Fotos: Gerard Talavera

Como ajudar os cientistas a seguirem esta grande migradora

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As observações registadas por cidadãos comuns têm sido uma das principais ferramentas a que Gerard Talavera e outros investigadores recorrem para aumentarem o conhecimento sobre a bela-dama e as suas longas migrações. Saiba como fazer.

Desde há uma década que Gerard Talavera e outros cientistas do PhyloMigration Lab, ligado ao Institut Botànic de Barcelona, investigam as viagens da bela-dama (Vanessa cardui) e os locais onde esta borboleta diurna se reproduz. 

Entre as borboletas grandes migradoras, a bela-dama é a espécie que pode ser encontrada em mais pontos do planeta: desde a América do Norte e América Central à maior parte da Europa, Ásia e África. Mas como não conseguem chegar eles próprios a todo o lado, os investigadores precisam da ajuda de outros cidadãos – os chamados cidadãos-cientistas – para saberem por onde anda.

Foi por isso que Gerard Talavera e outros cientistas da sua equipa criaram o projeto de ciência cidadã “The Worldwide Painted Lady Migration” (em português, ‘A Migração Mundial da Bela-Dama’), indicou o investigador à Wilder.

No site do projeto, explicou, podemos ler informação sobre a bela-dama e descarregar a ‘app’ Butterfly Migration, que tem informação (em inglês) sobre esta e outras borboletas migratórias. Depois, basta ir registando as observações da espécie através da ‘app’, tanto das lagartas como de borboletas já em estado adulto. Em alternativa, também é possível utilizar o portal inaturalist, ou incluir a informação através da ‘app’ dos Censos de Borboletas de Portugal.

A bela-dama em Portugal

A obtenção de mais registos de ciência cidadã sobre a presença da bela-dama pode, desde logo, ajudar a confirmar se Portugal é um território importante para estas borboletas. É que os modelos de distribuição já desenvolvidos para a espécie, num estudo científico publicado em 2019, indicam que há aqui boas condições ao longo de quase todo o ano. Em causa está a influência do Oceano Atlântico, que contribui para que o clima não seja tão seco como noutros locais da Península Ibérica. 

De acordo com os estudos já realizados, aliás, é na costa do Algarve que as condições são mais vantajosas, adiantou Gerard Talavera: “Temos coletado borboletas belas-damas na costa algarvia e são bastante comuns.”

Bela-dama (Vanessa cardui)

“Todo o Portugal é adequado a esta espécie em maio e junho, sendo que a maior parte do país assim continua até julho e agosto, enquanto que em Espanha o clima já não é adequado a partir de junho, por ficar muito seco”, descreveu também o cientista. Além do mais, a possibilidade de se encontrarem belas-damas num ou noutro local do território português permanece até novembro, sendo que na costa algarvia isso será possível ao longo de todo o ano. 

“Estamos principalmente interessados nas lagartas, mais do que nas observações de borboletas adultas. Numa borboleta migratória, o que mais importa é sabermos onde se reproduzem, onde põem os ovos”, notou ainda o investigador espanhol, apelando todavia a que se registem também as borboletas adultas, em especial se forem vistas muitas de uma vez. 

Por outro lado, uma vez que a bela-dama “voa muito depressa”, pode ser difícil de observar, ao passo que as lagartas se movem lentamente e “podem ser encontradas em muitas plantas diferentes”. Entre as plantas hospedeiras mais comuns, contam-se os cardos – daí o nome científico Vanessa cardui – e também as malvas.

Como encontrar uma lagarta?

Uma boa pista são os abrigos que a bela-dama faz com seda, “bastante característicos”, mesmo que já tenham sido abandonados, descreveu Gerard Talavera. “É muito divertido procurar estes abrigos nas folhas das plantas. E é sempre uma surpresa quando as pessoas os descobrem e também às lagartas!”

Quanto às belas-damas adultas, uma boa forma de as encontrarmos é procurá-las no topo de colinas, em especial quando o dia está quase a terminar. É que estas e algumas outras espécies de borboletas têm “um comportamento muito estranho e muito bonito, conhecido como ‘hilltopping’”, indicou Gerard Talavera: “Voam para o topo das colinas, mas apenas na altura do pôr do sol, no final da tarde.” É nesses locais, quando estão em época de reprodução, que os machos lutam entre si para acasalarem com as fêmeas.

Outro registo importante que deve ser feito, mesmo que nos pareça estranho, é assinalar a ausência da bela-dama de um determinado local, sublinhou o mesmo responsável, explicando que essa informação é também muito importante para quem investiga estas migrações.

Ciência cidadã em África

Os registos de ciência cidadã, incluindo lagartas e crisálidas, tiveram recentemente um papel importante para os cientistas documentarem melhor as viagens que esta migradora faz em África – desde o Sahel e as savanas do Sudão, logo abaixo do deserto do Saara, onde muitas belas-damas chegam e se reproduzem em setembro e outubro, para os territórios mais a sul, próximos do Equador, para onde muitas das borboletas entretanto nascidas se deslocam a partir de novembro.

Ajuntamento de belas-damas

Além de terem ido inspecionar eles mesmos alguns desses territórios, que estudos anteriores de modelação de nichos ecológicos apontavam que seriam bons habitats para a bela-dama, complementarem essas observações com os registos de cidadãos-cientistas feitos noutros locais e noutras alturas do ano.

“Com o nosso programa de ciência cidadã, organizámos o primeiro esquema de monitorização em larga escala para um inseto em África, com voluntários em diferentes países. Isso permitiu-nos acompanhar a presença e ausência de lagartas e adultos ao longo de mais de três anos, e assim compreender as dinâmicas populacionais desta espécie”, descreveu Gerard Talavera. [Os resultados podem ser vistos, por exemplo, neste artigo científico publicado em 2023.]

Entre os dados que foi possível recolher dessa forma, além da área de distribuição da espécie, estiveram também as principais plantas hospedeiras que servem de alimento às lagartas da bela-dama nesta parte do mundo.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.

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