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As estratégias das plantas: polinização, a arte da atração aperfeiçoada até ao limite

09.01.2025

Carine Azevedo e a Wilder lançam uma nova série botânica para o ano de 2025, dedicada às extraordinárias estratégias das plantas, em Portugal e no mundo. É surpreendente o que as plantas conseguem fazer para atrair os animais de que dependem.

Não se engane. As plantas estão longe de serem estáticas e passivas, como podemos pensar à primeira vista. Para se conseguirem reproduzir e sobreviver são protagonistas de estratégias surpreendentes e sofisticadas. Um verdadeiro espetáculo natural. Tudo vale para atrair polinizadores, desde o apelo visual de cores vibrantes até ao uso de fragrâncias encantadoras e de recompensas. 

Estes sinais cuidadosamente orquestrados pelas plantas provocam uma resposta de abelhas, borboletas, morcegos, aves e até de insetos menos conhecidos, como os besouros, as vespas e as moscas-das-flores. É esta relação, que beneficia ambas as partes, que sustenta a biodiversidade dos ecossistemas e assegura uma parte significativa da produção dos nossos alimentos. 

A linguagem das cores e formas

As flores, estruturas reprodutivas das plantas, utilizam cores e padrões complexos para atrair os polinizadores certos até ao pólen e ao néctar. 

Os tons de azul e amarelo atraem abelhas e as cores mais quentes, especialmente o vermelho, as aves. Este apelo visual é mais do que uma questão de beleza, é uma estratégia.

Um exemplo notável é o rosmaninho (Lavandula stoechas). As flores desta espécie, com ricas reservas de néctar, têm um tom violeta vibrante que se destaca nos terrenos áridos, atraindo abelhas e borboletas. Esta planta aromática, comum no Mediterrâneo, não só alimenta os polinizadores em períodos mais secos, como também ilustra a resiliência das plantas em climas extremos. 

Já a esteva (Cistus ladanifer), com as suas grandes pétalas brancas e manchas centrais, atua como um ‘alvo’ visual para atrair os seus polinizadores. 

Mais intrigante ainda é a orquídea erva-abelha (Ophrys apifera), que recorre a uma tática engenhosa: imita a aparência de insetos fêmeas para atrair os machos, garantindo assim a transferência do pólen.

Erva-abelha. Foto: Holger Krisp/WikiCommons

Além das cores, as formas das flores também têm um papel fundamental na eficiência da polinização. Tubos profundos garantem que apenas insetos com línguas longas – como borboletas, abelhas e outros polinizadores especializados – possam chegar ao néctar. 

A boca-de-lobo (Antirrhinum majus subsp. linkianum), com as suas flores em forma de boca, é um excelente exemplo dessa adaptação, atraindo diversos insetos que, ao procurarem o seu néctar, entram em contacto com o pólen, assegurando a polinização. 

Outro exemplo é a dedaleira (Digitalis purpurea), cujas flores em forma de tubo longo favorecem a visita de abelhas e outros polinizadores, que, durante a procura pelo néctar, transferem o pólen entre as flores.

Aromas que conquistam

As plantas também sabem como explorar o olfato. Fragrâncias doces, intensas ou até mesmo pungentes são libertadas estrategicamente para atrair diferentes polinizadores. 

O alecrim (Salvia rosmarinus) combina o seu perfume herbal com propriedades repelentes de herbívoros, demonstrando como os aromas podem desempenhar múltiplos papéis.

Algumas flores noturnas, como as do jasmim-noturno (Cestrum nocturnum), uma planta originária de regiões tropicais da América Central e muito comum em jardins em Portugal, libertam aromas intensos ao anoitecer, adaptando-se a polinizadores ativos após o pôr do sol, como traças e morcegos. 

Esta diversidade de estratégias mostra a criatividade das plantas em adaptar-se às condições do ambiente e às preferências dos seus parceiros.

A recompensa que alimenta a vida

O néctar, rico em açúcares e nutrientes, é a principal moeda de troca oferecida pelas plantas. Ao atraírem abelhas, borboletas e outros polinizadores com esta recompensa energética, as plantas garantem que o pólen é transportado de uma flor para outra, assegurando assim a sua reprodução.

A estevinha (Cistus salvifolius) tem flores vibrantes que atraem polinizadores, oferecendo-lhes uma abundante fonte de néctar. A flor-de-mel (Lobularia maritima), com as suas pequenas flores perfumadas, é outra planta que fornece néctar em abundância, atraindo principalmente abelhas, mas também outros polinizadores. A carvalhinha (Teucrium chamaedrys), com as suas flores roxas, é outra espécie que contribui para a alimentação de polinizadores, oferecendo uma excelente quantidade de néctar para abelhas e outros insetos.

