O restauro da natureza foi o assunto principal das XVII Jornadas do Ambiente de Lousada. A Wilder esteve na conferência e dá-lhe resposta a seis questões sobre este tema, que implica a apresentação de um plano nacional a Bruxelas já em 2026.
O que é isto do restauro da natureza?
O tema do restauro da natureza tem vindo a ganhar cada vez mais importância, sobretudo desde que entrou em vigor a nova Lei do Restauro da Natureza, em 2024, que se aplica aos 27 Estados-membros da União Europeia (UE). Em causa está a recuperação de ecossistemas que foram degradados ou destruídos e ainda a conservação dos que se mantêm intactos. O objetivo da nova legislação, como anunciou em agosto do ano passado a Comissão Europeia, é “inverter a tendência de degradação da natureza, alcançar a neutralidade climática e melhorar a preparação e resiliência” dos países da UE para os “efeitos das alterações climáticas”.
Alice Nunes, investigadora na área do restauro da natureza que falou na conferência de abertura das XVII Jornadas do Ambiente de Lousada, no dia 13 de junho, esclareceu que o “restauro da natureza” pode incluir vários tipos de projetos, bastante diferentes entre si, mas passa obrigatoriamente pela aplicação de “soluções baseadas na natureza”.
“Pode passar pela recuperação de ecossistemas pristinos, mas também pela promoção da biodiversidade e dos serviços de ecossistema em zonas agrícolas, urbanas e florestais, entre outras, mantendo as atividades económicas nesses espaços”, esclareceu durante a conferência. “É importante fazer-se esta distinção porque isto já gerou alguma confusão na altura da aprovação da lei. O objetivo não é renaturalizar no sentido original do termo, em todos os locais”, indicou a oradora, que se dedica à investigação nesta área e está ligada ao CE3C – Centro de Evolução, Ecologia e Alterações Ambientais, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Quais são as principais metas?
A nova legislação europeia, que entrou em vigor em agosto de 2024, estabelece duas metas importantes: a recuperação conjunta de 20% das áreas marinhas e 20% das áreas terrestres, até 2030, e de todos os ecossistemas que necessitem de restauro até 2050.
Está prevista a plantação de mais 3000 milhões de árvores no espaço europeu, além de metas específicas para o restauro em diferentes tipos de ecossistema, como ecossistemas terrestres, costeiros e de água doce; ecossistemas marinhos; ecossistemas urbanos; o restauro da conectividade natural dos rios e também os polinizadores, entre outros.
Para atingir essas metas, cada um dos 27 Estados-membros terá de desenhar um plano nacional de restauro da natureza que inclua todas as medidas previstas e o caminho para aí chegar, incluindo as necessidades de financiamento e possíveis conflitos com subsídios europeus que contradigam o espírito da nova legislação. Estes planos nacionais têm de ser entregues a Bruxelas até agosto de 2026, numa primeira versão, que poderá ser avaliada e revista e entregue na sua versão definitiva em setembro do ano seguinte.
Por que é importante o restauro da natureza?
O problema da degradação dos ecossistemas afeta atualmente 75% da superfície do planeta, lembrou Alice Nunes. Essa degradação está a contribuir para uma crise global da biodiversidade e a conduzir à perda de inúmeros serviços dos ecossistemas, provocada pela má gestão do pastoreio, da agricultura e das culturas florestais, mas também pelas espécies invasoras, pela exploração abusiva dos recursos naturais e pela urbanização desregrada, entre outras ameaças.
Ora, Bruxelas reconhece que esta degradação está a acontecer “a um ritmo alarmante” por toda a Europa. São as turfeiras, as pastagens e os habitats dunares que estão em pior estado. Feitas as contas, neste continente já se perderam metade das zonas húmidas que existiam em 1970.
Além do objetivo de reverter a perda da biodiversidade e dos ecossistemas, as medidas de restauro da natureza também poderão contribuir para outros objetivos do âmbito social que se colocam hoje em dia, indicou a investigadora do CE3C. Exemplos? Adaptação e mitigação das alterações climáticas, segurança alimentar, economia azul, combate à poluição, justiça e equidade social. “O restauro da natureza é uma ferramenta que permite contribuir para todos estes desafios em simultaneo, daí a sua importância”, sublinhou.
O que está a ser feito em Portugal?
