Foto: Andy Mann

Saiba o que vai mudar com a nova rede de áreas marinhas protegidas no mar açoriano

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Os Açores comprometeram-se a proteger e gerir uma rede de 29 áreas marinhas oceânicas, para bem de baleias, atuns e tubarões mas também das pessoas que dependem do mar. Saiba o que vai mudar e para quê.

A 17 de Outubro, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou a legislação que cria a maior Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Atlântico Norte e a maior da Europa, com 287.000 quilómetros quadrados – uma área que equivale a três vezes o tamanho de Portugal continental e das ilhas terrestres.

Nesta quinta-feira, os responsáveis por este processo histórico, que durou cinco anos, reuniram-se no Oceanário de Lisboa para explicar a importância desta iniciativa e o que vai mudar no terreno.

Hoje vivemos em plena “crise do oceano”, nas palavras de Tiago Pitta e Cunha, administrador executivo da Fundação Oceano Azul, uma das entidades parceiras desta rede, ao lado do governo regional dos Açores e do Waitt Institute. Sobre-exploração, poluição e alterações climáticas são algumas das ameaças.

Ainda assim, esta degradação do estado de saúde do oceano “é menos visível para todos porque não vivemos lá”, acrescentou Emanuel Gonçalves, cientista-chefe da Fundação Oceano Azul.

“Apenas 3% do oceano está protegido à escala global. Demorámos 30 anos a proteger 3%. Temos de mudar. E isso é possível, é possível mudar com escala, velocidade e impacto, como os Açores são exemplo”, acrescentou.

Rede de áreas marinhas protegidas dos Açores. Vídeo: Nuno Sá

A rede de áreas marinhas protegidas dos Açores foi aprovada na semana passada, depois de um rigoroso trabalho científico de caracterização de valores e de identificação de prioridades, que começou com uma primeira expedição científica aos mares dos Açores em 2016. Entre as prioridades estão espécies migratórias (como os atuns), os peixes de fundo, os corais de águas profundas e as fontes hidrotermais.

Assegurar que legislação passa à realidade

Agora, um das principais objetivos é assegurar que a nova rede de áreas marinhas protegidas seja aplicada na realidade, e por isso o trabalho e as parcerias em curso são para continuar. “Ter linhas num mapa não é a única coisa importante, é apenas o primeiro passo. Agora é que começa o trabalho a sério. Temos de transformar as linhas do mapa em algo real em termos de sistemas de gestão, aplicação e cumprimento das regras, de forma a que os Açores beneficiem de todo este trabalho”, notou Kathryn Mengerink, diretora-executiva do Waitt Institute, uma fundação filantrópica que tem sido parceira de todo este processo.

De facto, a maior parte das áreas marinhas protegidas por todo o mundo não funcionam, “são apenas áreas marinhas no papel”, concordou Emanuel Gonçalves. “Estão na legislação, mas depois nada muda na realidade no mar, porque não há ação: não há planos de gestão, nem financiamento, nem recursos humanos, vigilância ou monitorização, pelo que não há benefícios. Achamos que uma parte importante do oceano está protegido mas para isso acontecer, tem de haver mais vida no mar.”

Tubarão mako no mar dos Açores, dentro da rede de áreas marinhas protegidas. Vídeo: Nuno Sá

Para assegurar que estas áreas marinhas saem do papel, foram adotados standards internacionais quanto à legislação e à forma como esta vai ser aplicada. Houve também um processo negocial com o setor das pescas e outras partes interessadas, que se prolongou por vários anos. “Este processo foi à sociedade. Quando o governo se senta com pescadores, cientistas, ONGs, com utilizadores do mar, esses diálogos são difíceis, mas são também esses diálogos que fazem com que o processo negocial tenha sucesso. Leva tempo mas é possível fazê-lo”, sublinhou o cientista-chefe da Fundação Oceano Azul. “Nunca tinha sido feito um processo destes em Portugal e há muitos poucos, a nível internacional, que se possam dar como exemplo.”

Grupo de baleias, dentro de uma das áreas marinhas protegidas agora aprovadas. Foto: Andy Mann

Em breve, o próximo passo será publicar o decreto-lei que cria a nova rede, incluindo já as alterações ao diploma aprovadas há uma semana pela Assembleia Legislativa. A legislação entrará em vigor nove meses depois.

Prevista está também a elaboração e aplicação dos planos de gestão e das estratégias de fiscalização para estas áreas marinhas, que vão prever a alocação de recursos humanos e financeiros, determinando também que actividades vão poder acontecer, desde os vários tipos de pesca ao mergulho e à navegação marítima. Segundo o novo diploma, esse trabalho tem o prazo de um ano para ficar concluído.

Dos 30% agora protegidos, metade serão áreas de proteção total, onde não são permitidas atividades destrutivas ou extrativas. A outra metade terá proteção elevada.

Fundo Ambiental previsto para as compensações

Quanto à pesca, a Universidade dos Açores foi incumbida de estudar e propor mecanismos de compensação a pescadores, que terão origem no Fundo Ambiental. Segundo Luis Bernardo Brito e Abreu, assessor do presidente do governo regional dos Açores, com a pasta do Mar e das Pescas, a arte de pesca palangre de fundo, “que causa bastantes danos em ecossistemas frágeis”, será a mais penalizada com 27% de impacto em horas de esforço de pesca. Outras artes de pesca mais sustentáveis, como a pesca ao atum chamada salto e vara (um homem, uma cana, um anzol, um peixe), não serão tão afetadas.

O responsável explicou que uma forma de compensar esta retração da atividade é “assegurar que não haja perda de rendimentos”.

Raia no mar dos Açores. Foto: Emanuel Gonçalves

Kathryn Mengerink lembrou por sua vez que mais do que o custo da redução da pesca, seria o custo de não fazer nada. “O que estamos a fazer, com a proteção destes 30%, não é acabar com a pesca, mas sim garantir que haja mais peixe no futuro”, explicou.

Emanuel Gonçalves acrescentou que esta rede de áreas protegidas terá efeitos colaterais porque permite a recuperação das populações de peixes e aos pescadores terem mais peixe fora das áreas protegidas. Ainda assim, sublinhou, não deve ser encarada como uma solução para as pescas, mas sim como um instrumento de conservação da biodiversidade.

As espécies que irão responder mais a esta rede de áreas marinhas serão as espécies exploradas comercialmente, as que têm as populações mais deprimidas. Estas sentirão um “alívio da pressão” que sofrem. E isso “provoca uma resposta do sistema todo”, lembrou o cientista-chefe da Fundação Oceano Azul.

“Sabemos que este modelo funciona. Por exemplo, o Banco Condor, onde a pesca foi restringida há 10 anos, viu a biomassa do goraz (a espécie com maior valor comercial nos Açores) aumentar 400%”, recordou.

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