Estevinha. Foto: Sabinolembo/WikiCommons

Algumas plantas, no entanto, não se limitam a oferecer apenas néctar. O pólen, igualmente importante, é outra recompensa vital. Rico em proteínas, serve de alimento a muitos polinizadores, como as abelhas, enquanto, ao mesmo tempo, tem um papel fundamental na reprodução das plantas. Ao ser transportado de flor em flor, o pólen facilita a fecundação, assegurando que as plantas possam gerar novas sementes. 

Algumas espécies produzem pólen em grandes quantidades para atrair polinizadores, que, ao alimentarem-se dele, também ajudam na transferência do material genético necessário à reprodução da planta. Esta dupla função, alimentar e polinizadora, revela a astúcia das plantas na sua estratégia de sobrevivência.

Polinização e sustentabilidade dos ecossistemas

A polinização é mais do que um processo biológico; é um dos alicerces dos ecossistemas sustentáveis. As plantas, ao oferecerem néctar e pólen, não só garantem a sua reprodução, mas também sustentam a biodiversidade e a estabilidade de muitas cadeias alimentares. Este processo é vital para as plantas selvagens, mas também para a produção agrícola humana, com um terço dos alimentos consumidos no mundo dependentes da polinização por insetos, aves ou outros animais.

A relação entre plantas e polinizadores também é um fator chave na sustentabilidade ambiental. Ao contribuir para a fertilização cruzada, a polinização favorece a diversidade genética das plantas, tornando-as mais resilientes a doenças e alterações climáticas. Essa dinâmica é essencial para o equilíbrio dos ecossistemas naturais e para a segurança alimentar das populações humanas.

Parcerias que garantem a sobrevivência

A interdependência entre plantas e polinizadores é uma das estratégias mais sofisticadas da natureza. 

Muitas plantas são generalistas, atraindo uma vasta gama de polinizadores. Espécies como o azevinho (Ilex aquifolium), a urze (Calluna vulgaris), a murta (Myrtus communis), a erva-cidreira (Melissa officinalis) e o sabugueiro (Sambucus nigra), são visitadas por diversos tipos de abelhas, vespas, borboletas e outros insetos polinizadores.

Urze. Foto: Krzysztof Ziarnek/WikiCommons

Por outro lado, outras plantas desenvolvem relações altamente especializadas, ou seja, desenvolveram formas, cores e aromas tão específicas que atraem apenas um conjunto restrito de polinizadores. Esta especialização assegura uma polinização mais eficiente e fomenta uma rede complexa de interações entre espécies. 

Um exemplo notável é a relação entre a figueira-comum (Ficus carica) e a vespa-do-figo (Blastophaga psenes), em que cada uma das partes depende da outra para a sua sobrevivência. Enquanto a figueira oferece o interior do seu fruto para a reprodução da vespa, esta, por sua vez, transporta o pólen de uma figueira para a outra, facilitando a fecundação cruzada e garantindo a continuidade da espécie. Sem as vespas, as figueiras não se poderiam reproduzir e sem as figueiras, as vespas não teriam onde se reproduzir.

Além disso, algumas plantas podem exibir características mistas. O medronheiro (Arbutus unedo), por exemplo, atrai diversos insetos como abelhas e borboletas, mas também mantém uma relação especializada com a borboleta-do-medronheiro (Charaxes jasius), que depende exclusivamente desta planta para a sua alimentação. Este caso ilustra como relações generalistas e especializadas podem coexistir e é testemunho da complexidade e sofisticação das interações entre as plantas e os polinizadores.

As plantas, com a sua infinita diversidade de estratégias de polinização, oferecem-nos uma verdadeira lição de adaptação e resiliência. 

Ao explorarmos estas interações fascinantes, somos convidados a refletir sobre o papel essencial da biodiversidade nos ecossistemas e no equilíbrio da vida no planeta. Torna-se claro que a conservação das plantas e dos polinizadores não é só uma questão de preservação ambiental, mas uma condição imprescindível para o nosso próprio bem-estar. 


Se quiser aprender mais sobre plantas e a sua importância nos jardins e no ambiente, recomendo explorar alguns dos artigos da série “Abra espaço para a natureza”. No texto Como criar um jardim para borboletas? descubra espécies específicas que ajudam a atrair e a sustentar estes polinizadores essenciais. Já no artigo Como criar um jardim para a vida selvagem?, encontra algumas práticas que incentivam a presença de fauna diversa no jardim. E se a curiosidade for por plantas aromáticas, o texto Como ter um jardim num apartamento: plantas aromáticas? oferece uma abordagem prática para cultivar estas espécies mesmo em espaços reduzidos. Estas leituras complementares mostram como pequenas escolhas no planeamento de jardins podem ter impactos significativos na biodiversidade e na qualidade de vida, promovendo uma relação mais harmoniosa entre o ser humano e a natureza.


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