Algumas plantas escolheram a vida simples: baixas, efémeras, discretas e leves ao vento. Outras quiseram mais: crescer em altura, viver mais tempo e deixar a sua marca na paisagem.
Mas crescer tem um preço. Cada centímetro a mais exige esforço, traz novos desafios e obriga a construir uma estrutura mais sólida para se manter de pé.
Ainda assim, há espécies que apostaram tudo nessa estratégia. Crescem devagar, tornam-se fortes com o tempo, resistem a ventos, secas e incêndios. Ficam onde estão e sobrevivem.
Mas, se há tantas formas de ser planta, por que escolher a mais difícil?
Porque, apesar de tudo, esta é uma das estratégias mais bem-sucedidas da natureza. Dá trabalho. Mas compensa.
Ser árvore é uma estratégia: o que isso implica?
Ser árvore é muito mais do que crescer em altura. É escolher uma forma de vida que implica paciência, resistência e uma complexa organização interna. É dedicar energia para construir uma estrutura sólida — tronco, copa e raízes — capaz de suportar o tempo e as adversidades do ambiente. É crescer devagar, investindo na longevidade e na capacidade de resistir a incêndios, ventos fortes e secas prolongadas. Esta estratégia obriga a um equilíbrio delicado entre crescimento, defesa e sobrevivência.
A estrutura que sustenta a altura
O tronco é o eixo da vida de uma árvore. Nele circulam as seivas que alimentam folhas, flores e frutos. É ali que se forma a madeira — uma estrutura viva que se reforça ano após ano, criando os anéis que contam histórias de secas, cheias e verões escaldantes. Além disso, o tronco suporta o peso da copa e resiste à força do vento. À volta do tronco, a casca funciona como armadura: protege contra pragas, doenças, feridas e fogo.
Mas, para se manter de pé, a árvore precisa de muito mais do que um tronco.
A copa é a fábrica de energia da planta. As folhas captam a luz e transformam-na em alimento. A forma, o tamanho e a disposição das folhas são afinados ao detalhe, em cada espécie, para responder às condições do lugar onde vivem.
No solo, as raízes estendem-se, muitas vezes, tanto quanto a copa que sustentam. Fixam a árvore ao chão e absorvem água e nutrientes essenciais à sobrevivência.
Em muitas espécies, as raízes formam uma rede subterrânea de trocas e comunicação com fungos micorrízicos. É a Wood Wide Web – uma rede que, além de partilhar recursos, também transmite sinais de alerta e de apoio entre plantas, como já explorei neste outro texto sobre arsenal invisível de defesa.
As vantagens e os riscos da altura
Chegar mais alto permite captar mais luz, escapar à sombra das plantas vizinhas e garantir espaço para expandir a copa. Em muitos habitats, como nas florestas densas, onde cada raio de sol é disputado ao milímetro, essa vantagem é decisiva: quem chega mais alto conquista o sol.
Mas essa conquista tem um preço. Cada metro a mais representa um esforço maior para bombear água e nutrientes das raízes até às folhas no topo, suportar o vento, resistir ao calor e sobreviver à seca. Crescer em altura exige um investimento energético constante para manter a estrutura estável e funcional, mesmo perante ventos fortes, secas prolongadas ou temperaturas extremas. Além disso, a altura traz riscos mecânicos — uma queda ou uma ruptura podem ser fatais.
Espécies que ilustram a luta pela altura
A diversidade das estratégias de crescimento torna-se evidente quando olhamos para exemplos concretos. Em Portugal, entre as espécies nativas que apostam na verticalidade, destacam-se:
- Pinheiro-bravo (Pinus pinaster), que frequentemente ultrapassa os 20 metros e pode chegar a 30 metros em condições favoráveis;
- Faia (Fagus sylvatica), que atinge entre 30 a 40 metros;
- Castanheiro (Castanea sativa), que pode atingir até 35 metros;
- Carvalho-alvarinho (Quercus robur), capaz de chegar aos 30 metros;
- Freixo (Fraxinus angustifolia), típico das margens de rios, que pode atingir os 30 metros de altura.
Alguns exemplares destas espécies são verdadeiros monumentos naturais, protegidos pela lei enquanto árvores de Interesse Público ou árvores monumentais. Um exemplo notável é o “Pinheiro de Tibães”, um pinheiro-bravo bicentenário com cerca de 47 metros de altura, que simboliza a grandiosidade e resistência destas árvores ao longo dos séculos.
Lembro-me bem da primeira vez que vi o Pinheiro de Tibães – era ainda criança e sua presença altiva parecia já contar séculos de história. Ali senti a força silenciosa das árvores e despertou em mim o desejo de proteger e ajudar estas sentinelas verdes, que guardam segredos e histórias que vêm do topo das suas copas, histórias que só o tempo e o vento sabem contar.
