As amoras-silvestres fazem as delícias de muitos no verão que, caminhando pelos campos, matas e outros espaços naturais, simplesmente estendem a mão para os colher e os colocar diretamente na boca.
Apesar dos seus saborosos frutos, a silva (Rubus sp.) é, para muitos outros, apenas uma praga a eliminar dos campos de cultivo, jardins e outros espaços, onde teima desenvolver-se sem qualquer permissão.
Silva e amoras-silvestres
O género Rubus é constituído por espécies vulgarmente conhecidas como silvas. Em Portugal são onze as espécies nativas deste género da família Rosaceae. Uma das espécies mais abundantes, presente em todo o território é a Rubus ulmifolius, vulgarmente conhecida como amoras-silvestres (não confundir com a amoreira), silva, silva-brava ou silvado-bravo.
Esta espécie arbustiva, escadente (que trepa) caducifólia, forma densas e impenetráveis moitas, que faz com que sejam escolhidas por muito animais selvagens como morada.
A silva emite rebentos basais, designados como turiões, que são caules estéreis, aéreos, lenhosos, erectos e arqueados, robustos, cobertos por uma cera branco-azulada e fortemente espinhosos, com acúleos homogéneos, curvos e dispersos. Estes caules podem crescer até 3 metros de altura e dão origem aos caules férteis, que surgem geralmente mais afastados do solo e são relativamente mais curtos.
As folhas são compostas, imparipinuladas, variavelmente constituídas por 3 a 5 folíolos, com margens serrilhadas, forma elíptica ou obovada e de cor verde-escura. O folíolo terminal é obovado ou ligeiramente ovado, de base arredondada, às vezes cordada e ápice mucronado ou subulado e longamente peciolado. A página superior das folhas é glabra e a inferior é branco-tomentosa, revestida por uma camada não muito compacta, de pêlos simples e estrelados. O pecíolo é desenvolvido e revestido com cerca de 6 a 10 acúleos falciformes.
As flores surgem no final da primavera e ao longo de todo o verão e têm uma cor entre o branco e o rosa. Reúnem-se em inflorescências piramidais e terminais, folhosas na base e com espinhos semelhantes aos dos rebentos aéreos.
A corola é composta por cinco pétalas livres, enrugadas, com uma forma oval a circular. O cálice é constituído por cinco sépalas livres, lanceoladas, reflexas (que tendem a ficar inclinadas para fora, quando a flor está aberta) e de cor branco-tomentosa.
O fruto (amora-silvestre) é globoso, carnudo, indeiscente e múltiplo, isto é, formado por numerosos pequenos frutos (drupas). As drupas são suculentas, esverdeadas no início, que se tornam vermelhas, escurecendo até ficarem negras quando bem maduras. Cada drupa contém uma semente diminuta, castanho-clara. A maturação dos frutos ocorre simultaneamente com a floração, entre o final da primavera e ao longo de todo o verão.
A designação científica desta espécie é composta pelo nome do género Rubus que deriva do latim Ruber, que significa “vermelho”, em referência à cor dos frutos maduros de muitas espécies do mesmo género, como a framboesa, ou diretamente relacionada com a cor do fruto imaturo desta espécie. O termo ulmifolius deriva da combinação de dois termos latinos: ulmus + folia, o primeiro significa “olmo” e o segundo “folha”, pela semelhança dos seus folíolos com as folhas das árvores do género Ulmus, muito em particular a espécie Ulmus minor, vulgarmente conhecida como ulmeiro, olmo ou negrilho.
Praga para muitos, defensiva para outros
A silva é uma espécie nativa da região oeste da Europa, Mediterrâneo e Macaronésia.
Está presente em todo o território nacional, inclusive nos Arquipélagos da Madeira e Açores.
Os locais onde cresce e se desenvolve muito bem, indicam a presença de solos profundos, frescos e com alguma humidade, independentemente do pH. É uma planta heliófila, não tolerando muito bem a sombra de outras plantas de maior porte.
A silva é uma espécie muito invasiva e de crescimento muito rápido. Tem uma capacidade reprodutiva muito elevada através da semente, mas também vegetativamente, pelo soterramento dos ramos que facilmente enraízam e dão origem a uma nova planta. Tende a espalhar-se rapidamente, cobrindo áreas extensas de terreno, formando muitas vezes verdadeiras barreiras intransponíveis.
É uma planta comum em bosques, campos abandonados, margens de caminhos, matagais, margens de linhas de água, sebes, junto a muros, cercas e construções abandonadas.
É considerada por muitos uma espécie invasora, muito difícil de combater, pois o corte ou o fogo são ineficazes no seu controlo e nem mesmo os herbicidas são suficientes para a eliminar.
A proliferação descontrolada desta espécie, devido ao emaranhado de caules espinhosos que se vão acumulando, é indicativa de abandono e degradação ambiental, sendo muito difícil a recuperação desses espaços.
