Carine Azevedo fala-nos desta planta de rara beleza, que consegue transformar a paisagem numa época do ano em que a natureza se prepara para adormecer.
É no outono que desperta as suas flores de forma exuberante, com cores e aromas improváveis. Miguel Torga também foi um grande apaixonado pelas urzes, não fosse a escolha deste pseudónimo – Torga, uma homenagem a esta planta, que existia em grande quantidade na sua terra natal.
Quando questionado pela origem do nome, Torga respondeu “…eu sou quem sou. Torga é uma planta transmontana, urze campestre, cor de vinho, com as raízes muito agarradas e duras, metidas entre as rochas. Assim como eu sou duro e tenho raízes em rochas duras, rígidas.”
Mas vamos conhecer melhor a Urze. Esta pequena planta que se destaca na paisagem das montanhas e serras, nas florestas e jardins de Portugal e que Torga tão bem descreveu, revelando a sua importância e a “personalidade” única de resistência e persistência.
A urze
Esta espécie, única do género Calluna, pertence à família das Ericaceae, e também é conhecida pelos nomes vulgares de Torga, Queiró, Queiroga, entre outros.
A sua designação científica apresenta alguma curiosidade. O género Calluna surge do grego – Kallunein – que significa “varrer” e que está associado ao tradicional uso de vassouras artesanais e vulgaris, do latim, que indica que se trata de uma planta comum.
A urze é um pequeno arbusto perene, que pode chegar aos 40 anos de idade. De crescimento reduzido, pode atingir 20 a 100 cm de altura e formar pequenos tufos densos e coloridos. Bastante ramificada desde a base, os seus ramos crescem na vertical, apresentando tons amarelos e avermelhados. As raízes ramificam profundamente, garantindo um bom suporte e sustentação. Com o decorrer dos anos as raízes tornam-se grossas, lenhosas e retorcidas.
As folhas persistentes e muito pequenas, ligeiramente pubescentes, são verdes durante todo o ano. No entanto durante o inverno, as folhas envelhecidas que permanecem na planta, podem apresentar tons de bronze, prata, amarelo, laranja, púrpura e vermelho. Os frutos são pequenas cápsulas, redondas, com cerca de 2 mm de diâmetro e com numerosas sementes no seu interior.
As flores, de tons rosa, púrpura e lilás, surgem no outono numa tela colorida muito especial, atraindo inúmeros polinizadores. A diversidade de insectos que visitam esta planta é notável, incluindo as abelhas, moscas, borboletas noturnas e diurnas. Da atração das abelhas, pelas suas flores ricas em néctar, resulta um mel rico e escuro, descrito como sendo um mel perfumado, com odor a caramelo, doce e com um travo ligeiramente amargo.
A urze em Portugal
Esta é uma espécie nativa da Europa e norte de África. Em Portugal ocorre um pouco por todo o território, incluindo nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.
É frequente encontrar esta espécie associada a outras comunidades vegetais nativas que partilham os mesmos requisitos, e que se conseguem regenerar após a passagem de um incêndio florestal, nomeadamente estevas, rosmaninhos, giestas, tojos, carquejas e outras urzes.
Desenvolve-se em solos pobres em nutrientes, bem drenados, preferencialmente com pH ácido. Prefere uma boa exposição solar, no entanto suporta bem o ensombramento.
Pode encontrar-se em zonas de mato, bosques degradados e em clareiras de pinhais e sobreirais. É importante na recuperação de solos secos, pobres e degradados.
Este pequeno arbusto, bastante resistente, não requer muitos cuidados. Do ponto de vista ornamental aconselha-se uma poda anual de Inverno para limpeza de flores, folhas e ramos secos e manter a conformação da copa.
Esta planta foi muito aproveitada pelas populações mais pobres do interior do país para inúmeros fins. Os seus ramos eram utilizados para o fabrico de vassouras e escovas artesanais. Das raízes e da madeira obtinha-se carvão de elevada qualidade. Tradicionalmente tinha ainda aplicações medicinais e era utilizada como aromatizante de vinhos e cerveja. Chegou a ser utilizada para tingir lã e cabedais com a tinta e corantes artesanais que se extraiam dos seus ramos e raízes, conferindo um tom amarelo aos tecidos.
Atualmente, muitas destas aplicações continuam a verificar-se em alguns meios rurais. Mas são as propriedades melíferas e o interesse ornamental que apresenta que a tornam uma espécie muito procurada. As suas raízes mais grossas são utilizadas no fabrico de cachimbos, instrumentos de sopro e outros objetos mais artísticos.
Erica ou Calluna
Urze também é o nome vulgar dado a outras espécies do género Erica, estando esse nome muitas vezes relacionado com a diversidade de cores que as flores apresentam e com a utilidade que lhes é dada. Ao contrário da urze (Calluna vulgaris) as espécies do género Erica florescem na primavera e no verão.
Curiosamente, a comercialização e plantação da urze (Calluna vulgaris) está proibida em alguns territórios onde foi introduzida (como por exemplo em algumas regiões da Austrália e da Nova Zelândia). Como acontece com algumas espécies exóticas em Portugal, a urze apresenta características invasoras nesses territórios, tornando-se um caso problemático, comprometendo o desenvolvimento das plantas nativas dessas regiões.
Ao longo das próximas semanas, vamos republicar nesta série as 10 plantas mais lidas até hoje escritas na Wilder por Carine Azevedo. Este artigo sobre a camarinha foi publicado originalmente a 6 de Novembro de 2020.
Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.
Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas.
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