Patrícia Garcia-Pereira, investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), explica o que comem afinal estes insectos tão especiais.
Em Portugal, são conhecidas 135 espécies de borboletas diurnas e cerca de 2.600 espécies de borboletas noturnas, também conhecidas por mariposas.
Todos estes insectos, que pertencem à ordem dos Lepidópteros, comem alimentos diferentes ao longo da vida. “Depende do estádio de desenvolvimento em que se encontram”, explica Patrícia Garcia-Pereira.
Assim, no estádio imaturo, quando ainda são lagartas, “as borboletas têm mandíbulas: cortam, mastigam e alimentam-se de plantas”. Algumas espécies comem de todas as plantas em geral; outras têm preferências, como acontece com a lagarta da borboleta-cauda-de-andorinha (Papilio machaon), que gosta de folhas de arruda, funcho e salsa, embora coma muitas outras. Já a lagarta da borboleta atalanta (Vanessa atalanta) prefere urtigas e parietária. Ambas podem ser encontradas em muitos locais, incluindo parques e jardins urbanos.
Mas há também borboletas, chamadas de monófagas, que nesta fase da vida dependem de uma única espécie botânica para sobreviver. Por exemplo, a borboleta-do-medronheiro (Charaxes jasius) alimenta-se apenas de medronheiros e por isso só é encontrada onde se vêem estas plantas.
Todavia, nem só de plantas vivem estes insectos. Algumas borboletas recorrem a outros alimentos, como é o caso das traças – um dos grupos dentro do conjunto mais vasto das borboletas noturnas – que quando ainda lagartas podem comer roupas para matar a fome. “A roupa é constituída por fibras vegetais, ou seja, as nossas roupas são para os outros animais mais um recurso orgânico, que pode ser aproveitado como alimento”, indica a investigadora.
Mais tarde, quando atingem o estádio adulto após a fase de crisálida ou pupa, as borboletas têm “uma transformação completa da fisiologia e anatomia”, incluindo “uma armadura bucal totalmente diferente.” É nesta altura que ganham uma espirotromba ou probóscide: “Uma espécie de palhinha capaz de enrolar e desenrolar, que utilizam para sugar líquidos, especialmente néctar das flores.”
Mas nem sempre é assim, ressalva Patrícia Garcia-Pereira. “Existe um pequeno grupo de borboletas nocturnas muito antigas que conservam mandíbulas no estado adulto, alimentando-se de musgos e líquenes”.
É também quando já adultas que as borboletas desempenham um papel importante como polinizadores: “São uma importante ordem de insectos, entre outras, responsável por transportar o pólen dos órgãos masculinos das flores para os femininos, permitindo assim a fertilização dos ovários e a consequente produção de frutos.”
Uma espécie interessante que pode ser encontrada em cidades – incluindo no Jardim Gulbenkian – é a borboleta-esfinge-colibri (Macroglossum stellatarum). Apesar de pertencer ao grupo das mariposas, costuma voar durante o dia. Com a sua probóscide muito comprida, alimenta-se do néctar das flores enquanto voa batendo rapidamente as asas, fazendo lembrar um pequeno colibri, ave típica das Américas.
Sendo no geral tão diferentes dos humanos, seriam de esperar diferenças grandes entre o nosso sistema digestivo e o das borboletas. Mas na verdade, embora com estrutura e formas diferentes, cumpre as mesmas funções nos dois casos. “Numa borboleta adulta, após a ingestão do alimento pela espirotromba, este já sofre a ação de enzimas libertadas por glândulas salivares ou labiais, passa posteriormente pela faringe, esófago, papo, ventrículos até chegar ao intestino.” O que é aproveitado transforma-se em nutrientes, o resto é eliminado como excreções.
Um Naturalista no Jardim Gulbenkian
Ao longo do ano, a cada mês, a revista Wilder desvenda-lhe alguns dos fenómenos que estão a acontecer no Jardim Gulbenkian e no mundo natural.