Uma expedição científica documentou 28 novos registos de invertebrados marinhos no arquipélago Bijagós, incluindo seis espécies nunca antes observadas no Atlântico Oriental. Ao mesmo tempo, os investigadores ficaram alarmados com a presença preocupante de espécies não nativas numa das zonas mais intactas de África.
Uma expedição científica liderada pelo Centro de Ciências do Mar (CCMAR), em colaboração com investigadores internacionais, realizada em Março de 2023 revelou a presença inesperada de espécies invasoras nas águas das ilhas Bijagós, na Guiné-Bissau. Esta é considerada uma das regiões marinhas mais bem preservadas de África.
O objectivo da missão era amostrar e identificar espécies de invertebrados no arquipélago, um grupo de animais que ainda não tinha sido estudado na região.
Durante a missão, os cientistas realizaram mergulhos e recolhas sistemáticas em várias zonas do arquipélago, identificando 28 novos registos de invertebrados marinhos, incluindo seis espécies nunca antes documentadas no Atlântico Oriental.
“Nesta campanha, graças à excelente colaboração das equipas de Portugal e da Guiné-Bissau, conseguimos amostrar locais pouco acessíveis e descrever alguma dessa biodiversidade marinha ainda desconhecida nos Bijagós”, disse, em comunicado, Ester Serrão, coordenadora da expedição e investigadora da Universidade do Algarve e do CCMAR.
No entanto, o que era inicialmente um levantamento da biodiversidade local acabou por levantar um alerta preocupante: foram detetadas diversas espécies não-nativas, algumas com potencial impacto negativo nos ecossistemas da região.
“Estas descobertas são um misto de entusiasmo científico e preocupação ambiental”, comentou, em comunicado, Ana Hilário, investigadora do CCMAR e uma das coordenadoras do projeto. “Estamos a expandir o conhecimento sobre a biodiversidade marinha desta área única, mas também a perceber que ela já está a ser influenciada por fatores externos, como o transporte marítimo e as alterações climáticas.”
As espécies exóticas detetadas incluem tunicados e poliquetas marinhos, organismos que se fixam a rochas e corais, podendo competir com espécies nativas e alterar o equilíbrio dos habitats subaquáticos. A sua presença, segundo os cientistas, poderá estar relacionada com o aumento da temperatura das águas e com o tráfego de embarcações de pesca e comércio que circulam na zona.
O estudo, integrado no projeto europeu PANDORA, insere-se numa estratégia mais ampla de monitorização de áreas marinhas protegidas em países da África Ocidental, visando fortalecer a gestão sustentável dos recursos naturais e a resiliência dos ecossistemas costeiros.
“Este é um sinal claro de que mesmo áreas consideradas intocadas não estão imunes às pressões globais. É urgente reforçar os mecanismos de vigilância e sensibilização local para conter a propagação de espécies invasoras”, defendeu Ana Hilário.
A equipa também detetou o primeiro registo no Atlântico Este de um camarão invasor, Lysmata rauli e encontraram duas novas espécies de camarão endémicas da região: a Periclimenes africanus e uma segunda, ainda não descrita, do género Palaemon.
Além das descobertas científicas, a expedição envolveu a formação de técnicos locais e a promoção de atividades de ciência cidadã junto das comunidades piscatórias, reforçando o envolvimento da população na proteção do seu património natural.
As Bijagós, compostas por 88 ilhas e ilhéus e Reserva da Biosfera da UNESCO desde 1996, albergam uma impressionante diversidade de vida selvagem — desde tartarugas marinhas e dugongos a aves migratórias raras — e desempenham um papel crucial na conectividade ecológica da região.
A equipa científica deverá publicar os resultados completos do estudo ainda este ano, incluindo recomendações específicas para autoridades e organizações locais.