Por outro lado, a silva é muito importante para a fauna silvestre, pois pode formar corredores ecológicos fundamentais para muitas espécies de animais, além de ser uma excelente barreira defensiva para muitos outros, que se escondem e se protegem nestas moitas densas, como é o exemplo do coelho-bravo.
Da flor da silva as abelhas recolhem néctar para a produção de mel. Os seus frutos são muito apreciados por pássaros que muito contribuem para a sua dispersão, já que não digerem as sementes.
Fruto silvestre, medicinal
O fruto da silva é doce e delicioso. É um fruto silvestre com propriedades nutricionais discretas, com uma presença marcante de vitaminas A, B (ácido fólico), C e K, fibra alimentar, minerais (ferro, manganês, etc.).
A amora-silvestre é um fruto doce e “picante” da floresta. Pode ser comida no momento da colheita, mas é quase impossível escapar a uns arranhões e picadelas.
Como diz o ditado “… tudo tem um preço e ninguém dá nada a ninguém, nem mesmo as silvas!”.
O fruto da silva não se presta a longos períodos de armazenamento mas pode ser utilizado na preparação de compotas, sobremesas, iogurtes, gelados e geleia e até em sumos, xaropes, vinhos, aguardentes e licores.
Além do interesse na culinária, a silva é muito usada na medicina popular. De entre as propriedades medicinais da silva, destacam-se a propriedade diurética, tónica, anti-hemorrágica, adstringente, anti-diabética, antiescorbútica e também a sua utilização no tratamento de distúrbios do sistema digestivo.
As folhas são usadas porque proporcionam maior regularidade do trânsito intestinal e bem-estar à garganta. Externamente a infusão das folhas pode ser usada em gargarejos, no tratamento de doenças da boca (gengivas inflamadas), inflamação e irritação da garganta. Em cataplasmas serve para limpar a pele e ao redor dos olhos em caso de comichão e vermelhidão. As infusões também podem ser usadas no tratamento de hemorróidas e diarreia.
Já os frutos têm uma ação restauradora e de suporte. Devido ao alto teor em ferro, são utilizados na prevenção e combate à anemia.
Estudos recentes revelam que o alto teor de flavonóides contribui para a prevenção do cancro e redução do mau colesterol.
Rubus Vs Morus
Para que não fique qualquer dúvida, é preciso esclarecer que a amora também é o nome comum dado ao fruto da amoreira, uma árvore do género Morus, mas que nada tem a ver com a amora-silvestre do género Rubus.
A amoreira é uma espécie da família Moraceae, nativa das regiões temperadas e subtropicais da Ásia, África e América. As espécies mais cultivadas são: a amoreira-preta (Morus nigra), originária do Sudoeste Asiático, que produz uma amora-negra; a amoreira-branca (Morus alba), espécie nativa do Extremo Oriente, cujo fruto é uma amora-branca e a amoreira-vermelha (Morus rubra), de fruto vermelho, originária do Leste dos Estados Unidos.
Nenhuma destas espécies (de Morus) é nativa em Portugal, ainda que aqui tenham encontrado boas condições para se desenvolverem, dado o clima ameno e as muitas horas de luz solar.
As espécies mais cultivadas em Portugal são a amoreira-preta, pelo tamanho e sabor do fruto e a amoreira-branca cujas folhas são muito procuradas para a alimentação do bicho-da-seda.
Quando encontrar silvas no seu caminho lembre-se que nem tudo o que é mau para uns é mau para os outros. Mas se continuar com dúvidas pode sempre perguntar aos coelhos-bravos e aos fãs dos seus frutos.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Escadente – Planta que trepa
Acúleo – Estrutura rígida e pontiaguda, semelhante a um pico, que se forma na superfície do caule, fácil de se destacar.
Imparipinulada – folha composta por vários folíolos em ambos e que termina em número impar.
Elíptica – Forma que lembra uma elipse, mais larga no meio e com o comprimento duas vezes a largura.
Obovada – Forma de um ovo invertido, mais estreita na base do que no ápice da folha.
Cordada – Forma de um coração (estilizado).
Mucronado – ápice da folha terminando numa ponta curta, por vezes aguda e rígida.
Subulado – ápice da folha roliço, terminando numa ponta fina e aguda, como a de uma sovela.
Peciolado – Possui pecíolo (pé da folha que liga o limbo ao caule).
Falciforme – Estreito e mais ou menos achatado e encurvado, em forma de foice.
Lanceolada – Forma semelhante a uma lança.
Reflexa – Apresenta inclinação para fora em relação ao eixo onde está inserida.
Indeiscente – fruto que não se abre naturalmente quando maduro, não libertando as sementes.
Drupa – Fruto carnudo que contém uma única semente, protegida por um caroço duro.
Heliófila – Planta que vive preferencialmente em locais de exposição solar plena. Necessita da luz solar para um bom desenvolvimento.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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