PUB

Priolo (Pyrrhula murina). Foto: mark Putney/Wiki Commons

O futuro do Programa LIFE: e se Portugal perder o seu maior aliado na defesa da natureza?

28.07.2025

O futuro do LIFE  e da natureza como prioridade é uma escolha política, mas também uma responsabilidade coletiva. Se queremos continuar a ouvir o Priolo nos Açores, a visitar a Berlenga em plena vida, a passear nas ilhas da Ria Formosa cheias de biodiversidade, temos de agir agora.

Imagine um país sem priolos a cantar nos Açores, sem plantas que tornam a Berlenga única, ou sem as ilhas da Ria Formosa protegidas das ameaças que todos os dias se agravam. Parece um cenário distante, mas é precisamente isso que está em risco se o Programa LIFE, o principal instrumento de financiamento europeu para a conservação da natureza, perder força nos próximos anos.

Nas últimas décadas, o LIFE foi responsável por alguns dos maiores sucessos de conservação em Portugal. Lembro-me bem das primeiras viagens à serra da Tronqueira, nos Açores, para acompanhar o projeto que salvou o priolo – uma pequena ave endémica que esteve à beira da extinção. Com o apoio do LIFE, foi possível restaurar o habitat, envolver a comunidade local e devolver a esperança a uma espécie que hoje é símbolo nacional de resiliência.

O mesmo se passou na ilha da Berlenga onde, através de projetos LIFE, removemos espécies invasoras e restaurámos habitats, permitindo o regresso de algumas aves marinhas e a recuperação visível deste património único. E mais recentemente, o LIFE Ilhas Barreira trouxe inovação e esperança à Ria Formosa, contribuindo para a resiliência das ilhas barreira, reforçando o seu papel fundamental no combate à crise de biodiversidade e alterações climáticas.

Mas tudo isto pode estar ameaçado. Neste momento, em Bruxelas, discute-se o futuro do próximo orçamento europeu (MFF 2028-2034). A proposta da Comissão Europeia sugere uma revisão profunda da estrutura dos fundos, fundindo centenas de programas – incluindo o LIFE – sob chapéus mais amplos e menos específicos. Isto levanta sérias dúvidas sobre a garantia de financiamento dedicado à biodiversidade, numa altura em que a natureza precisa, mais do que nunca, de apoio e de ação. Sem financiamento adequado, corremos o risco de acelerar o colapso da biodiversidade, com consequências diretas para o nosso clima, sistemas alimentares e saúde.

Mais preocupante ainda é a tendência para desviar verbas para novas prioridades europeias, como a defesa e a competitividade industrial, arriscando deixar a conservação para segundo plano. Se isto acontecer, projetos fundamentais para Portugal e para a Europa podem não ter continuidade, comprometendo décadas de avanços e o futuro de espécies e habitats que são únicos no mundo. Estamos a assistir a um perigoso retrocesso numa altura em que o nosso planeta em chamas exige ações ousadas.

Como coordenadora de projetos LIFE e como cidadã, não posso ficar indiferente. Estes projetos não são apenas números ou relatórios técnicos: são espécies salvas, comunidades envolvidas, paisagens recuperadas. O investimento no LIFE é investimento em saúde pública, em resiliência às alterações climáticas, em turismo sustentável e em orgulho nacional.

O futuro do LIFE  e da natureza como prioridade é uma escolha política, mas também uma responsabilidade coletiva. Se queremos continuar a ouvir o Priolo nos Açores, a visitar a Berlenga em plena vida, a passear nas ilhas da Ria Formosa cheias de biodiversidade, temos de agir agora. Não podemos marginalizar o papel vital que os ecossistemas saudáveis desempenham no apoio à nossa economia, aos nossos sistemas alimentares e à segurança contra os impactos climáticos. É fundamental que a sociedade civil, os cidadãos, os decisores e as ONG se unam para defender este Programa. 

Partilhem, informem-se, pressionem quem decide.

O tempo para defender o LIFE é agora. O nosso futuro – e o das gerações que virão – depende disso.


Joana Andrade é Coordenadora do Departamento de Conservação – Área Marinha, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA)

Don't Miss