro.

Dispersão Balística – tipo de dispersão em que as sementes são “ejectadas” com força pela deiscência explosiva do fruto.

 


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.

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