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Centro de recuperação em Vila Real está a criar 34 tartaranhões-caçadores resgatados

19.06.2025
Foto: Filipa Loureiro

O projeto LIFE SOS Pygargus está a resgatar e a ajudar à sobrevivência de ovos e crias de tartaranhões-caçadores que estavam em risco de morte, tanto em Trás-os-Montes como no Alentejo. A Wilder falou com Filipa Loureiro, veterinária no Centro de Recuperação de Animais Selvagens do Hospital Veterinário da UTAD, e conta-lhe o que está a ser feito.

No Centro de Recuperação de Animais Selvagens (CRAS) do Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, as instalações dedicadas à criação em cativeiro de tartaranhões-caçadores (Circus pygargus) estão em grande atividade. Por estes dias, o centro abriga 12 pequenos ovos e 24 crias desta ave ameaçada em Portugal. Mas semana a semana, à medida que se sucedem os nascimentos e por vezes há novas entradas, os números alteram-se rapidamente.

Macho de tartaranhão-caçador, em voo. Foto: Filippo Guidantoni

O tartaranhão-caçador, também chamado de águia-caçadeira, é uma ave migradora de rapina que se reproduz em território português, onde está Em Perigo de extinção. Um dos maiores problemas que enfrenta é que muitas vezes os ninhos são construídos no meio do chão, escondidos em searas, e acabam destruídos durante as colheitas. E por isso, o LIFE SOS Pygargus, um projeto cofinanciado por fundos europeus dedicado à recuperação desta espécie, recolhem crias e ovos dos ninhos quando essa é a única via possível para que sobrevivam. Em 2024, essas ações de resgate permitiram que sobrevivessem 20 tartaranhões juvenis no distrito de Bragança, uma das regiões abrangidas.

É no Norte que se concentra 55 a 60% da população portuguesa da espécie. Aqui, as crias e ovos em perigo são resgatados por técnicos da associação Palombar que tiveram formação nessa área, e os trabalhos de criação destas aves ficam à responsabilidade do CRAS, onde começaram a realizar-se em 2022. Estamos agora numa altura chave descrita por Filipa Loureiro, que cuida destes ovos e aves juntamente com Roberto Sargo e Luís Sousa, também veterinários. Por estes dias, trabalham ativamente para que a nova temporada de criação tenha sucesso, até estes tartaranhões serem totalmente autónomos.

Mas até lá, há ainda muitas tarefas a cumprir. Quanto aos ovos que chegaram ao centro, em Vila Real, estão agora a ser mantidos numa incubadora com a temperatura e a humidade controladas. Primeiro, já tinham sido observados com a ajuda de um ovoscópio, detalha Filipa Loureiro, que explica que se trata de “uma lanterna com uma forma que encaixa no ovo”, que possibilita que os veterinários consigam ver a silhueta ali dentro e medir os tamanhos.

Ovoscópio utilizado pela equipa do CRAS, para analisar o que está dentro do ovo. Foto: Filipa Loureiro

Assim, conseguem confirmar se os ovos estão de facto fecundados, ou seja, se têm embrião lá dentro, e estimam também as idades em pequenos intervalos de cinco dias. “Pelo menos até aos 18 dias, porque aí os embriões já estão muito grandes dentro dos ovos e deixamos de os conseguir medir bem.”

Cria de tartaranhão-caçador a nascer, no CRAS. Vídeo: Filipa Loureiro

Feitas as contas, a equipa já sabe que cerca de 29 dias após a postura costumam nascer as pequenas crias. Ainda frágeis, com a pele nua e bastante rosada, não apresentam quase nenhuma da penugem branca de que irão estar cobertas 15 dias mais tarde.

Tartaranhão-caçador acabado de nascer no CRAS, ainda rodeado por casca de ovo. Foto: Filipa Loureiro

Durante as semanas que as crias de tartaranhão-caçador vão passar no centro, tanto as que ali nascem como aquelas que foram resgatadas de ninhos em perigo, há duas regras principais a cumprir. “Evitamos sempre que tenham contacto humano e procuramos também que socializem umas com as outras o mais possível”, descreve a veterinária do CRAS. Mesmo quando estão a ser alimentadas com pedaços de carne e gafanhotos – um trabalho que acontece cinco vezes por dia para cada ave, no início com a ajuda de uma pinça – os veterinários fazem todo o possível para que não se habituem aos humanos. “Não falamos com elas e damos comida às crias com elas colocadas de costas, para não nos estarem a ver”, exemplifica.

