Ações de conservação no distrito de Bragança foram essenciais para mais de metade dos juvenis da espécie que sobreviveram até serem autónomos, em 2024. A Wilder falou com a equipa da Palombar e conta-lhe o que aconteceu.
Graças à proteção de ninhos e ao resgate de ovos e crias no distrito de Bragança, sobreviveram 34 tartaranhões-caçadores (Circus pygargus) nascidos em 2024, indica um novo relatório da ONG Palombar, a que a Wilder teve acesso. Incluindo as 19 crias que resistiram na natureza e sem qualquer ajuda, no ano passado houve 53 novas crias voadoras nesta parte de Trás-os-Montes, que abarca os concelhos de Bragança e Miranda do Douro, entre outros.
Feitas as contas, as medidas aplicadas em 2024 contribuíram para a sobrevivência de quase duas crias voadoras de tartaranhão-caçador por cada ninho – uma taxa de produtividade anual de 1,96 para esta ave migradora, que se reproduz em Portugal. Estes dados constam de um relatório com a avaliação do último ano do projeto “Searas com Biodiversidade: Salvemos a águia-caçadeira”, iniciado em maio de 2022 e substituído em setembro passado pelo LIFE SOS Pygargus, que é mais abrangente mas continua a incluir ações como estas.
De facto, 2024 foi “um ano bom” para as ações de apoio a esta ave de rapina (também conhecida por águia-caçadeira), considera a equipa da Palombar, que tem coordenado estes projetos. Se aquelas não tivessem sido realizadas, estima-se que a taxa de produtividade anual ter-se-ia reduzido a 0,70 – ou seja, menos de uma cria voadora por cada ninho, bastante abaixo do desejável.
É no Norte que se concentra entre 55 a 60% da população portuguesa desta espécie considerada Em Perigo de extinção pela Lista Vermelha das Aves Nidificantes de Portugal Continental (2022). Nesta região, o tartaranhão-caçador aparenta estar ainda pior do que a nível nacional: o censo nacional da espécie (2022 e 2023) contou aqui entre 66 a 118 casais reprodutores – uma “redução drástica” de 76 a 80% no espaço de 10 anos – enquanto que a área de distribuição caiu para quase metade face à situação em 2015-2021.
“Intervimos unicamente em ninhos que vão ser destruídos”
Entre as maiores ameaças a estas aves estão as alterações climáticas e os predadores – como raposas, milhafres e aves de rapina maiores – mas também as mudanças nas tradições agrícolas. Os ninhos, construídos no meio das searas para ficarem mais escondidos, acabam muitas vezes destruídos durante a fase da colheita, antes de as crias nascerem ou começarem a voar. Para evitar que isso aconteça, e com a concordância dos donos dos terrenos, o projeto colocou no ano passado vedações em volta de sete ninhos de alto risco – quatro dos quais ainda com ovos e outros três já com crias nascidas.
“Intervimos unicamente em ninhos que vão ser destruídos. Maioritariamente, são ninhos colocados em campos cultivados para produção de forragens (feno para alimentar o gado, por exemplo) e cortados ainda em verde, quando os ninhos têm geralmente ainda ovos ou crias muito pequenas”, explicaram Filippo Guidantoni e Luís Ribeiro, da Palombar. “Também temos de intervir quando os ninhos estão localizados em searas para grão – normalmente cortadas mais tarde – cuja ceifa esteja prevista antes da data de voo das crias.”
Ainda assim, por vezes há contratempos: dois dos ninhos protegidos foram abandonados pelos progenitores durante a ceifa, tornando necessário resgatar os ovos. Dos outros cinco ninhos também vedados, resultaram 14 crias voadoras – também ajudadas por pequenas caixas de madeira, que lhes serviram de abrigo e as protegeram dos ‘picos’ de calor.
Já o resgate de ovos e de crias faz-se apenas quando não há alternativa. “Idealmente, tentamos manter o maior número possível de ninhos no terreno e resgatar apenas como última opção. Regra geral, se houver crias, vedamos; se houver ovos, a decisão sobre resgatar ou vedar depende de vários fatores, como por exemplo o estado de incubação (quantos dias de incubação no momento da ceifa?), a atitude e disponibilidade do agricultor, a reação dos progenitores à instalação da vedação e à perturbação causada pela ceifa”, descreveram os dois responsáveis, numa entrevista por escrito.
Destas ações de resgate, que em 2024 abrangeram sete ninhos diferentes – “todos situados em parcelas agrícolas de ceifa iminente ou abandonados plos progenitores durante a ceifa” – resultaram 20 juvenis voadores, libertados depois de passarem algum tempo numa jaula de aclimatação (‘hacking’).
Medidas no terreno entre maio e junho
Por estes dias, faltam poucas semanas para que as medidas de proteção de ninhos e crias regressem ao terreno, antes que comecem as colheitas. “Geralmente, aqui em Trás-os-Montes, nos campos cortados em verde [para produção de forragens], a colheita costuma ocorrer entre meados de maio e as primeiras semanas de junho. No caso das searas para grão, costuma ser cerca de um mês mais tarde (embora aqui sejam poucas as parcelas destinadas a produção de grão)”, explicaram Filippo Guidantoni e Luís Ribeiro. Já as crias criadas em cativeiro costumam ser libertadas na natureza com cerca de 50 a 55 dias, “o que geralmente acontece no final de julho”.
Nos próximos anos, pelo menos até 2030, as medidas de apoio ao nascimento de tartaranhões-caçadores vão continuar no âmbito do novo LIFE SOS Pygargus, tanto em Trás-os-Montes como noutras regiões do país e também de Espanha. Coordenado pela Palombar, inclui outros 17 parceiros portugueses e espanhóis.
“A extinção do tartaranhão-caçador — ou de qualquer outra espécie — representa uma perda irreparável de biodiversidade e património genético. É um empobrecimento do nosso património natural e um grande desequilíbrio nos ecossistemas”, avisam os dois técnicos. “Esta espécie, em particular, desempenha um papel ecológico fundamental no controlo natural de pragas agrícolas, pelo que a sua perda significaria também a perda desses serviços que nos são gratuitamente prestados.”
Saiba mais.
Leia mais sobre o resgate e criação de tartaranhões-caçadores em cativeiro, aqui. E fique também a saber o que se passa com a busca de colheitas mais amigas desta ave de rapina.