Castor-europeu (Castor fiber). Foto: Philipp Blank/Wiki Commons

Investigadores descobrem surpreendente registo de castores a 5 quilómetros de Portugal

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Um tronco de salgueiro roído nas margens de um afluente do rio Douro foi um dos sinais de uma população de castores em Salamanca, perto da fronteira com o Douro Internacional. Investigador acredita que a espécie possa regressar a Portugal em poucos anos. ICNF está a acompanhar a situação.

Uma equipa de investigadores espanhóis reportou, num artigo publicado recentemente na revista Hystrix – the Italian Journal of Mammalogy, a nova presença de castores-europeus (Castor fiber) no lado espanhol da área protegida internacional Parque Natural Arribes del Duero – Parque Natural do Douro Internacional.

Os indícios de castor – o maior roedor da Europa, com os seus 25 quilos – foram encontrados no rio Tormes, afluente que desagua no troço internacional do rio Douro, perto da povoação da Bemposta (Mogadouro). O registo dista da fronteira portuguesa 11 quilómetros ao longo do rio, mas apenas 5 a 6 quilómetros em linha recta, segundo os investigadores Alfonso Balmori de la Puente e Teresa Calderón, dois dos autores do artigo.

“A presença de castor foi identificada por sinais nas margens do rio Tormes (…). O principal sinal é o de um tronco roído de salgueiro (Salix atrocinerea)”, explicam os autores do artigo. “Outros sinais encontrados foram troncos com marcas de dentes e vegetação ripária movida perto da água.”

Indícios de castor nas margens do rio Tormes. (A) Tronco de salgueiro roído; (B) troncos de árvores com marcas de dentes e roídos; (C) pequena árvore (Alnus sp.) com tronco roído; (D) vegetação movida.

Até à data da publicação do artigo, a equipa ainda não tinha conseguido ver nenhum castor. Tal se explica com “o facto de o rio ser quase inacessível a partir de terra, sendo um local de grandes canhões e raras as praias ou áreas abertas, o que torna difícil observar os animais”.

Contactado pela Wilder, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) afirmou ter conhecimento da presença de castor próxima da fronteira com Portugal, através deste artigo científico.

O Parque Natural do Douro Internacional está atento a possíveis incursões de castores. “O ICNF executa um programa de monitorização de mamíferos nas áreas protegidas de âmbito nacional, no caso na região Norte, que inclui o Parque Natural do Douro Internacional e, por isso, será possível detetar a expansão da espécie para território nacional, caso esta venha a ocorrer”, acrescentou este instituto.

“Este surpreendente registo em Salamanca pode resultar, em poucos anos, numa nova adição para a nossa biodiversidade”, comentou à Wilder Francisco Álvares, investigador do BIOPOLIS/CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos/ InBIO Laboratório Associado, Universidade do Porto, especializado em mamíferos. “Com efeito, caso se confirme serem indivíduos de castor euro-asiático, significaria o regresso de mais um mamífero que se encontrava extinto em Portugal, à semelhança do que aconteceu nas últimas décadas com o esquilo-vermelho, a cabra-montês e o urso-pardo.” 

O regresso do castor

Tempos houve em que o castor vivia por toda a Europa, incluindo nos grandes rios da Península Ibérica, e era considerado uma espécie chave.

Castor-europeu (Castor fiber). Foto: Philipp Blank/Wiki Commons

“De acordo com a toponímia atribuída a esta espécie (como “Fiber/Biber”, “Castor” e “Veiro”), o castor deveria ocorrer nas principais bacias hidrográficas do noroeste de Portugal, incluindo o vale do rio Douro, onde as condições ambientais são mais compatíveis com a sua ecologia”, lembrou Francisco Álvares.

Em Portugal, o castor ter-se-á extinguido no século XV devido à destruição de zonas húmidas e à caça excessiva. No resto da Europa, o desaparecimento deste mamífero chegou mais tarde, no final do século XIX. A espécie viu-se reduzida a poucas populações fragmentadas devido, principalmente, à caça intensiva (por causa da carne, pêlo e óleo de castor).

A sorte do castor começou a mudar no início do século XX graças a projectos de reintrodução e translocação (movimentação de indivíduos de uma área para outra, para ajudar a restabelecer populações e recuperar territórios históricos).