Filipa explica também que as pequenas aves costumam estar de frente umas para as outras, como aconteceria se estivessem no ninho, e assim vão-se habituando ao contacto com outros tartaranhões-caçadores. No centro de recuperação, esse trabalho de socialização conta ainda com a ajuda de dois “tutores” – duas aves da mesma espécie que não conseguiriam sobreviver na natureza, devido a lesões graves, e que vivem nas instalações. Graças à presença desses adultos, os mais pequenos vão aprendendo competências importantes por imitação, como se passaria com os progenitores. “Aprendem por exemplo a reconhecer a aproximação de um predador”, especifica a veterinária. “Trata-se de algo que nós próprios nunca seríamos capazes de lhes ensinar.”

Finalmente, quando já conseguirem desenvencilhar-se sozinhos na alimentação e regularem de forma autónoma a temperatura corporal, por volta dos 25 dias de idade, os tartaranhões vão ser transferidos para uma jaula de aclimatação (na gíria dos projetos de criação em cativeiro, é conhecida como jaula de ‘hacking’). Nesse recinto situado no concelho de Miranda do Douro, os juvenis estão em contacto mais direto com o meio natural a que serão devolvidos e têm espaço para treinar o voo, mas continuam protegidos de predadores como outras aves de rapina ou raposas.

“Chamamos-lhe método de ‘soft release’ (na tradução literal, ‘libertação lenta’), porque só vão sair dessa jaula quando estiverem preparados para isso”, nota Filipa Loureiro. Quando todas estas aves já conseguirem voar bem, passa a ficar levantado um dos lados do recinto, mas é delas que parte a iniciativa: “Só saem para o ar livre quando quiserem, quando se sentirem prontos.”

Três crias resgatadas devido ao calor

Até meados de junho, já tinham dado entrada no centro de recuperação ligado à UTAD ovos e crias de tartaranhão-caçador resgatados em 14 ninhos. Todos eles situados no Nordeste Transmontano, nos concelhos de Miranda do Douro, Figueira de Castelo Rodrigo e Mogadouro.

A maioria dos casos aconteceu por ceifa precoce, uma vez que “os agricultores não podiam adiar a apanha” dos cereais ou do feno, e os ninhos iriam ficar destruídos. Mas esta semana, o calor intenso levou também ao resgate de três crias de um mesmo ninho, para evitar que morressem devido à forte subida dos termómetros. “Foram resgatadas na zona de Miranda do Douro. Assim demos também um bocadinho de descanso aos pais, que ficaram no ninho com duas crias mais velhas, que já são mais resistentes”, conta a veterinária.

É aliás possível que, devido às “temperaturas loucas” que se fazem sentir na região, entretanto mais crias em perigo de vida dêem entrada neste centro. Menos provável é que cheguem mais ovos, só se vierem de segundas posturas em que surjam problemas. “Há casais que fazem uma nova postura porque perderam as crias da primeira ou se esta aconteceu mais cedo e as aves já saíram do ninho.”

Por enquanto, contam-se as semanas para que os ovos e crias de tartanhão-caçador que residem nestas instalações, em Vila Real, cresçam e estejam em condições de passar a viver na natureza, como aconteceria quando deixassem os ninhos. Convém que seja a tempo de realizarem os primeiros voos de dispersão e de se juntarem à migração para África, que para os juvenis vai acontecer em setembro.

Coordenado pela organização não governamental de ambiente Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, o LIFE SOS Pygargus (2024-2030) conta com 17 parceiros, incluindo 13 portugueses entre os quais a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e quatro espanhóis.


Saiba mais.

Descubra porque é que os investigadores do CIBIO InBIO, centro de investigação da Universidade do Porto que é também parceiro do LIFE SOS Pygargus, vão estudar os voos dos juvenis de tartaranhão-caçador nascidos este ano, aqui.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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