Também vulgarmente conhecida como urze-de-Portugal, como nos conta Carine Azevedo, esta planta nativa começa a florescer agora por esta altura, alegrando com as suas pequenas flores os dias escuros e cinzentos do inverno.
É no outono que podemos avistar as flores brancas da urze-lusitana (Erica lusitanica), uma das pouco mais de uma dezena de espécies do género Erica que ocorrem em Portugal.
Vamos conhecê-la melhor e descobrir as diferenças para outras espécies deste género.
Ericaceae
Segundo a World Flora Online Plant List a família Ericaceae é composta por 3550 espécies, distribuídas por 150 géneros botânicos.
Em Portugal, esta família está representada por oito géneros e por cerca de três dezenas de espécies, sendo as mais conhecidas a torga (Calluna vulgaris), o rododendro (Rhododendron ponticum subsp baeticum), o medronheiro (Arbutus unedo), a urze-roxa (Erica cinerea), o mirtilo (Vaccinium myrtillus) e a camarinha (Corema album).
A maioria destas espécies ocorre em território continental; no entanto, também podemos encontrar algumas espécies nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, muitas das quais endémicas dessas regiões.
A camarinha (Corema album subsp. azoricum), a queiró (Daboecia azorica), a urze (Erica azorica) e a uva-da-serra (Vaccinium cylindraceum) são exclusivas da Região Autónoma dos Açores.
Quanto à urze-rasteira (Erica maderensis), urze-das-vassouras (Erica platycodon subsp. maderincola) e uva-da-serra (Vaccinium padifolium), ocorrem apenas no Arquipélago da Madeira.
Urze-lusitana
A urze-lusitana, também vulgarmente conhecida como urze-de-Portugal, é uma espécie de porte arbustivo, muito ramificada, que pode crescer até três a quatro metros de altura.
Os caules são lenhosos, sendo os mais antigos acastanhados, e os mais jovens brancos ou acinzentados, densamente pubescentes, com pelos lisos e simples.
As folhas são persistentes e muito pequenas. Ocorrem em grupos de duas a quatro folhas, em verticilos, sendo o mais comum três folhas por verticilo. São verdes, ereto-patentes, lineares, raramente estreitamente ovadas, e também glabras (sem pelos). Na sua maioria são sésseis (sem pecíolo) ou, por vezes, subsésseis (com pecíolo muito curto). Têm margens inteiras e revolutas, ou seja, enroladas para baixo, sendo difícil de ver a página-inferior.
A floração ocorre maioritariamente no inverno, podendo começar a florir ainda no final do outono e prolongar-se até ao início da primavera (de novembro a março).
As flores são tubulares e numerosas. Ocorrem de forma solitária ou agrupadas em pequenas umbelas de três a quatro flores, na extremidade de ramos laterais muito curtos, que surgem ao longo dos caules.
Cada flor é formada por quatro pétalas fundidas entre si, com quatro lóbulos arredondados nas pontas que formam uma corola tubulosa-campanulada, e por quatro minúsculas sépalas de cor creme ou esbranquiçada, soldadas na base e glabras.
As flores pendem para baixo e são inicialmente de cor rosa-pálido. Tornam-se brancas à medida que “amadurecem” e, eventualmente, acastanhadas à medida que envelhecem. Já o fruto é uma pequena cápsula ovóide e glabra, que aloja inúmeras sementes muito pequenas e elipsoidais. A maturação dos frutos ocorre na primavera e no verão.
A urze-lusitana tem uma esperança de vida de 40 a 50 anos, no máximo.
Da Lusitânia
A designação científica desta espécie é parcialmente comum a outras espécies do mesmo género. O termo Erica deriva do grego Ereíko e significa “charneca”, associado ao habitat característico da vegetação xerófila — terrenos áridos e pedregosos onde é comum encontrar espécies do género Erica. O restritivo específico lusitanica deriva do latim lustianicus-a-um, de Lusitânia, origem geográfica da espécie — a província romana no oeste da Península Ibérica, ocupada atualmente por Portugal.
A urze-lusitana tem uma área de distribuição nativa restrita, compreendida entre o sudoeste da França e a Península Ibérica; no entanto, pode ocupar uma ampla gama de habitats.
Em Portugal, ocorre maioritariamente nas regiões do Centro e Sul do território continental, não havendo registo da sua presença nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.
A urze-lusitana ocorre frequentemente em bosques esclerófilos e matorrais, na companhia de outras urzes ou de algumas coníferas (como por exemplo o pinheiro-bravo), ou ainda na orla de sobreirais, e também próxima de cursos de água.
Esta planta tem preferência por locais de sombra ou de meia-sombra, embora também suporte locais com incidência direta de luz solar. Do ponto de vista edáfico, prefere os solos ácidos, bem drenados e frescos.
Geralmente, é uma planta resistente a condições adversas. No verão suporta longos períodos de seca e no inverno tolera temperaturas baixas, compreendidas entre os -5ºC e os 10ºC, e períodos curtos de geada. A ocorrência de incêndios florestais cria condições adequadas para a germinação e desenvolvimento das suas sementes.
Ornamental e melífera
A urze-lusitana é uma planta melífera. As suas flores perfumadas atraem as abelhas e muitos outros insectos polinizadores.
