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Imagem de castor no Douro, captada por foto-armadilhagem. Fonte: Rewilding Portugal

Confirmada presença de castor em Portugal depois de 500 anos de ausência

13.06.2025

Biólogos da organização Rewilding Portugal anunciaram ter conseguido o primeiro registo de castor-europeu (Castor fiber) no nosso país em 500 anos. Há indícios e imagens de pelo menos um indivíduo no Parque Natural do Douro Internacional.

Não se pode dizer que este registo seja surpreendente. Em 2023 foram encontrados vestígios de castores no rio Douro, a apenas cinco quilómetros da fronteira com Portugal. Os indícios de castor foram encontrados no rio Tormes, afluente que desagua no troço internacional do rio Douro, perto da povoação da Bemposta (Mogadouro). 

Depois desse registo, a organização Rewilding Portugal começou a fazer a monitorização da espécie do lado português. “Ao longo destes anos, sempre na primavera, fizemos transeptos pedestres e procura ativa de indícios do lado português”, contou hoje à Wilder Pedro Prata, líder de equipa da Rewilding Portugal.

Este ano, em Maio, “encontrámos os primeiros indícios, que eram árvores e troncos roídos na margem do lado português, em frente ao estuário do Tormes”. Depois, a equipa instalou câmaras de foto-armadilhagem “para tentar contabilizar a população e ter evidências da sua presença”. 

“Quatro câmaras estiveram no campo um mês mas só tiveram quatro dias de amostragem porque entretanto o caudal subiu e ficaram debaixo de água. Mas foi o suficiente. Nesses quatro dias ficaram registados vídeos e fotografias de, pelo menos, um indivíduo, que nos parece um jovem que terá saído daquela população que já era conhecida do lado do rio Torme”, explicou o responsável.

Esta descoberta, “era uma coisa expectável, já se sabia que ia acontecer, era uma questão de tempo”.

Castor no Douro, registado através de uma câmara de foto-armadilhagem. Fonte: Rewilding Portugal

A mesma opinião tem Francisco Álvares, investigador do BIOPOLIS/CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos/ InBIO Laboratório Associado, Universidade do Porto, especializado em mamíferos. “Detectar um castor em Portugal era algo completamente expectável”, comentou à Wilder.

Agora, será muito importante conhecer melhor este caso. Na opinião deste investigador é preciso certificarmo-nos de que esta espécie é mesmo um castor-europeu (e não o castor-americano, espécie exótica), estimar o tamanho da população e saber qual a população de origem, qual a diversidade genética e que feitos ecológicos terá a sua presença. Importa ainda fazer estudos da selecção de habitats.

Tanto Pedro Prata como Francisco Álvares consideram crucial a criação de um plano de ação para a espécie, que preveja, por um exemplo, a sensibilização das comunidades locais, tendo em conta “o risco de aceitação social de uma nova espécie”, comentou Francisco Álvares.

Castor-europeu (Castor fiber). Foto: Philipp Blank/Wiki Commons

“Já em 2023 tínhamos proposto um plano de conservação para a espécie com várias componentes, nomeadamente a monitorização, o mapeamento das zonas mais propícias e um plano de coexistência com as actividades humanas ribeirinhas”, lembrou Pedro Prata. “Agora reforçámos essa intenção e vamos continuar a acompanhar e insistir com a autoridade nacional para considerar um plano mais efectivo para a espécie.”

Até porque, segundo Francisco Álvares, aquela zona “não tem as melhores condições para o castor e pode até ter pouca capacidade para dispersar”.

Pedro Prata tem a mesma opinião. “Provavelmente, aquele é um dos piores sítios para aparecer um castor; é um canhão fluvial. A possibilidade de expansão para um habitat favorável é reduzida, tem muitas barreiras demasiado grandes para ultrapassar.” 

“O castor não devia estar ali, devia estar na cabeceira dos rios, a fazer a retenção de água na paisagem, retenção de sedimentos, controlo de erosão e de cheias, porque aí é que é interessante.” 

E não descarta a importância de “considerar ações mais concretas, como a translocação, preparação de habitat e planos de coexistência efectivos”. “E é isso que temos andado a insistir com as autoridades nacionais para fazer e não temos tido a resposta necessária. Agora que já cá está, espero que sim.”

O regresso do castor

Tempos houve em que o castor vivia por toda a Europa, incluindo nos grandes rios da Península Ibérica, e era considerado uma espécie chave.

Em Portugal, o castor ter-se-á extinguido no século XV devido à destruição de zonas húmidas e à caça excessiva. No resto da Europa, o desaparecimento deste mamífero chegou mais tarde, no final do século XIX. A espécie viu-se reduzida a poucas populações fragmentadas devido, principalmente, à caça intensiva (por causa da carne, pêlo e óleo de castor).

A sorte do castor começou a mudar no início do século XX graças a projectos de reintrodução e translocação (movimentação de indivíduos de uma área para outra, para ajudar a restabelecer populações e recuperar territórios históricos).

O castor regressou à Península Ibérica em 2003, quando 18 animais foram libertados, de forma não oficial, no rio Aragão (comunidade de Navarra), vindos do Norte e Sudoeste da Europa. Em 2018, a Comissão Europeia declarou o castor uma espécie historicamente nativa e, depois disso, o Governo espanhol declarou o castor como espécie protegida. 

Segundo a Rewilding Portugal, “o castor é um verdadeiro engenheiro de ecossistemas”. “Ao construir represas, os castores criam pequenas zonas húmidas, alagadiças e áreas de água parada – habitats que albergam uma enorme variedade de espécies: anfíbios, insetos aquáticos, aves aquáticas, peixes e pequenos mamíferos. Um verdadeiro contributo para enriquecer a biodiversidade nestes cursos de água e nas suas envolventes. Estas zonas húmidas funcionam também como filtros naturais da água, retendo sedimentos e poluentes, e reduzindo a velocidade do escoamento superficial, o que mitiga os efeitos de cheias e da erosão.”

“Estamos a falar de uma espécie que presta serviços ecológicos que nenhum equipamento moderno consegue replicar com a mesma eficiência e escala, sem custos e sem burocracias que acabam por nunca ser ultrapassadas. O castor melhora a qualidade da água, cria refúgios para outras espécies e ajuda-nos a combater fenómenos como a seca e os incêndios”, sublinha Pedro Prata.

Por outro lado, ao elevar o nível do lençol freático nas margens ribeirinhas, os castores aumentam a retenção de água nos solos, algo particularmente relevante em contextos de seca prolongada e desertificação – dois fenómenos cada vez mais presentes no interior de Portugal. As suas estruturas contribuem para armazenar água no território, libertando-a de forma gradual ao longo do ano.

Além disso, existem evidências crescentes de que os habitats criados por castores funcionam como linhas de defesa naturais contra incêndios florestais, ao manterem zonas permanentemente húmidas, que quebram o avanço do fogo e oferecem abrigo a inúmeras espécies durante os períodos mais críticos.

“O regresso do castor a Portugal é um símbolo de esperança e de mudança. Mostra que, se deixarmos espaço e tempo à natureza, ela responde. Cabe-nos agora garantir que este regresso seja bem acolhido e protegido”, reforça Pedro Prata.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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