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Será que os grilos cantam no Inverno?

23.02.2015

Eva Monteiro, do Museu Nacional de História Natural e da Ciência / TAGIS responde à pergunta naturalista de uma leitora da Wilder. Mafalda Ramos ficou curiosa porque os grilos andavam a fazer barulho fora de época perto da sua casa em Vila Franca de Xira.

Os grilos cantam quando atingem o estado adulto para atrair o sexo oposto para o acasalamento. Normalmente são os machos que cantam para atrair as fêmeas.

Estamos mais habituados a ouvi-los na Primavera e no Verão. No entanto, há algumas espécies no nosso país que atingem o estado adulto até ao fim de Outubro, inícios de Novembro. É possível que, como as temperaturas se tenham mantido mais altas até mais tarde nos últimos anos, essas espécies mais tardias se tenham mantido activas até mais tarde.

Atrevo-me a sugerir que a espécie que a leitora ouve perto de sua casa até tão tarde seja o grilo-provençal (Gryllus bimaculatus), que eu também já ouvi nas ruas de Lisboa já bem entrado o Outono.

 

Grilo-provençal Fotografia: Albano Soares/TAGIS
Grilo-provençal Fotografia: Albano Soares/TAGIS

 

Em Portugal ocorre também o grilo-do-campo (Gryllus campestris), na fotografia principal do artigo. As duas espécies de grilos são muito semelhantes quer no canto, quer na morfologia.

Então como distingui-las? Os grilos-do-campo podem distinguir-se dos grilos-provençais porque os primeiros têm o pronoto (o primeiro segmento do tórax dos insectos – o que aparece imediatamente após a cabeça – que é muito desenvolvido e característico nos ortópteros) mais estreito do que a cabeça, enquanto que nos segundos o pronoto é mais largo que a cabeça. A forma do pronoto é também diferente. No grilo-do-campo o pronoto, visto de cima, apresenta os lados paralelos; no grilo-provençal os lados do pronoto são divergentes. Distinguem-se ainda pelo comprimento das asas posteriores que são reduzidas no grilo-do-campo e desenvolvidas, ultrapassando visivelmente as asas anteriores, no grilo-provençal.

Outro animal que pode causar confusão quanto à identificação pelo canto que faz é a cigarra.

Os grilos e as cigarras são insectos que pertencem a Ordens diferentes: os primeiros pertencem à Ordem Orthoptera que reúne os gafanhotos e os grilos e que se caracteriza por terem o terceiro par de patas muito desenvolvido e adaptado ao salto e um tipo de armadura bocal mastigadora. As cigarras pertencem à Ordem Hemiptera que se caracteriza, nomeadamente, por ter uma boca perfuradora.

Tanto os grilos como as cigarras têm a capacidade de produzir som, mas utilizam estruturas diferentes para o fazer.

Os grilos “cantam” através da fricção das asas anteriores modificadas. A asa anterior direita apresenta na sua face inferior uma estrutura chamada “plectrum”- uma espécie de um pente microscópico – que, durante o “canto” toca, a modos de requereque, na “harpa” localizada na face superior da asa esquerda. A modificação das asas anteriores permite ainda a amplificação do som. Em muitas espécies, como no grilo-do-campo, os machos fazem tocas e “cantam” à entrada das mesmas, que funcionam como caixa de ressonância.

No caso das cigarras, a produção de som é feita por umas estruturas membranosas localizadas nos primeiros segmentos do abdómen e designadas de tímbalos. O “canto” é produzido pela vibração destas estruturas muito mais desenvolvidas nos machos.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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