Os passos a dar foram definidos pelo despacho n.º 12734/2024, publicado em outubro passado. Foi criada uma comissão interministerial de coordenação, presidida pela ministra do Ambiente e Energia, Graça Carvalho. Esta tem como missão supervisionar o processo de elaboração do novo plano nacional de restauro da natureza. Está também a funcionar o Grupo de Trabalho para o Restauro da Natureza (GT-RN), que tem a missão de elaborar o plano, e que é coordenado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Está dividido em vários subgrupos temáticos, focados no restauro de diferentes ecossistemas.
Já a elaboração do plano está a ser monitorizada e discutida por uma Comissão de Acompanhamento dos trabalhos, presidida por Isabel Sousa Pinto, investigadora e professora da Universidade do Porto. Deste processo faz também parte a Rede de Conhecimento para o Restauro da Natureza, coordenada por Alice Nunes. A investigadora explicou que o objetivo desta rede, que está representada no GT-RN e presta assessoria no desenho do novo plano, é aproveitar o conhecimento e a experiência dos cientistas e dos técnicos com valências de investigação nesta área.
Quais são os desafios neste momento?
“Temos pouco tempo para elaborar este plano e, por isso, temos de nos valer de todas as ajudas e conhecimento que já acumulámos neste contexto”, realçou a investigadora do CE3C. E não foi a única a lançar este alerta. “As metas para os planos nacionais de restauro são muito curtas”, concordou Rui Cortes, investigador do CITAB – Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), que também fez uma apresentação durante o encontro.
Além do prazo apertado, neste momento não há informação centralizada sobre os projetos que já foram ou estão a ser realizados em Portugal nesta área, uma informação importante para o desenho do projeto, indicou Alice Nunes, que adiantou que está a ser montada uma base de dados geo-referenciada com esses projetos, no âmbito da Rede Portuguesa de Restauro Ecológico, da Sociedade Portuguesa de Ecologia.
Existem também dúvidas quanto ao financiamento das futuras medidas de restauro, como sublinhou Rui Cortes, referindo-se em concreto ao restauro da conetividade natural dos rios. “Em Portugal estamos muito atrasados na retirada de barreiras fluviais”, avisou, acrescentando que tem “muitas dúvidas” sobre as fontes de financiamento que vão estar disponíveis. “Vai haver pouco dinheiro da União Europeia”, considerou o investigador.
Rui Cortes, à semelhança de Alice Nunes e de outros oradores nas jornadas, salientou também a necessidade de se envolver a sociedade civil nos diferentes projetos. “Para estas medidas de restauro da natureza funcionarem, tem de haver de facto uma grande ligação com as comunidades locais, de forma a criar resistência a possíveis problemas que venham a surgir”, afirmou este investigador, durante uma mesa redonda dedicada ao restauro dos ecossistemas marinhos, costeiros e de água doce.
Por fim, outra questão salientada durante o encontro é a necessidade de integrar diferentes políticas que prestam apoios com objetivos contraditórios.
Já há projetos de restauro da natureza em Portugal?
Já têm sido desenvolvidas inúmeras iniciativas, incluindo algumas que foram divulgadas durante as XVII Jornadas do Ambiente. Apesar de não existir ainda informação centralizada sobre o restauro da natureza em Portugal e sobre o resultado dos projetos, tem sido feita muita investigação nesta área. Carlos Marques, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova, sistematizou a informação disponível online e contou 83 projetos de restauro.
Um exemplo dos trabalhos que têm sido realizados são as iniciativas de recuperação de galerias ripícolas, muitas das quais realizados por municípios e com o envolvimento de voluntários – como acontece em Lousada, que tem desenvolvido vários projetos de restauro da natureza.
Outra área na qual têm sido tomadas medidas é a reflorestação de áreas ardidas em Portugal, à qual se tem dedicado o GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente. João Rijo Madeira, desta ONG, apresentou os projetos que têm sido desenvolvidos na Serra da Estrela, na Serra de Monchique e ainda no Pinhal de Leiria.
O restauro da natureza passa também, por exemplo, por projetos de rewilding como o que a Rewilding Europe está a desenvolver no vale do Côa e tambem noutros países europeus, sobre os quais falou Pedro Prata, ligado a esta organização europeia e dirigente da Rewilding Portugal.
Já no âmbito das zonas húmidas, Sofia Barbeiro, ligada ao projeto Carbono Azul, da Fundação Calouste Gulbenkian, explicou que está a ser preparado um projeto piloto dedicado ao restauro de sapais e de pradarias marinhas, em parceria com o CCMAR – Universidade do Algarve e a ANP | WWF Portugal.
Saiba mais.
Para acompanhar o que está a ser feito em Portugal no que respeita ao futuro plano nacional de restauro da natureza, pode consultar o portal do ICNF dedicado a este tema.