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Saramugo. Foto: Carlos Carrapato

Ameaçados: Encontrados vestígios de saramugo em 5 ribeiras onde era dado como desaparecido

03.06.2025

São notícias animadoras para este pequeno peixe de água doce, que em Portugal está classificado como Em Perigo de extinção. Os investigadores avisam que o risco se mantém e é importante tomar medidas.

Com apenas sete centímetros de comprimento, o saramugo (Anaecypris hispanica) é um dos mais pequenos peixes de água doce da Península Ibérica, única região do mundo onde pode ser encontrado. Está restrito a um local da bacia hidrográfica do Guadalquivir e a alguns afluentes do Guadiana, incluindo cursos de água que secam parcialmente no verão. Vive no máximo três anos, alimentando-se de pequenos insetos aquáticos e de minúsculos invertebrados (zooplâncton).

Em Portugal, onde é considerado Em Perigo de extinção, o Livro Vermelho dos Peixes de Água Doce (2023) concluiu que a espécie tinha desaparecido de cinco dos 10 rios e ribeiras onde fora encontrada há 20 anos, em 2005, classificando essas cinco sub-populações como “recém-desaparecidas”. Para chegarem a essa conclusão, os cientistas basearam-se nos resultados de pesca elétrica realizada nesses e noutros cursos de água.

Em contrapartida, a presença da espécie foi confirmada nas ribeiras de Foupão, Odeleite e Vascão (Algarve) e em dois afluentes da margem esquerda do Guadiana, os rios Ardila e Chança.

No entanto, um novo estudo realizado com uma técnica molecular baseada em DNA ambiental (vestígios de DNA na água resultantes de escamas, muco ou excreções), publicado pela revista científica Freshwater Biology, mostra que é muito provável que as cinco sub-populações de saramugo que se julgavam “recém-desaparecidas” persistam ainda. Em causa estão o rio Xévora (Campo Maior) e as ribeiras do Caia (Arronches), Álamo (Reguengos de Monsaraz), da Pardiela (Redondo e Évora) e de Carreiras (Mértola e Almodôvar). Os resultados foram divulgados esta terça-feira numa nota de imprensa do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, a propósito do Dia Mundial do Ambiente, que se comemora esta semana.

“Nas monitorizações realizadas regularmente desde o início do século nunca foram capturados exemplares de saramugo, o que apontava para a sua extinção local, sendo o objetivo deste estudo avaliar a sua persistência nestes locais”, explica Carlos Carrapato, técnico superior do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e co-autor do artigo científico.

Foi em maio de 2022 que a equipa de nove investigadores, coordenados por Ana Veríssimo (CIBIO-INBIO) e Filipe Ribeiro (MARE – Universidade de Lisboa), recolheu amostras de água em 70 locais diferentes da bacia hidrográfica do Baixo Guadiana, incluindo as 10 ribeiras da área de distribuição histórica do saramugo. Em laboratório, obtiveram resultados positivos em apenas 19 desses locais, mas os vestígios que encontraram de presença das cinco sub-populações desaparecidas trazem alguma esperança a este peixe ameaçado.

“O estudo permitiu detetar DNA do saramugo em amostras de água com grande precisão. Fizemos várias análises para garantir a robustez dos testes positivos. Estamos confiantes na deteção das populações ‘recém-desaparecidas’”, diz Ana Veríssimo. 

Filipe Ribeiro, investigador do MARE ligado à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, iniciou a sua carreira enquanto biólogo com o primeiro estudo sobre a biologia do saramugo no final dos anos 1990. “O saramugo continua a desaparecer e é urgente ter um plano de recuperação efetivo para a espécie! É essencial que haja compromisso do Estado Português na proteção e recuperação desta espécie, tal como aconteceu com outras espécies mais carismáticas”, sublinha. 

Atualmente, o Parque Natural do Vale do Guadiana mantém cinco populações de salvaguarda ex-situ (fora do local de origem), provenientes das populações selvagens mais estáveis, “porém só uma monitorização dedicada, regular e continuada permitirá a constituição de populações ex-situ para todas as populações detetadas agora”, acrescenta.

A mesma opinião é partilhada por Ana Veríssimo, que sublinha que “a localização destes testes positivos é muito consistente, e espacialmente coerente com a distribuição da espécie no final do século passado”. E conclui: “Isto significa que a espécie ainda está lá e que devemos monitorizar todas as dez populações existentes em Portugal. A monitorização deve ser feita com esta nova técnica, mas também com pesca científica, usada há várias décadas, pois só assim podemos determinar a evolução das populações no futuro.”

A equipa avaliou ainda que implicações têm estes novos resultados para a avaliação do risco de extinção do saramugo. Filomena Magalhães, coordenadora do Livro Vermelho, professora da FCUL e investigadora do CE3C, avisa que “apesar da área de ocorrência da espécie não ter mudado muito desde 2005, as cinco populações agora detetadas são muito frágeis e, muito provavelmente, não serão viáveis a médio prazo se não forem reforçadas e os seus habitats recuperados localmente”.

O estudo foi realizado entre 2021 e 2022 e resultou de uma parceria entre o ICNF, o MARE na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), o CIBIO/BIOPOLIS – Universidade do Porto, o CE3C – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da FCUL e o MUHNAC – Museu Nacional de História Natural e da Ciência.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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