Investigadores que há mais de 20 anos monitorizam a espécie nesta ilha da região da Madeira ficaram surpreendidos pelo crescimento dos números, face às muitas ameaças que afetam estas e outras aves marinhas que passam a maior parte da vida em alto mar.
Um estudo publicado em janeiro pela revista científica Bird Conservation International conclui que, apesar das ameaças que pesam sobre as cagarras, a população tem continuado a crescer naquela que é conhecida como a maior colónia da espécie em todo o mundo, na Selvagem Grande. Estima-se que nesta ilha portuguesa, situada a 300 quilómetros da Madeira e a 160 quilómetros das ilhas espanholas Canárias, nidificam atualmente cerca de 38.830 casais.
As cagarras (Colonectris borealis) passam a maior parte da vida no alto mar e vêm a terra apenas para se reproduzirem, sendo conhecidas como grandes migradoras. São uma das aves marinhas mais comuns no Atlântico Norte, incluindo em águas portuguesas. “Quando nos afastamos da costa continental nacional, são uma das aves mais frequentemente encontradas. São também, atualmente, uma das aves marinhas mais estudadas, mas curiosamente o conhecimento sobre o tamanho e evolução das suas populações é muito imperfeito”, indicou à Wilder o primeiro autor do estudo agora publicado, Paulo Catry, investigador no MARE – Centro de Ciências Marinhas e Ambientais e no Ispa – Instituto Universitário.
A equipa de 12 investigadores analisou os resultados das contagens feitas entre 2009 e 2023 na ilha da Selvagem Grande. Interrompida apenas em 2020 devido à epidemia de Covid, esta monitorização concluiu que a maior colónia mundial da espécie tem vindo a crescer a uma média anual de 1,45 por cento.
Este é um aumento surpreendente, uma vez que as cagarras estão sujeitas a muitas ameaças e muitas outras aves marinhas pelágicas de grande ou médio porte atravessam hoje um decréscimo populacional. “Entre as ameaças a assinalar destacam-se a captura acidental em artes de pesca, a colisão com fontes de poluição luminosa, os predadores introduzidos em ilhas, a poluição marinha (nomeadamente por plásticos) e a diminuição da produtividade dos oceanos ligada às alterações climáticas”, detalhou Paulo Catry.
De acordo com o investigador, este crescimento mostra que os esforços de conservação das Selvagens estão a ter bons resultados, incluindo a proteção integral das ilhas e a sua gestão pelo Instituto das Florestas e da Conservação da Natureza da Madeira. Além da Selvagem Grande, fazem parte deste pequeno subarquipélago madeirense a Selvagem Pequena e o Ilhéu de Fora.
Em recuperação, depois dos massacres dos anos 1970
Não é a primeira vez que um estudo científico revela o crescimento do número de cagarras na Selvagem Grande. Em 2006, um estudo liderado por José Pedro Granadeiro estimou que entre 1980 e 2005 a população local desta ave marinha estava a aumentar em média 4,6% por ano. Este investigador do CE3C – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, ligado à Faculdade de Ciências de Universidade de Lisboa (FCUL), é um dos coordenadores do novo estudo agora publicado.
Nesses anos, indicam os cientistas, a espécie estaria a recuperar dos massacres de 1975 e 1976. Apesar de classificada como uma Reserva Natural em 1971, a Selvagem Grande não era vigiada, o que permitiu que pescadores portugueses e espanhóis capturassem nesses dois anos muitos milhares de adultos e crias de cagarra. Dessa vez, provocaram um tal colapso populacional que o número de crias encontradas na ilha foi de apenas 64, em setembro de 1976. Desde então, as Selvagens passaram a ter vigilantes em permanência, permanecendo sob um regime de proteção estrita.
Para a evolução positiva dos números da espécie contribuiu igualmente a erradicação de murganhos e de coelhos da Selvagem Grande, duas espécies invasoras nesta ilha, conseguida em 2002. Isso permitiu, por exemplo, a expansão de arbustos sob os quais estas aves marinhas por vezes nidificam. “Os nossos resultados sugerem que as cagarras tiraram vantagens deste habitat em expansão”, escrevem os investigadores no artigo agora publicado. Ressalvam, no entanto, que o crescimento populacional também se verifica noutros habitats da ilha onde não há arbustos, pelo que este não será o único fator em jogo.
Uma monitorização difícil
Os novos resultados agora conhecidos são também importantes porque o conhecimento sobre as populações de cagarra e de outras aves marinhas do mesmo grupo é “muito imperfeito”, notou Paulo Catry. Em causa está a dificuldade que os cientistas têm na monitorização dos ninhos nos diferentes locais onde as cagarras se reproduzem, muitas vezes situados em escarpas de difícil acesso. É o que acontece por exemplo nos Açores e nas Canárias.
Em contrapartida, a costa ibérica e as ilhas Desertas (arquipélago da Madeira) são dois locais onde tem sido possível aos investigadores obter algum conhecimento. No primeiro caso, em que foram feitos já estudos na ilha da Berlenga Grande (ao largo de Peniche) e na costa da Galiza, “os números de cagarras nidificantes estão a aumentar e a população expandiu-se para novos locais de nidificação nas décadas mais recentes”, lembra o artigo publicado. Quanto às ilhas Desertas, observações não sistemáticas “sugerem um rápido aumento da população nas últimas duas décadas.”
Além do MARE, do Ispa e do CE3C, colaboraram neste estudo investigadores do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza da Madeira, do CESAM – Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (FCUL), da Woods Hole Oceanographic Institution e do Royal Netherlands Institute for Sea Research.