Outros 30 tartaranhões-caçadores serão marcados na região espanhola da Extremadura, no âmbito do projeto LIFE SOS Pygargus. A Wilder falou com Carlos Pacheco, do centro de investigação CIBIO-InBIO, sobre o que está a ser feito.
Junho e julho vão ser meses de muito trabalho para a equipa que está a estudar os hábitos e comportamentos do tartaranhão-caçador (Circus pygargus), também chamado de águia-caçadeira, no âmbito do LIFE SOS Pygargus. Este projeto luso-espanhol, coordenado pela ONG portuguesa Palombar e co-financiado por fundos comunitários, quer travar o declínio das populações desta ave migradora em Portugal e na região espanhola da Extremadura, até 2030.
Em território nacional, o tartaranhão-caçador está classificado como Em Perigo de extinção. Os dados do último censo (2022/2023) indicam que a espécie sofreu um declínio de quase 80% em 20 anos. Restam hoje apenas entre 119 e 207 casais.
Em Maio já foram colocados emissores GPS nalguns adultos, mas tanto em junho como julho será realizada a maioria deste trabalho, que vai permitir seguir as aves ao longe e aumentar o conhecimento sobre a espécie, para ajudar com as medidas de conservação, explicou à Wilder Carlos Pacheco, investigador do CIBIO InBIO (Universidade do Porto), que coordena os trabalhos de marcação em Portugal. Aqui, está prevista a marcação de 30 tartaranhões-caçadores, dos quais metade adultos e os restantes crias – estas últimas quando estiverem à beira de ficar autónomas, com quase um mês de idade.
“Cerca de metade dos juvenis a marcar serão os que estão no ‘hacking’, quer tenham sido recolhidos como ovos quer como crias, e a outra metade serão nascidos na natureza”, adiantou Carlos Pacheco. O ‘hacking’ é um espaço de aclimatação ao meio natural. É aí que os tartaranhões-caçadores que foram resgatados do ninho e criados em cativeiro porque corriam perigo de vida – por exemplo em situações de ondas de calor, quando a sobrevivência era muito pouco provável – passam algum tempo antes de serem libertados na natureza.
“Queremos comparar os dois grupos, as aves que são criadas na natureza e as que são criadas no ‘hacking’ [ou seja, em cativeiro], para validarmos esta última técnica”, afirmou o investigador. Com a ajuda dos emissores, a equipa vai avaliar os dois grupos no que respeita por exemplo à performance de voo, mas também os locais onde caçam e se alimentam e para onde dispersam antes de migrarem para África, dentro de poucos meses.
Embora em anos anteriores já tenham sido marcadas algumas aves da espécie, a equipa espera agora avançar bastante com o conhecimento sobre estas aves e as ameaças que enfrentam. Embora o LIFE SOS Pygargus se prolongue até 2030, o grosso deste trabalho de marcações vai realizar-se em 2025 e 2026. No próximo ano, está prevista a marcação de outros 60 tartaranhões, igualmente divididos entre Portugal e a Extremadura.
Como num telemóvel
Cada um dos pequenos emissores usados pelo projeto pesa apenas cerca de seis gramas, menos do que 3% do peso de um macho – eles são mais pequenos do que as fêmeas – e está previsto que dure cerca de dois a três anos. “Uma ave passa horas e horas por dia a voar. Precisamos de encontrar um equilíbrio entre a segurança destas aves, o benefício da duração dos aparelhos e a quantidade de dados que vamos conseguir”, nota Carlos Pacheco.
Além da geolocalização, vai ser obtida outra informação importante, através de um chip normalmente associado aos ecrãs dos telemóveis. Conhecida como acelerómetro, esta ferramenta vai fornecer aos cientistas dados que lhes permitem calcular a posição e a oscilação do corpo de cada um dos tartaranhões seguidos, de forma a depreenderem o que essa ave está a fazer. Esses dados, tal como as coordenadas do local onde esta se encontra, ficarão registados de meia em meia hora.
“Conseguimos perceber que uma fêmea está a incubar ovos quando a informação captada pelo acelerómetro nos indica que a ave está numa posição muito horizontal. Ou quando estão a caçar, os tartaranhões fazem um voo mais baixo, com movimentos característicos”, exemplifica o cientista do CIBIO. “Analisando estas pequenas diferenças de posição e comparando com o que já sabemos, conseguimos ter uma ideia da atividade das aves ao longo do dia. Isto permite extrair imensa informação acerca dos adultos.”
Saber quais são as áreas de caça é outro alvo do projeto, o que vai permitir ir ao terreno e avaliar a disponibilidade de alimento. Os tartaranhões-caçadores comem principalmente gafanhotos e outros insetos, mas também pequenos roedores e passeriformes.
Quanto às crias de tartaranhão, outro objetivo é perceber quantas sobrevivem depois de deixarem os ninhos ou de serem libertadas na natureza, para que áreas voam a seguir e – tal como nos adultos – se aí haverá alimentos suficientes. “Ao fim de uma a duas semanas após saírem do ninho, os juvenis dão início a movimentos dispersivos, ainda numa fase pré-migratória. As áreas para onde dispersam são importantes para a sobrevivência da espécie, pois permitem que estas aves acumulem combustível para a migração”, descreve o investigador. “Queremos saber o que é que torna essas áreas interessantes para os juvenis.”
Depois de concluídas todas as marcações, no final de julho, a equipa do CIBIO terá cerca de um mês para acompanhar as aves adultas em território nacional – os primeiros começam a partir para África logo no final de Agosto – e cerca de dois meses para estudar os juvenis, que iniciam a migração nos últimos dias de setembro.
Será então altura para estudar são as áreas de invernada da espécie, no continente africano, e o trajeto que os tartaranhões-caçadores percorrem para ali chegar antes de regressarem a Portugal, em meados de abril do próximo ano.
O LIFE SOS Pygargus conta com 17 parceiros, dos quais 13 são entidades portuguesas e quatro são espanholas.