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Um lobo-etíope alimenta-se do néctar das flores de Kniphofia foliosa. Foto: Adrien Lesaffre

Investigadores descobrem que lobos-etíopes se alimentam do doce néctar de uma flor africana

22.11.2024

Comportamento único levanta a possibilidade de que este grande carnívoro seja polinizador de uma espécie de planta exclusiva das terras altas da Etiópia, ajudando à sua reprodução, afirma equipa liderada pela Universidade de Oxford.

Num artigo publicado esta semana pela revista científica Ecology, investigadores ligados ao Programa de Conservação do Lobo-Etíope descrevem como observaram estes animais (Canis simensis) a alimentarem-se do néctar das flores de uma espécie nativa, a Kniphofia foliosa, que cresce em prados de montanha daquele país africano.

Ao longo de muitos anos, explicam os cientistas, este comportamento foi observado repetidas vezes durante os meses em que a Kniphofia foliosa exibe as suas flores amarelas e avermelhadas, o que acontece principalmente entre junho e novembro.

O lobo-etíope, também conhecido como chacal-vermelho, é considerado o canídeo mais ameaçado de África e está dado como Em Perigo de extinção na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza. Estima-se que restam menos de 500 destes predadores divididos por 99 alcateias, que vivem apenas nas terras altas da Etiópia, acima dos 3500 metros de altitude.

Intrigados pelo que observavam, os investigadores decidiram seguir seis lobos-etíopes de três alcateias ao longo de vários dias, registando o que viam. “Tipicamente, o lobo aproximava-se de uma haste [da planta Kniphofia foliosa] e lambia as flores mais maduras, localizadas na parte de baixo da inflorescência, e que continham mais néctar”, descrevem, no artigo científico publicado.

Um lobo-etíope com o focinho coberto de néctar. Foto: Adrien Lesaffre

Os cientistas observaram dois dos animais seguidos a visitar 20 a 30 flores de seguida, mostrando que se mostravam muito atraídos pelo néctar desta planta. Ainda assim, devido ao tamanho destes animais e ao facto de se alimentarem habitualmente de ratinhos e outros roedores, o néctar não serve provavelmente para lhes dar energia, mas pode ser afinal uma espécie de sobremesa. [Aliás, devido à sua doçura, este néctar é também procurado por crianças de pastores que vivem nestas montanhas, que chupam as flores da Kniphofia foliosa.]

Os investigadores comprovaram também que os focinhos destes lobos-etíopes ficavam cobertos por grãos de pólen, sendo por isso possível que os transportassem para outras flores à medida que as iam visitando, possibilitando assim a reprodução da planta.

Hoje em dia, sabe-se que a polinização não é exclusiva dos insetos, pois várias espécies de aves, répteis – como a lagartixa-da-madeira, em Portugal – e também morcegos-da-fruta contribuem dessa forma para a reprodução das plantas. No entanto, a confirmar-se, este será o primeiro caso conhecido em grandes mamíferos como estes: “Este comportamento agora conhecido pode ser talvez a primeira interação conhecida entre planta e polinizador envolvendo um grande predador, assim como o único grande predador carnívoro que já foi visto a alimentar-se de néctar”, afirma um comunicado da Universidade de Oxford, do Reino Unido, que liderou este estudo.

Lobo-etíope a lamber as flores da Kniphofia foliosa. Foto: Adrien Lesaffre

E tudo indica que este é um comportamento espalhado entre a população de lobos-etíopes, com os mais velhos a ensinarem os mais novos. “Existe alguma evidência de aprendizagem social, com juvenis que são trazidos aos campos de flores juntamente com os adultos”, acrescenta a universidade britânica.

“Estes achados chamam a atenção para o quanto temos ainda de aprender sobre um dos carnívoros mais ameaçados do mundo. Também demonstram a complexidade de interações entre diferentes espécies que habitam no bonito Teto de África”, comentou a primeira autora do estudo, Sandra Lai, investigadora na Universidade de Oxford. “Este ecossistema extremamente único e biodiverso permanece sob ameaça da perda de habitats e da fragmentação.”

O Programa de Conservação do Lobo-Etíope (Ethiopian Wolf Conservation Program, no original em inglês) foi criado há quase 30 anos, em 1995, para proteger estes lobos e o seu habitat nas terras altas da Etiópia. É uma parceria que envolve a Universidade de Oxford, a Autoridade Etíope para a Conservação da Vida Selvagem e a Dinkenesh Ethiopia, uma ONG local.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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