Outro exemplo é o “Guardião d’El Rei“, também um pinheiro-bravo com cerca de 200 anos, localizado na Mata Nacional de Leiria, que impressiona com os seus 25 metros de altura e 2,65 metros de perímetro de tronco.
Merecem também destaque a faia-púrpura (Fagus sylvatica var. atropurpurea) da Quinta do Gólgota, na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto com cerca de 25 metros; o Castanheiro-de-Vales, em Vila Pouca de Aguiar, com 21 metros de altura; e o imponente Carvalho-de-Calvos, na Póvoa de Lanhoso, com cerca de 30 metros de altura.
Em 2021, tive a honra de integrar a equipa de especialistas que realizou uma intervenção de melhoria da condição do Castanheiro-de-Vales. Após avaliações fitossanitárias e biomecânicas detalhadas, concluímos que a árvore mantém uma vitalidade positiva, apesar de sinais de desgaste naturais da sua idade avançada.
Este trabalho reforçou em mim a convicção de que cortar uma árvore centenária e substituí-la por uma árvore jovem e pequena não é simplesmente um ato de renovação. É apagar décadas, até séculos, de história, resistência e valor ecológico acumulados. Árvores grandes não se substituem facilmente — são património vivo, tesouros que exigem tempo, paciência e respeito para que futuras gerações possam também apreciá-los.
Nenhuma destas árvores, no entanto, ultrapassa o recorde absoluto de altura em Portugal. Esse título pertence a uma árvore exótica: um exemplar notável de eucalipto-karri (Eucalyptus diversicolor), plantado no século XIX na Mata Nacional de Vale de Canas, em Coimbra. Este gigante media, em 2017, 72,9 metros de altura e é considerado não só a árvore mais alta de Portugal, mas também, até onde se sabe, a mais alta da Europa.
Mesmo ao lado, cresce outro exemplar impressionante: a maior araucária-de-queensland (Araucaria bidwillii) da Europa, com aproximadamente 49 metros de altura. Foi no meu tempo de estudante que tive a oportunidade de visitar, pela primeira vez, estes dois monumentos verdes. Fiquei verdadeiramente impressionada com a sua dimensão e imponência. Lembro-me que tentámos medir a altura, um desafio fascinante que me marcou profundamente.
Estes dois exemplares, ambos oriundos da Austrália, destacam-se como curiosidades botânicas e símbolos do extraordinário potencial da estratégia vertical.
Além-fronteiras, o recorde planetário pertence ao Hyperion, uma sequoia-vermelha (Sequoia sempervirens) com cerca de 115,9 metros, no Parque Nacional de Redwood, na Califórnia. Outros gigantes do mundo vegetal incluem o eucalipto-regnans (Eucalyptus regnans), da Austrália; o abeto-de-douglas (Pseudotsuga menziesii) da América do Norte; o monumental kauri (Agathis australis) da Nova Zelândia, ou o imponente pinheiro-do-açúcar (Pinus lambertiana). Todos representam a mesma ideia: crescer alto, viver muito e resistir ao tempo.
Palmeiras: a estratégia arbórea alternativa
Quando pensamos em árvores, imaginamos troncos largos, madeira densa e crescimento lento marcado por anéis anuais. Mas nem todas as plantas seguem essa fórmula. As palmeiras, por exemplo, apesar da aparência semelhante à das árvores, pertencem a um grupo botânico distinto e adotam uma estratégia muito diferente para alcançar altura.
Sem madeira verdadeira nem crescimento em diâmetro, as palmeiras erguem-se com caules finos (estipe), flexíveis e resistentes, adaptados a ambientes muitas vezes extremos. Em Portugal, a única espécie nativa é a palmeira-anã (Chamaerops humilis), que raramente ultrapassa os 2 a 3 metros de altura. Mas muitas espécies exóticas, como a tamareira (Phoenix dactylifera) ou a palmeira-das-canárias (Phoenix canariensis), também alcançam alturas notáveis.
Apesar das diferenças profundas na sua estrutura interna, as palmeiras demonstram que existem várias formas de conquistar o céu.
Ser árvore: uma estratégia que define paisagens e histórias
Ser árvore é um compromisso que atravessa décadas, séculos ou até milénios. Exige paciência, força e capacidade de adaptação a condições por vezes extremas. Essa dedicação permite às árvores criar paisagens, moldar ecossistemas e oferecer recursos essenciais à vida.
Crescer em altura não é apenas uma corrida pelo sol, mas um investimento no futuro, uma aposta na resiliência e na permanência. Seja com madeira sólida ou com estipes flexíveis, as árvores e as palmeiras lembram-nos que existem muitas formas de alcançar o céu — e que cada forma conta uma história única de sobrevivência e beleza.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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