A dispersão das sementes ocorre sobretudo por ação do vento, água e gravidade. Os humanos e alguns outros animais vertebrados podem facilitar a dispersão a longas distâncias, transportando as sementes na roupa e calçado e ainda no pelo e patas dos animais.
É uma espécie muito interessante do ponto de vista ornamental, quer pelo seu aspeto peculiar, folhagem densa e persistente, bem como pela sua profusa e prolongada floração invernal.
A urze-lusitana é uma alternativa ideal para complementar qualquer espaço verde, em particular canteiros de jardins de baixa manutenção, jardins costeiros e jardins de pedra, ou como cobertura de solo, ou ainda para formar cercas vivas. Pode também ser cultivada simplesmente em vasos e floreiras, tanto em terraços como em varandas.
Espécie Pouco Preocupante
A Erica lusitanica foi inserida na Lista Vermelha da IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza, que a classifica globalmente como Pouco Preocupante.
Esta espécie tem sofrido algumas ameaças. Os incêndios florestais recorrentes são a principal causa, seguidos pelas intervenções silvícolas e pela mineração. Todavia, o nível de ameaça global não é muito elevado e, em Portugal, não se encontra protegida por legislação nacional.
Já em Espanha e em França, esta espécie está listada como Vulnerável na Lista Vermelha da Andaluzia (Espanha) e na Lista Vermelha Francesa.
Por outro lado, e apesar de a sua área de distribuição nativa ser restrita a três países, a Erica lusitanica pode ocupar uma ampla gama de habitats. Foi introduzida noutras regiões do mundo, nomeadamente nos Estados Unidos da América (Califórnia e Oregon), Grã-Bretanha, Havaí, Nova Zelândia e Austrália, onde em muitos casos encontrou condições de adaptação que permitiram que se tornasse uma espécie naturalizada.
Na Califórnia e no Havai, aliás, pela sua rápida proliferação e grande facilidade de estabelecimento de extensas monoculturas, é considerada uma séria ameaça às espécies nativas (potencialmente invasora).
Urze-lusitana vs urze-branca
A urze-lusitana (Erica lusitanica) é muitas vezes confundida com a urze-branca (Erica arborea), sobretudo pelo porte e cor das flores, embora sejam inúmeras as características que as distinguem. Esta última planta é também vulgarmente conhecida como betouro, quiroga, quiróga, torga, urze, urze-molar ou urze-arbórea.
A urze-branca é uma espécie com uma distribuição nativa mais alargada, podendo ocorrer em regiões do Mediterrâneo, Macaronésia, Norte e Leste de África. Em Portugal, a sua distribuição é também mais ampla do que a da urze-lusitana, ocorrendo um pouco por todo o território continental e no Arquipélago da Madeira.
Esta espécie tem preferência por bosques mais abertos, matagais frescos e sombrios e solos mais húmidos. Cresce mais de sete metros de altura e possui uma folhagem de cor verde mais intensa.
A característica que melhor distingue as duas espécies são as flores. Embora ambas produzam flores brancas, as flores da E. arborea têm uma corola mais pequena e os estigmas são dilatados e em forma de disco. Já na E. lusitanica, a corola é maior e os estigmas são pouco dilatados e em forma de cone.
Além disso, a época de floração também é distinta. A E. lusitanica floresce mais cedo, entre novembro e março, raramente coincidindo com a E. arborea, que tem um período de floração compreendido entre fevereiro e julho.
Agora que já sabe como identificar a urze-branca, só falta mesmo procurá-la. Se a encontrar, registe esse momento e partilhe as suas fotografias com #oqueprocurar #plantasdeportugal #floranativa e #àdescobertadasplantasnativas nas suas redes sociais.
Dicionário informal do mundo vegetal:
Pubescente – que tem pelos finos e densos.
Persistente – folhagem que se mantém verde, na árvore, ao longo de todo o ano, renovando gradual sem que a árvore fique despida.
Verticilo – nó onde se insere um conjunto de órgão idênticos (ex. ramos, folhas, etc.).
Patente – que se insere segundo um ângulo próximo de 90º.
Séssil – a folha não possui pecíolo (haste de suporte), inserindo-se diretamente no caule.
Subséssil – quase séssil, com pecíolo ou pedicelo muito curto.
Revoluta – folha que mantém as margens ligeiramente enroladas para a página inferior da mesma.
Tubular – flor cuja corola possui um tubo muito alongado.
Umbela – inflorescência em que as flores se agrupam em forma de guarda-sol.
Lóbulo – parte da folha com recorte pouco acentuado.
Corola – conjunto das pétalas (peça floral, geralmente colorida ou branca), que protegem os órgãos reprodutores da planta.
Campanulada – em forma de sino invertido.
Sépala – peça floral, geralmente verde, que forma o cálice e que protege externamente a flor.
Cápsula – fruto seco, com várias sementes, que abre e deixa as sementes cair quando maduro.
Bosque esclerófilo – bosque ou floresta composto por espécies arbóreas e arbustivas providas de folhas rígidas, recobertas por uma cutícula protetora.
Matorral – terreno coberto de mato denso e espesso.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
Para acções de consultoria, pode contactá-la no mail [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.