E se o mundo vegetal também dormisse — mas à sua maneira? Nem todas as estratégias de sobrevivência no mundo vegetal envolvem crescimento rápido, competição por luz, ou mecanismos de defesa ativos.
Muitas plantas optam por poupar energia e adaptar-se a ciclos ambientais previsíveis, como a alternância entre o dia e a noite.
Sem sistema nervoso nem órgãos sensoriais e sem sono como o conhecemos, estas plantas entram num estado de menor atividade fisiológica. É uma resposta evolutiva que aumenta a sua resiliência face às condições do ambiente.
Estratégias noturnas: adaptação e eficiência
Durante a noite, muitas espécies modificam subtilmente a sua morfologia. As folhas mudam de orientação, os caules inclinam-se ligeiramente e algumas flores fecham-se até ao amanhecer.
Estas mudanças não servem apenas para “dormir”, fazem parte de uma estratégia ativa de regulação. Ao ajustar a posição de alguns órgãos, as plantas reduzem a perda de água por transpiração, evitam a acumulação de humidade nas superfícies e protegem os tecidos mais sensíveis do frio.
São comportamentos que seguem ritmos precisos, coordenados por variações de luz e temperatura e regulados por um relógio biológico interno.
O que são movimentos nictinásticos?
Este tipo de resposta noturna, por vezes descrita como “sono vegetal”, tem uma base biológica bem estudada. Ao longo do ciclo diário, muitas plantas ajustam a posição de folhas ou de flores em resposta à alternância entre luz e escuridão. Estes movimentos previsíveis e reversíveis são conhecidos como movimentos nictinásticos.
Ao contrário dos animais, que necessitam de sistemas nervosos para coordenar o sono e o repouso, as plantas regulam a sua atividade através de um ritmo circadiano – um relógio interno que sincroniza os processos fisiológicos com os ciclos do dia e da noite. Este mecanismo permite-lhes antecipar as mudanças de luminosidade e adaptar-se de forma eficiente.
Em muitas espécies, esses movimentos resultam de alterações de pressão interna em zonas sensíveis na base das folhas, das flores ou dos ramos. Nessas regiões, a planta regula a quantidade de água no interior das células, alterando a pressão interna dos tecidos e provocando movimentos subtis – como o fecho noturno das flores ou a sua reabertura ao amanhecer.
Apesar de lentos, esses movimentos são energeticamente económicos e desempenham funções fundamentais: protegem os tecidos, reduzem perdas de água e ajudam a resistir ao frio e à humidade noturnos.
É importante distinguir os movimentos nictinásticos de outros tipos de movimentos relacionados com a luz, como o heliotropismo. Um exemplo conhecido é o do girassol (Helianthus annuus), cujas flores jovens acompanham o movimento do sol durante o dia, voltando à posição inicial durante a noite.
Este comportamento é uma resposta direta à luz solar, e não ao relógio interno da planta. Nos movimentos nictinásticos, por outro lado, a planta move-se mesmo na ausência de luz, guiada por um ritmo interno que antecipa o amanhecer e o anoitecer.
Poupar água e energia: o movimento das folhas
Durante a noite, quando a temperatura baixa e a humidade aumenta, as plantas enfrentam o desafio de conservar água — um recurso essencial para o seu metabolismo e sobrevivência. Os movimentos nictinásticos, como o fecho das folhas e das flores, são uma estratégia inteligente para minimizar a perda de água através da transpiração.
O trevo-branco (Trifolium repens), por exemplo – para muitos uma erva indesejada, mas tão comum nos nossos campos e jardins -, recolhe as suas folhas ao anoitecer, num gesto controlado por zonas especializadas, protegendo-se da perda de humidade para o ar. O mesmo se verifica com a ervilhaca (Vicia sativa), que dobra as suas folhas para dentro, resguardando-se das condições noturnas.