O castor regressou à Península Ibérica em 2003, quando 18 animais foram libertados, de forma não oficial, no rio Aragão (comunidade de Navarra), vindos do Norte e Sudoeste da Europa. Em 2018, a Comissão Europeia declarou o castor uma espécie historicamente nativa e, depois disso, o Governo espanhol declarou o castor como espécie protegida.

Desde então, a espécie expandiu-se em “muitas áreas da bacia do Ebro e colonizou áreas das bacias do Douro e Tejo”, indicam os autores do artigo. Agora, o registo descoberto perto da fronteira com Portugal surpreendeu os investigadores, pois aconteceu a 332 quilómetros de distância do seu território conhecido mais próximo.

Dizem haver duas explicações para esta nova população: dispersão natural ou introdução humana, sendo que se inclinam mais para esta última, ou seja, uma libertação não oficial de animais mantidos em cativeiro. Tendo em conta a taxa de expansão de 15 quilómetros/ano ao longo da bacia do Ebro, a equipa diz que teriam sido precisos cerca de 40 anos para os animais percorrerem os 611 quilómetros que separam esta nova população da outra mais próxima conhecida.

Castor fiber. Foto: Bohuš Číčel/WikiCommons

Francisco Álvares considera “muito provável” a expansão natural do castor até Portugal, depois deste novo registo. “O castor é uma espécie com uma elevada capacidade de dispersão natural através dos rios. Tal é claramente demonstrado pela sua recolonização em Espanha, onde foram reintroduzidos 18 individuos em 2003 na comunidade de Navarra e, em pouco menos de 20 anos, a espécie já ocorre numa grande parte da bacia hidrográfica do rio Ebro e colonizou as regiões adjacentes das bacias do rio Tejo e rio Douro.”

Um futuro Portugal com castores?

Poderá ser uma questão de tempo até o castor atravessar a fronteira com Portugal, mas terá a região do Douro Internacional condições para a espécie? Este investigador português acredita que “sim, embora essas condições possivelmente não sejam perfeitas e seja importante desenvolver estudos para avaliar a adequabilidade e conectividade do habitat em Portugal”.

“O castor é uma espécie associada, principalmente, ao troço médio-inferior dos rios, em planícies aluviais com bosques ripícolas extensos e bem desenvolvidos, ou seja, necessita da presença de floresta nativa a rodear massas de água. Pelo contrário, o troço do rio Douro a juzante da Barragem da Bemposta forma um vale encaixado com bosque ripícola pouco desenvolvido e encontra-se sujeito a oscilações irregulares do nível da água. No entanto, alguns afluentes a jusante – como os rios Sabor, Tua ou Tâmega – poderão ter condições mais adequadas para suportar uma população reprodutora.”

Francisco Álvares considera “necessário sensibilizar a sociedade sobre o – esperado – regresso deste simpático roedor, e criar bases legais para assegurar uma coexistência pacífica, tendo em conta os seus benefícios para uma paisagem mais sustentável e biodiversa”.

Isto porque os castores são considerados “engenheiros de ecossistemas”, provocando profundos efeitos nos cursos de água e suas margens. “Ao construirem barragens e abrigos com os troncos de árvores, criam pequenas lagoas e açudes, assim como clareiras desprovidas de árvores, que contribuem para a regulação do fluxo e qualidade da água, assim como para a criação de micro-habitats que beneficiam uma multitude de outras espécies, animais e vegetais. Assim, numa perspectiva da crescente necessidade de restauro ecológico e mitigação dos efeitos das alterações climáticas, o regresso do castor a Portugal poderia ser o nosso melhor aliado para alcançarmos as metas ambientais impostas pela União Europeia”, sublinha o mesmo investigador.

Castor fiber. Foto: Jerzy Strzelecki/WikiCommons

No entanto, quando ocorre em grandes densidades, o castor pode causar alguns impactos socio-económicos, provocando inundações em campos agrícolas e estradas, ou prejuízos na produção florestal.

Neste momento, outros países europeus debatem o regresso deste mamífero aos seus territórios. Itália, de onde o castor se extinguiu em cerca de 1500, apresenta hoje pequenas populações na Toscânia e Umbria, originadas de libertações não oficiais em 2017 e 2018. Em França, a espécie tem vindo a colonizar os rios do país desde os anos 1970.

Na verdade, o castor-europeu é uma das espécies que registou os regressos mais expressivos à Europa nos últimos 40 a 50 anos, segundo o relatório “European Wildlife Comeback”, divulgado em Setembro de 2022.


Leia mais sobre o eventual regresso do castor a Portugal aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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