Até 2029, Portugal faz parte de um novo projecto europeu que quer proteger a felosa-aquática. Esta ave ameaçada, com 10 gramas de peso, nidifica apenas em cinco países, todos na Europa. Portugal é um importante stop-over nas suas migrações outonais.
O projeto LIFE AWOM (Aquatic Warblers on the Move), lançado publicamente este mês, está no terreno de Janeiro de 2025 a Dezembro de 2029 e junta Portugal, Espanha, França, Bélgica e Senegal.
O objectivo é simples: garantir que a felosa-aquática (Acrocephalus paludicola) tem áreas de pouso suficientes nas suas migrações outonais da Europa em direcção a África. Esta pequena ave precisa mesmo de descansar e de se alimentar durante uma viagem com milhares de quilómetros.
A felosa-aquática é a mais rara ave canora migradora da Europa e a única ave passeriforme globalmente ameaçada da Europa Continental. Segundo a Birdlife International existem em todo o mundo apenas entre 18,000 e 29,000 indivíduos maduros e 50 núcleos reprodutores em apenas cinco países: Rússia, Bielorrússia, Ucrânia, Polónia e Lituânia; as suas populações reprodutoras na Alemanha e Hungria já se terão extinguido localmente.
Apesar de quase 30 anos de esforços de conservação em países como a Polónia, Lituânia, Bielorrússia e Alemanha, a população mundial da espécie continua em declínio.
A Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) classificou-a como Vulnerável, principalmente, por estar a perder habitat que precisa para se reproduzir. Em Portugal tem estatuto de Em Perigo.
Em Portugal, o projeto conta com a participação da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e do CESAM/Universidade de Aveiro, que se juntam a parceiros de quatro países e dois continentes para garantir a sobrevivência desta espécie ao longo da sua rota migratória.
Portugal tem zonas húmidas costeiras de água doce onde a felosa-aquática pára para descansar e recuperar energia para conseguir chegar até à África sub-saariana, nomeadamente ao Senegal, Mauritânia e Mali.
Julieta Costa, coordenadora do Departamento de Conservação da SPEA, explicou à Wilder que a felosa-aquática nunca se terá reproduzido em Portugal. “É apenas uma migradora de passagem, concretamente nas migrações de Outono”.
Segundo os dados mais recentes sobre a espécie, apresentados em 2024, Portugal teve o registo de pouco mais de 200 felosas-aquáticas, 124 indivíduos na Ria de Aveiro, 58 na Lagoa de Santo André e em mais 16 sítios, cada um com um a dois registos.
A partir de 2019, a felosa-aquática deixou de ser considerada uma raridade e as suas observações deixaram de precisar de ser homologadas pelo Comité de Raridades.
Estas aves migradoras de passagem costumam ser observadas em Portugal desde o início de Agosto ao início de Outubro.
A felosa-aquática faz, todos os anos, uma migração de milhares de quilómetros entre a Europa Central e Oriental e a África Subsariana. “Ao longo deste trajeto, a espécie depende de zonas húmidas saudáveis para repousar e alimentar-se, ecossistemas que enfrentam crescentes ameaças devido à drenagem, poluição e alterações climáticas”, explica a SPEA em comunicado.
“A SPEA orgulha-se de integrar este esforço conjunto, que permitirá restaurar habitats vitais em Portugal e reforçar o nosso papel na conservação de aves migradoras globalmente ameaçadas”, disse Julieta Costa.
Em Portugal estão previstas intervenções na Ria de Aveiro, que tem o maior número de registos desta espécie, na Lagoa de Santo André e na Lagoa Pequena que, ainda não tendo registos, tem “um alto potencial para ser, no futuro, uma zona de paragem” para esta felosa, explicou a responsável.
Segundo Julieta Costa, serão sobretudo acções de gestão da água naquelas zonas húmidas, por exemplo, para garantir que haja zonas que continuem alagadas no verão, instalando pequenas barreiras para a água não drenar totalmente ou direcionando pequenas linhas de água.
O projeto vai ainda reforçar a monitorização desta espécie – quer através da anilhagem, quer através da observação direta – e elaborar um plano de acção nacional dedicado. “A felosa-aquática já tem um plano de acção europeu, que vai ser revisto”, contou Julieta Costa. O Plano de Acção Europeu para a felosa-aquática foi publicado inicialmente em 1996 e já foi actualizado em 1998, 2003, 2008 e em 2015.
“Mas há países que ainda não têm os seus planos nacionais, como Portugal e Espanha. Vamos colaborar com as autoridades nacionais para conseguimos ter um plano de acção nacional no final deste projeto”, acrescentou.
Até porque, sublinhou, a felosa-aquática é uma daquelas “espécies-chapéu que traz visibilidade e mostra o quão importantes são as zonas húmidas costeiras de água doce para todas as espécies migradoras que passam por lá. Não estamos a tratar só de uma espécie”.
José Alves, investigador do CESAM, tem a mesma opinião. “Este projeto é também uma oportunidade para chamar a atenção para a conservação das aves migradoras, que deve ser feita de forma coordenada pelos vários países a que chamam ‘casa’. Só assim é possível salvaguardar espécies que, no seu ciclo anual, dependem de locais e habitats que distam milhares de quilómetros”, disse em comunicado.
Além do restauro ecológico de habitats e da monitorização, o projeto contempla ainda ações de formação técnica e integração com políticas públicas como a Política Agrícola Comum, promovendo soluções sustentáveis a longo prazo.
Julieta Costa considerou que esta é uma oportunidade única para conservar esta espécie, até porque começou em Setembro ou Outubro de 2024 um outro projeto dirigido à felosa-aquática, o LIFE4 Aquatic Warbler (2024-2033), reunindo a Lituânia, Polónia e Alemanha. O seu objectivo é preservar as áreas de nidificação. Haverá sinergias entre os dois projetos.
Com co-financiamento do programa LIFE da União Europeia, o projeto LIFE AWOM junta entidades de Portugal, Espanha, França, Bélgica e Senegal para identificar e restaurar 20 zonas húmidas prioritárias ao longo da rota migratória da felosa-aquática. A maioria destas zonas está integrada na Rede Natura 2000.
O arranque oficial do projeto teve lugar em Madrid, nos dias 21 e 22 de maio, com a Conferência Internacional Pública, no Auditório da MITECO, Madrid (Ministério para la Transición Ecológica y Reto Demográfico) coincidindo com os Dias da Rede Natura 2000 e da Biodiversidade.