Um exemplo curioso é o da mimosa (Mimosa pudica), uma planta tropical originária da América do Sul, muitas vezes cultivada como ornamental. As suas folhas reagem rapidamente ao toque ou à vibração, num movimento de defesa. Apesar desse movimento não estar diretamente ligado ao ciclo dia-noite, esta planta também exibe movimentos nictinásticos: ao anoitecer, as suas folhas recolhem-se lentamente, num gesto de “descanso” controlado internamente.
Proteção das flores: fechar para proteger
Tal como as folhas, muitas flores também fecham ao anoitecer. Este movimento, que pode parecer apenas decorativo, tem na verdade uma função clara – proteger as estruturas reprodutivas do frio, da humidade e de potenciais predadores ou insetos noturnos indesejados.
Espécies como a malva (Malva sylvestris), a papoila (Papaver rhoeas) ou o dente-de-leão (Taraxacum officinale) exibem bem este tipo de comportamento. As pétalas fecham-se ao fim do dia e voltam a abrir-se com a luz da manhã, sincronizadas com os períodos de maior atividade dos polinizadores.
Este padrão pode ser observado também em várias plantas cultivadas: a calêndula (Calendula officinalis), a gazânia (Gazania rigens), o hibisco (Hibiscus rosa-sinensis), a flor de maracujá (Passiflora caerulea), a prímula (Primula vulgaris) ou a onze-horas (Portulaca grandiflora) — comuns em jardins e floreiras — fecham as flores ao entardecer ou em dias escuros, poupando energia e protegendo-se.
Este comportamento, embora discreto, é uma adaptação engenhosa. As flores acompanham o ritmo da luz, abrindo-se quando o dia nasce para atrair polinizadores e cumprir o seu papel na reprodução.
Mas nem todas as plantas seguem esta regra. Algumas fazem exatamente o contrário – abrem as flores precisamente quando o sol desaparece, aproveitando a atividade de polinizadores noturnos. A dama-da-noite (Cestrum nocturnum) liberta um perfume intenso ao anoitecer, atraindo traças. O cacto-flor-da-noite (Epiphyllum oxypetalum) é outro exemplo interessante. A sua floração, rara e efémera, acontece apenas durante a noite.
Outras funções do “descanso” noturno
Os movimentos noturnos das plantas vão além da simples antecipação do escurecer. Em certas espécies, recolher as folhas e fechar as flores reduz a exposição a herbívoros que atuam à noite, tornando-as menos acessíveis e menos apetecíveis.
Além disso, o recolhimento das estruturas expostas ajuda a evitar a acumulação de água da chuva ou do orvalho, prevenindo o desenvolvimento de fungos e bactérias que podem prejudicar a saúde da planta. Este ajuste na posição dos órgãos também ajuda a reter a perda de calor durante as noites frias, protegendo tecidos sensíveis e mantendo o equilíbrio fisiológico.
Estes mecanismos, embora discretos, são adaptações que aumentam a resiliência das plantas face a variações ambientais e a ameaças bióticas, revelando que o “descanso” vegetal é uma estratégia multifuncional e essencial para a sua sobrevivência.
No silêncio da noite, o mundo vegetal não está inativo – está em sintonia com o ritmo da vida. As folhas recolhem-se, as flores fecham-se ou despertam, conforme o seu plano ecológico. Estes comportamentos, muitas vezes invisíveis ao olhar apressado, são fruto de milhões de anos de evolução.
Este “sono” sem olhos nem cérebro é regulado por relógios internos que sincronizam a atividade fisiológica com o ciclo dia-noite, permitindo às plantas antecipar as mudanças e agir de forma proativa. Dormir, para uma planta, é uma pausa estratégica: um modo de resistir, conservar energia e preparar-se para o próximo dia.
Da próxima vez que passear num jardim ao entardecer, observe com calma. As plantas, mesmo em silêncio, não param de viver – movem-se, protegem-se, sobrevivem. E, se se deixar envolver, não hesite: volte durante a noite – algumas poderão surpreendê-lo com aromas intensos ou movimentos inesperados. Descubra que, no mundo vegetal, o repouso não é parar, mas sim uma estratégia de equilíbrio — entre o silêncio e a adaptação, entre a pausa e a preparação para recomeçar.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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