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Aves marinhas passam quase 40% do seu tempo no alto-mar

03.03.2021

Estudo mundial, que reuniu 70 investigadores de 16 países, seguiu 39 espécies de aves marinhas e descobriu que albatrozes, cagarras e pardelas passam 39% do seu tempo em alto-mar.

As aves marinhas são aves de superlativos. Estão entre os maiores migradores do planeta. Algumas têm das maiores envergaduras de asas do mundo alado. A sua resiliência e duração de vida impressiona, chegando determinados indivíduos a viver 70 anos.

E são o grupo de aves mais ameaçado do mundo. Mais de metade estão em risco de desaparecer.

Albatroz das Galápagos ilustrando a impressionante envergadura de asas que é característica destes animais. Foto: Mike’s Birds/WikiCommons

Durante dois anos e meio, Martin Beal, 30 anos e investigador sueco-americano ligado ao MARE – Marine and Environmental Sciences Centre, ISPA – Instituto Universitário e o autor principal deste estudo, – esteve a analisar as migrações das aves marinhas pelos oceanos do mundo.

“A nossa ideia foi descrever como as aves marinhas são dependentes de vários países e mostrar como são os movimentos dos próprios animais que tornam o nosso mundo humano mais conectado”, explica o investigador à Wilder.

Este esteve longe de ser um trabalho solitário de Martin Beal. Se as aves oceânicas não conhecem fronteiras, e atravessam os oceanos como se fossem a sua casa inteira, os investigadores esqueceram as suas. 

Este estudo foi “uma colaboração da comunidade mundial de investigadores de aves marinhas”, acrescenta Martin Beal. Mais de 70 investigadores de 16 países recolheram dados de seguimento e disponibilizaram-nos através de uma plataforma gerida pela BirdLife International (a Seabird Tracking Database). Esta base de dados existe para facilitar a colaboração entre cientistas e agentes envolvidos na conservação das aves marinhas de todo mundo.

Cagarra. Foto: Benjamin Metzger

“Seria difícil quantificar quantas expedições foram feitas para recolher estes dados todos, mas no total devem ter sido centenas.”

Os dados foram colhidos em 87 ilhas com colónias de aves marinhas dos três grandes oceanos, desde as ilhas Selvagens no arquipélago da Madeira, até várias ilhas subantárticas e às famosas ilhas Galápagos no Oceano Pacífico.

Os investigadores monitorizaram os movimentos de 5.775 aves marinhas de 39 espécies, recorrendo a aparelhos eletrónicos miniaturizados.

Em relação a Portugal, este estudo analisou dados de seguimento de cagarras (cagarro nos Açores), dos Açores, Berlengas e das Ilhas Selvagens (Madeira).

O resultado deste trabalho, coordenado pela universidade portuguesa, foi agora publicado na revista Science Advances.

Hoje sabemos que as aves oceânicas – como os albatrozes, as cagarras e as pardelas – passam 39% do seu tempo em águas internacionais.

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Pardela-de-barrete (Ardenna gravis). Foto: J.J. Harrison / Wiki Commons

As cagarras portuguesas – que nidificam nos Açores, na Madeira e nas Berlengas, por exemplo – passam 48% do seu tempo em águas internacionais e 12% do seu tempo em águas de países como o Brasil, o Uruguai, a Namíbia e a África do Sul, onde se alimentam de peixes e lulas, e são vulneráveis à captura acidental em aparelhos de anzol.

“Todas as espécies atravessam regularmente fronteiras que delimitam águas marinhas de diferentes países, o que significa que nenhuma nação pode, só por si, garantir a conservação destas aves ao longo de todo o ciclo anual”, escrevem os autores do artigo.

Por outro lado, passam muito tempo em águas internacionais. O alto-mar cobre metade da superfície do oceano global e um terço do globo terrestre e não está sob a jurisdição de nenhum país.

Um mar de perigos

“As aves marinhas são os maiores de todos os viajantes” diz Martin Beal.

Estes animais “utilizam o vento de uma forma que conseguem voar com poucos gastos de energia. Com esta capacidade, as aves marinhas evoluiram para viver uma vida de viajante sem comparação no reino animal. Um adulto albatroz pode viver até 70 anos e neste tempo viajou uma distância correspondente a cinco viagens à Lua!” 

Martin Beal em trabalho de campo. Foto: D.R.

Mas, acrescenta Martin Beal, “este tipo de vida espetacular torna-as vulneráveis a ameaças em regiões onde a proteção legal é inadequada”. 

Hoje, mais de metade dos albatrozes e espécies afins de grande porte estão em risco de extinção, o que faz deles o grupo de aves globalmente mais ameaçado. Entre as principais ameaças contam-se as capturas acidentais em artes de pesca, a escassez de alimento devida à sobrepesca, as alterações climáticas e a poluição.

Martin Beal considera este estudo “de alta importância porque é o primeiro que quantifica precisamente quão importante são as ligações entre países para a conservação destes animais, que são consideradas das aves mais ameaçadas do mundo”.

Além disso “também mostramos quão dependentes estes bichos são do alto-mar, que quer dizer águas internacionais onde nenhum país tem jurisdição”.

Segundo Maria Dias, da BirdLife International, “as interações com as pescarias são particularmente negativas e prevalecentes nas águas internacionais, onde existe pouca regulamentação e pouca fiscalização da implementação de boas práticas. Acresce que, para além das pescas, não existe um enquadramento jurídico global que suporte a conservação da biodiversidade no alto-mar”. 

Pardela-balear. Foto: Marcabrera/Wiki Commons

Este estudo é publicado num momento em que nas Nações Unidas se discute um tratado global que garanta a conservação e o uso sustentável da biodiversidade em águas internacionais.

“O nosso estudo demonstra inequivocamente que os albatrozes, as cagarras e as pardelas necessitam de uma proteção efetiva que vá além dos limites territoriais de um único país” comenta Paulo Catry, do ISPA – Instituto Universitário.

“Este tratado representa uma grande oportunidade de os países se comprometerem na proteção de espécies migradoras, qualquer que seja a área de alto-mar até onde elas se aventurem”.

As medidas legais em ponderação no quadro da discussão deste tratado – como as avaliações de impacto das atividades industriais no alto-mar – podem ajudar a mitigar as pressões negativas sobre as espécies que frequentam as águas internacionais.

Os autores deste estudo acreditam que o “que foi documentado para as aves marinhas se aplica, certamente, a muitos outros migradores oceânicos, como as tartarugas-marinhas, as baleias, os golfinhos e peixes como os atuns e os tubarões”.

“A sobrevivência destes animais carismáticos está dependente de uma cooperação internacional que cuide da conservação dos oceanos globais.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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