PUB

Portugal escondido: Inês e Teresa acompanham as novas crias de Castro Verde

25.07.2025

Nas planícies de Castro Verde erguem-se montes de taipa abandonados. São cruciais para, pelo menos, oito espécies de aves que ali fazem os seus ninhos. Inês e Teresa Catry enfrentam o calor do início do verão no interior do Alentejo para acompanhar as pequenas crias.

Inês Catry encosta o escadote à parede de taipa de um monte ao abandono e sobe até encontrar uma pequena cavidade. Muitas das paredes já caíram com o vento e a passagem do tempo. A um canto ainda se percebe o que em tempos foi uma lareira. 

Inês e Teresa Catry em trabalho de monitorização de rolieiros em Castro Verde. Foto: Wilder

O sol vai quase a pique neste final de manhã de Junho nas planícies a perder de vista de Castro Verde.

A investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, põe o braço dentro de uma pequena cavidade. Com cuidado experiente retira duas crias de rolieiro (Coracias garrulus), espécie Criticamente Em Perigo em Portugal. Já não deve faltar muito para começarem a voar e já são visíveis as suas características penas azuladas.

Inês Catry em trabalho de monitorização de crias de rolieiro em Castro Verde. Foto: Wilder

Quando chega cá abaixo com as duas crias na mão inclina-as para a frente e depois para trás. Da boca das pequenas aves sai um líquido amarelo e da parte de trás, um líquido branco. Não estão a gostar da experiência e o vómito e as fezes são uma excelente maneira de o mostrar e de afastar possíveis predadores. Mas não impressiona Teresa e Inês que já estão à espera.

Depois, Inês coloca as aves num balde preto forrado a jornais e torna a subir o escadote porque no ninho de rolieiro ainda ficaram mais três crias. Normalmente, os rolieiros fazem posturas de cinco ou seis crias.

Cá em baixo, Teresa, professora de Ecologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, prepara a balança, as anilhas e as folhas para fazer os registos.

Esta acção é repetida inúmeras vezes durante a temporada reprodutora em Castro Verde.

Trabalho de monitorização de crias de rolieiro em Castro Verde. Foto: Wilder

“Nesta altura, há crias que estão quase voadoras e outras que já começaram a voar”, explica Inês Catry enquanto põe uma anilha metálica do Centro de Estudos de Migrações e Proteção de Aves (CEMPA) na pata do pequeno rolieiro, ajeitando-a com um alicate de cabo vermelho. “Nesta altura, 50% das gralhas e dos francelhos já estão em voo; os rolieiros começam a voar um pouco mais tarde.”

São várias as espécies que criam na mesma altura, talvez fazendo coincidir a época das crias com o pico nas densidades de uma das suas presas preferidas, os gafanhotos.

Castro Verde é o último bastião e refúgio para o rolieiro e para o francelho em Portugal. Esta região alentejana alberga mais de 95% da população de rolieiro e 90% de francelho. “Aqui conseguiu-se manter o habitat, mantendo o cultivo extensivo de cereais, sem pesticidas, com rotação (e pousio), com restolhos”, explica a investigadora.

Trabalho de monitorização de rolieiros em Castro Verde. Foto: Wilder

Ainda assim, há falta de locais para estas aves nidificarem. Isto porque só criam em cavidades já existentes. Inês Catry nota que cada vez restam menos montes em Castro Verde; vários já ruíram, principalmente durante o mau tempo.

Por isso, no âmbito do Projecto Rolieiro e de outros projectos de conservação tem-se apostado na instalação de caixas-ninho, na recuperação de algumas paredes e na construção de oito paredes com cavidades para as aves criarem.

Nesta parede de taipa junto à qual nos encontramos, há cavidades que passam completamente desapercebidas mas que albergam muita vida. 

Depois de anilhar, pesar e medir os pequenos rolieiros, Inês Catry empurra o escadote mais para a esquerda e volta a subir. Desta vez leva pequenos sacos de pano azuis. E desta vez não traz rolieiros, mas sim francelhos (Falco naumanni), espécie Em Perigo de extinção.

A par dos rolieiros, os francelhos também são migradores. Dentro de algumas semanas, estas crias vão empreender as suas viagens até África, onde passarão o inverno, mas antes disso passam algum tempo em explorações. “Quando começam a voar, as crias dispersam pela região, em movimentos de prospecção que podem ser bastante grandes. Os juvenis muitas vezes vão até ao norte de Espanha ou sul de França, em busca de mais alimento”, explica Inês Catry.

Já os rolieiros “partem em Agosto para África, mas demoram muito a chegar lá. Em Dezembro, chegam aos locais de invernada.” 

Cria de francelho em Castro Verde. Foto: Wilder

Este ano, Inês e Teresa Catry já anilharam cerca de 80 crias de rolieiro e entre 100 e 150 crias de francelho.

Mas naquelas paredes há outras crias. As investigadoras mostram crias de coruja-das-torres (Tyto alba) e de mocho-galego (Athene noctua), já muito perto de começarem a voar. E a lista continua com estorninhos-pretos (Stunus unicolor), gralhas-de-nuca-cinzenta (Coloeus monedula) e até pombos domésticos (Columba livia).

Inês Catry segura uma cria de coruja-das-torres. Foto: Wilder

Todas elas têm de conseguir adaptar-se às elevadas temperaturas. “As paredes de taipa são frescas, são boas termicamente”, diz a investigadora.

As caixas ninho podem ser mais quentes. As primeiras colocadas no âmbito de projetos de conservação eram de madeira. “Mas chegámos à conclusão que eram muito quentes, chegando a atingir temperaturas de 55ºC”, acrescenta.

Por isso, recentemente começaram a ser instaladas caixas-ninho de cortiça, pintadas com cal branca.

Trabalho de monitorização de rolieiros em Castro Verde. Foto: Wilder

“As crias crescem mais devagar quando há muito calor, porque são obrigadas a gastar energia e a perder água, através da transpiração, para manterem a temperatura corporal.”

Por vezes, quando há demasiado calor, há crias que se atiram dos ninhos, ficando expostas e vulneráveis a predadores, como as raposas. Ou há outras que decidem começar a voar cedo demais. “Já tivemos de ir a correr atrás de crias que encontrámos no chão e levá-las de volta aos ninhos. Temos de as ajudar”, diz Teresa Catry.


Saiba mais.

Leia mais aqui sobre as ações de conservação e a investigação realizada no âmbito do Projecto Rolieiro.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

Don't Miss