Na série “Abra espaço para a natureza”, Carine Azevedo responde às dúvidas que temos quando pensamos em tornar um espaço mais amigo do mundo natural.
Num mundo em constante transformação, onde as paisagens naturais estão a ser rapidamente substituídas por áreas urbanas, é crucial explorar maneiras de coexistir harmoniosamente com a vida selvagem.
A criação de um espaço onde a natureza é bem-vinda não só nos aproxima do ambiente natural, como também beneficia a nossa qualidade de vida e bem-estar. Estes espaços contribuem para a redução do stress, amortecem o ruído, filtram agentes de poluição atmosférica e são importantes refúgios para a vida selvagem, promovendo a biodiversidade.
Transformar um jardim num refúgio para a vida selvagem é uma maneira gratificante de apoiar a biodiversidade e contribuir para a preservação da natureza.
Plantas nativas
Um jardim amigo dos animais selvagens começa com uma seleção cuidadosa de plantas.
As plantas nativas desempenham um papel fundamental na manutenção do equilíbrio ecológico. Desde logo, porque estão adaptadas às condições da região, promovem a biodiversidade e contribuem para a sustentabilidade do ecossistema, fornecendo alimento e abrigo a muitos animais e atraindo borboletas, abelhas e outros polinizadores essenciais. Ao incorporar estas plantas num jardim, estamos a contribuir para a preservação da fauna e da flora de Portugal.
Entre as plantas nativas portuguesas, existem muitas espécies importantes enquanto fontes de alimento e/ou boas fornecedoras de abrigo a várias espécies de animais. Eis alguns exemplos.
Pequenas árvores, arbustos, herbáceas e trepadeiras:
– Folhado (Viburnum tinus)
– Medronheiro (Arbutus unedo)
– Azevinho (Ilex aquifolium)
– Murta (Myrtus communis)
– Alecrim (Salvia rosmarinus)
– Pilriteiro (Crataegus monogyna)
– Azereiro (Prunus lusitanica)
– Aroeira (Pistacia lenticus)
– Tamargueira (Tamarix africana)
– Flor-de-mel (Lobularia maritima subsp. maritima)
– Roseira-brava (Rosa sempervirens)
– Loureiro (Laurus nobilis)
– Campainha-amarela (Narcissus bulbocodium)
– Bonina (Bellis perennis)
– Esporas-bravas (Linaria triornithophora)
– Papoila (Papaver rhoeas)
– Madressilva (Lonicera etrusca)
– Salsaparrilha (Smilax aspera)
– Estevinha (Cistus salviifolius)
– Carvalhinha (Teucrium chamaedrys)
– Rosmaninho (Lavandula stoechas)
– Gilbardeira (Ruscus aculeatus)
– Urze (Calluna vulgaris)
– Esteva (Cistus ladanifer)
– Sanguinho-das-sebes (Rhamnus alaternus)
Árvore de médio a grande porte:
– Pinheiro-manso (Pinus pinea)
– Alfarrobeira (Ceratonia siliqua)
– Pinheiro-bravo (Pinus pinaster)
– Cerejeira-brava (Prunus avium)
– Castanheiro (Castanea sativa)
– Tramazeira (Sorbus aucuparia)
– Pereira-brava (Pyrus cordata)
– Aveleira (Corylus avellana)
– Zelha (Acer monspessulanum)
– Carvalho-alvarinho (Quercus robur)
– Macieira-brava (Malus sylvestris)
– Sobreiro (Quercus suber)
– Amieiro (Alnus glutinosa)
– Carvalho-português (Quercus faginea)
– Freixo (Fraxinus angustifolia)
– Carvalho-negral (Quercus pyrenaica)
Diferentes andares de vegetais
A diversidade de plantas no jardim é fundamental para atrair uma ampla gama de vida selvagem. No entanto, também é importante que a quantidade de plantas seja equilibrada para o espaço disponível, para que estas cresçam de forma saudável e o espaço se apresente esteticamente agradável para todos os que podem usufruir dele.
A seleção de espécies e a sua distribuição no espaço também deve ser feita de forma criteriosa. A criação de camadas diferentes de vegetação no jardim, incluindo árvores de pequeno, médio ou grande porte, arbustos, plantas rasteiras e herbáceas, por exemplo, vai proporcionar diferentes habitats para uma variedade de animais selvagens.
As árvores fornecem abrigo e alimento para aves, como o pardal, o tordo, o melro, o pica-pau-verde, o pica-pau-malhado, o tentilhão-comum e o pisco-de-peito-ruivo, mas também insetos, como joaninhas, borboletas, formigas e cigarras, e ainda outros animais, como os esquilos e os ouriços-cacheiros, por exemplo.
