PUB

Macho de tartaranhão-caçador. Foto: Filippo Guidantoni/Palombar

Tartaranhão-caçador: proteger ninhos e ovos trouxe mais 34 crias voadoras a Trás-os-Montes

11.04.2025

Ações de conservação no distrito de Bragança foram essenciais para mais de metade dos juvenis da espécie que sobreviveram até serem autónomos, em 2024. A Wilder falou com a equipa da Palombar e conta-lhe o que aconteceu.

Graças à proteção de ninhos e ao resgate de ovos e crias no distrito de Bragança, sobreviveram 34 tartaranhões-caçadores (Circus pygargus) nascidos em 2024, indica um novo relatório da ONG Palombar, a que a Wilder teve acesso. Incluindo as 19 crias que resistiram na natureza e sem qualquer ajuda, no ano passado houve 53 novas crias voadoras nesta parte de Trás-os-Montes, que abarca os concelhos de Bragança e Miranda do Douro, entre outros.

Feitas as contas, as medidas aplicadas em 2024 contribuíram para a sobrevivência de quase duas crias voadoras de tartaranhão-caçador por cada ninho – uma taxa de produtividade anual de 1,96 para esta ave migradora, que se reproduz em Portugal. Estes dados constam de um relatório com a avaliação do último ano do projeto “Searas com Biodiversidade: Salvemos a águia-caçadeira”, iniciado em maio de 2022 e substituído em setembro passado pelo LIFE SOS Pygargus, que é mais abrangente mas continua a incluir ações como estas.

Macho de tartaranhão-caçador (Circus pygargus), em voo. Foto: Filippo Guidantoni

De facto, 2024 foi “um ano bom” para as ações de apoio a esta ave de rapina (também conhecida por águia-caçadeira), considera a equipa da Palombar, que tem coordenado estes projetos. Se aquelas não tivessem sido realizadas, estima-se que a taxa de produtividade anual ter-se-ia reduzido a 0,70 – ou seja, menos de uma cria voadora por cada ninho, bastante abaixo do desejável.

É no Norte que se concentra entre 55 a 60% da população portuguesa desta espécie considerada Em Perigo de extinção pela Lista Vermelha das Aves Nidificantes de Portugal Continental (2022). Nesta região, o tartaranhão-caçador aparenta estar ainda pior do que a nível nacional: o censo nacional da espécie (2022 e 2023) contou aqui entre 66 a 118 casais reprodutores – uma “redução drástica” de 76 a 80% no espaço de 10 anos – enquanto que a área de distribuição caiu para quase metade face à situação em 2015-2021.

“Intervimos unicamente em ninhos que vão ser destruídos”

Entre as maiores ameaças a estas aves estão as alterações climáticas e os predadores – como raposas, milhafres e aves de rapina maiores – mas também as mudanças nas tradições agrícolas. Os ninhos, construídos no meio das searas para ficarem mais escondidos, acabam muitas vezes destruídos durante a fase da colheita, antes de as crias nascerem ou começarem a voar. Para evitar que isso aconteça, e com a concordância dos donos dos terrenos, o projeto colocou no ano passado vedações em volta de sete ninhos de alto risco – quatro dos quais ainda com ovos e outros três já com crias nascidas.

“Intervimos unicamente em ninhos que vão ser destruídos. Maioritariamente, são ninhos colocados em campos cultivados para produção de forragens (feno para alimentar o gado, por exemplo) e cortados ainda em verde, quando os ninhos têm geralmente ainda ovos ou crias muito pequenas”, explicaram Filippo Guidantoni e Luís Ribeiro, da Palombar. “Também temos de intervir quando os ninhos estão localizados em searas para grão – normalmente cortadas mais tarde – cuja ceifa esteja prevista antes da data de voo das crias.”

Ninho de tartaranhão-caçador (Circus pygargus) protegido por uma vedação. Foto: Filippo Guidantoni/Palombar

Ainda assim, por vezes há contratempos: dois dos ninhos protegidos foram abandonados pelos progenitores durante a ceifa, tornando necessário resgatar os ovos. Dos outros cinco ninhos também vedados, resultaram 14 crias voadoras – também ajudadas por pequenas caixas de madeira, que lhes serviram de abrigo e as protegeram dos ‘picos’ de calor.

Já o resgate de ovos e de crias faz-se apenas quando não há alternativa. “Idealmente, tentamos manter o maior número possível de ninhos no terreno e resgatar apenas como última opção. Regra geral, se houver crias, vedamos; se houver ovos, a decisão sobre resgatar ou vedar depende de vários fatores, como por exemplo o estado de incubação (quantos dias de incubação no momento da ceifa?), a atitude e disponibilidade do agricultor, a reação dos progenitores à instalação da vedação e à perturbação causada pela ceifa”, descreveram os dois responsáveis, numa entrevista por escrito.

Cria resgatada de tartaranhão-caçador (Circus pygargus). Foto: Filippo Guidantoni/Palombar

Destas ações de resgate, que em 2024 abrangeram sete ninhos diferentes – “todos situados em parcelas agrícolas de ceifa iminente ou abandonados plos progenitores durante a ceifa” – resultaram 20 juvenis voadores, libertados depois de passarem algum tempo numa jaula de aclimatação (‘hacking’).

Medidas no terreno entre maio e junho

Por estes dias, faltam poucas semanas para que as medidas de proteção de ninhos e crias regressem ao terreno, antes que comecem as colheitas. “Geralmente, aqui em Trás-os-Montes, nos campos cortados em verde [para produção de forragens], a colheita costuma ocorrer entre meados de maio e as primeiras semanas de junho. No caso das searas para grão, costuma ser cerca de um mês mais tarde (embora aqui sejam poucas as parcelas destinadas a produção de grão)”, explicaram Filippo Guidantoni e Luís Ribeiro. Já as crias criadas em cativeiro costumam ser libertadas na natureza com cerca de 50 a 55 dias, “o que geralmente acontece no final de julho”.

Nos próximos anos, pelo menos até 2030, as medidas de apoio ao nascimento de tartaranhões-caçadores vão continuar no âmbito do novo LIFE SOS Pygargus, tanto em Trás-os-Montes como noutras regiões do país e também de Espanha. Coordenado pela Palombar, inclui outros 17 parceiros portugueses e espanhóis.

“A extinção do tartaranhão-caçador — ou de qualquer outra espécie — representa uma perda irreparável de biodiversidade e património genético. É um empobrecimento do nosso património natural e um grande desequilíbrio nos ecossistemas”, avisam os dois técnicos. “Esta espécie, em particular, desempenha um papel ecológico fundamental no controlo natural de pragas agrícolas, pelo que a sua perda significaria também a perda desses serviços que nos são gratuitamente prestados.”


Saiba mais.

Leia mais sobre o resgate e criação de tartaranhões-caçadores em cativeiro, aqui. E fique também a saber o que se passa com a busca de colheitas mais amigas desta ave de rapina.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

Don't Miss