Todos os anos uma equipa de investigadores regressa a esta ilha portuguesa para estudar a evolução da população local de cagarras, que constitui a maior colónia mundial conhecida da espécie. Paulo Catry, investigador do MARE e do Ispa, descreveu à Wilder como se realiza este trabalho.
É em meados de junho, quando já aconteceu a postura dos ovos das cagarras, que todos os anos dois ou três investigadores dedicam um par de dias da sua estadia de três semanas na Selvagem Grande à monitorização do número de ninhos de cagarras. Esta pequena ilha de 245 hectares está sujeita a um regime de proteção estrita desde a década de 1970. Aqui, só reside em permanência um grupo de vigilantes do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza da Madeira (IFCN – Madeira) e de agentes da Autoridade Marítima Nacional.
Realizado desde 2009 de forma sistemática, este trabalho resultou agora num novo artigo científico sobre o crescimento da população de cagarras na Selvagem Grande. A maior ilha do subarquipélago madeirense das Selvagens, situada a 300 quilómetros da ilha da Madeira e a 160 quilómetros das Canárias, alberga a maior colónia mundial destas aves pelágicas que passam a maior parte da vida em alto mar, só vindo a terra para nidificar.
Ao longo do tempo em que têm autorização para permanecer em terra, os cientistas ocupam o tempo nas contagens. Muitas das aves estão “espalhadas um pouco por toda a ilha em terrenos relativamente escarpados que rodeiam todo o planalto central”, indica Paulo Catry, investigador do MARE e do Ispa – Instituto Universitário e um dos coordenadores do estudo agora publicado. Ainda assim, os ninhos encontram-se acessíveis “desde que se tomem os devidos cuidados” – ao contrário do que sucede por exemplo nos Açores, onde existem também muitas cagarras (ali chamadas de cagarros) mas o conhecimento sobre as suas populações é “muito imperfeito.”
Na Selvagem Grande, estas aves nidificam em grutas, buracos e fendas nas rochas, e também em buracos nos muros de pedra que restam na ilha. Outras vezes, os ninhos ficam “escondidos sob grandes calhaus ou sob arbustos”, ou então são apenas “buracos escavados no solo”. “Por vezes estão em alta densidade, muito próximos uns dos outros, outras vezes estão mais espaçados ou até isolados”, acrescenta o investigador. Quanto aos ovos, fáceis de distinguir dos ovos de outras aves que se reproduzem na ilha, são “brancos e grandes, maiores do que os de uma galinha”.
Para as contagens anuais, que começaram a ser preparadas em 2008 a partir do conhecimento que já tinham da ilha, os cientistas dividiram a área abrangida pelo estudo em 60 pontos de monitorização, cada um identificado por um número bem visível, pintado a tinta numa rocha. Num raio de 10 metros em torno de cada um destes pontos a equipa visita todos os ninhos, observando as cagarras que estão a incubar. Registam-se também os ovos que foram abandonados ou estão partidos.
Desde 2004 que Paulo Catry e outros cientistas já se dedicavam ao estudo da demografia e da ecologia desta ave marinha nas Selvagens. Por esse motivo, afirma, o trabalho anual de monitorização dos ninhos foi “um passo natural a dar quando nos apercebemos de que as contagens globais de cagarras em toda a ilha, que era a forma anterior de monitorizar, não só eram excessivamente laboriosas como não apresentavam o rigor necessário para uma monitorização que detetasse pequenas variações nos números.”
Desde 2023, estes trabalhos passaram a estar incluídos num projeto de monitorização de longo termo da biodiversidade das Selvagens, coordenado pelo IFCN – Madeira em parceria com várias entidades, tendo como alvo diferentes espécies terrestres e marinhas. As contagens das cagarras mantêm-se nos mesmos moldes, sempre com uma periodicidade anual.
Saiba mais.
Numa crónica publicada em 2023, na qual Paulo Catry descreve o trabalho dos cientistas no subarquipélago madeirense das Selvagens. Leia aqui outros textos publicados na Wilder pelo investigador.