Já os arbustos oferecem locais de nidificação e áreas de alimentação para as aves canoras, enquanto as plantas rasteiras podem servir como refúgio para pequenos mamíferos, como os ratos de campo e os coelhos. Além disso, as herbáceas atraem polinizadores essenciais, como abelhas e borboletas.
Essa diversidade de camadas de vegetação aumenta a biodiversidade e a interação da vida selvagem num jardim. Dependendo do ambiente circundante, também se podem atrair anfíbios e répteis.
Bebedouros, alimentadores e esconderijos
Para aumentar a atratividade do seu jardim, instale alimentadores e bebedouros para fornecer alimento e água a aves, insetos e outros animais, sobretudo em épocas do ano em que a disponibilidade é menor. Procure manter os bebedouros e alimentadores limpos e abastecidos para que a vida selvagem os visite regularmente.
Coloque-os em locais pouco expostos, para que os animais se sintam mais seguros na hora de procurar alimento ou água, evitando que se sintam vulneráveis a predadores.
Os bebedouros e alimentadores podem ser recipientes simples, como uma tigela ou um prato raso, conchas ou pedras planas, por exemplo. No entanto, também existem variadíssimas opções à venda. Só tem de escolher os recipientes que se adequam à estética do jardim e ao tipo de vida selvagem que deseja atrair. Tenha em atenção que as preferências alimentares (sementes, frutas, etc.) podem variar de espécie para espécie.
Também é importante a criação de áreas naturais de refúgio e de abrigo, para que os animais se sintam em segurança quando visitam o espaço, seja através plantas com ramificação mais densa, pilhas de madeira, ramos e folhas, troncos ocos, tocas, montes de pedras, ou estruturas artificiais como casas de pássaros, caixas de abelhas e casas de insetos.
Manutenção, pesticidas e limpezas
No geral, a manutenção de um jardim dedicado à vida selvagem envolve um equilíbrio entre a gestão cuidadosa e a criação de ambientes naturais onde a vida selvagem pode prosperar.
Assim sendo, deve evitar-se o uso de pesticidas, uma vez que são prejudiciais à vida selvagem. Em vez disso, pode optar por métodos de controlo naturais, como o uso de plantas repelentes, predadores naturais, o uso de armadilhas, etc.
As intervenções de limpeza e de manutenção devem ser reduzidas ao mínimo essencial. A limpeza de folhas e de detritos vegetais deve ser feita com alguma regularidade para evitar o aparecimento de pragas; no entanto, é importante que algumas áreas se mantenham o mais próximo possível do estado natural.
A poda de árvores e de arbustos deve ser feita criteriosamente e apenas quando necessário, para não perturbar os locais de refúgio, nidificação e alimentação.
Soluções para jardins reduzidos
Se o espaço disponível for pequeno, não desanime, pois qualquer área, independentemente do tamanho, pode ser valiosa para a biodiversidade e adaptada para atrair a vida selvagem.
Existem algumas estratégias que se mostram particularmente eficazes. Uma das abordagens passa por escolher plantas nativas de pequeno porte, que se adaptem ao espaço disponível e que podem ser facilmente cultivadas em vasos e em floreiras.
Plantas como o tomilho (Thymus spp.), o rosmaninho (Lavandula stoechas), o alecrim (Salvia rosmarinus), a camomila (Matricaria chamomilla), o cebolinho (Allium schoenoprasum), a erva-cidreira (Melissa officinalis), a perpétua-das-areias (Helichrysum italicum subsp. picardi) e o poejo (Mentha pulegium) são excelentes escolhas. Estas plantas não só atraem muitos polinizadores e outros pequenos insetos, como também são perfeitas para usar na cozinha, dando um toque multifuncional ao jardim.
Se tiver uma parede livre ou uma estrutura vertical, como uma treliça, por exemplo, também pode considerar criar um jardim vertical usando plantas trepadeiras. Com esta solução, além de atrair a vida selvagem, economiza espaço horizontal e oferece uma nova dimensão ao seu espaço.
Ter um jardim amigo da vida selvagem não só enriquece a biodiversidade local, como também proporcionará a oportunidade de desfrutar da beleza natural. Se gostou desta ideia, este pode ser um ponto de partida para transformar o seu espaço verde. E, depois, resta-lhe reservar algum tempo para observar a vida selvagem que o visita, transformando essa atividade num momento emocionante e educativo.
Na série “Abra espaço para a natureza” terá acesso mais alguma informação que ajudará na escolha das espécies e nos cuidados a ter com as suas plantas. E se explorar a série “O que procurar: espécies botânicas”, vai encontrar um vasto leque de espécies nativas que se podem adequar às diferentes condições do seu jardim.
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Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
Para acções de consultoria, pode contactá-la no email [email protected]. E pode segui-la também no Instagram.