Helena Freitas, professora catedrática da Universidade de Coimbra, faz um retrato do passado e do presente da floresta em Portugal e aponta quais são os caminhos que esta deve trilhar no futuro.
Num retrato histórico muito breve, vale a pena recordar que antes das glaciações Portugal tinha, pelo menos, as montanhas cobertas de florestas sempre-verdes (laurisilva).
Durante a última glaciação [concluída há cerca de 12.000 anos], passou a ter uma cobertura de biodiversidade florestal (fagosilva) de árvores sempre-verdes e caducifólias, transformando o país num imenso carvalhal caducifólio (carvalho alvarinho e carvalho negral) a Norte do Tejo e perenifólio (azinheira e sobreiro) no Sul.
A destruição contínua dessas florestas, para múltiplos fins, fez com que as nossas montanhas passassem a ser principalmente cobertas por matos de urzes, giestas, tojos, torgas e carqueja. Foi sobretudo a partir do século XIX que passaram a ser artificialmente rearborizadas com pinheiro bravo, dando origem a vastos pinhais.
Mais recentemente, por efeito dos incêndios e por opção nossa, parte dessas montanhas e cada vez mais zonas do país, do Interior ao Litoral, estão transformadas em imensos eucaliptais e acaciais – isto quando não se atingiu um nível de perda de produtividade ainda mais grave, que não permite sequer a fixação de coberto vegetal.
É sobre um cenário de ausência de gestão e grave desordenamento de um território que é essencialmente privado (o Estado detém cerca de 3%) que pesam agora as ameaças inerentes a um quadro climático adverso, propício à recorrência de incêndios de forte intensidade, e determinante para uma maior susceptibilidade às doenças que já revelam as espécies vegetais.
Quaisquer soluções têm ainda de ter em conta um quadro sociodemográfico que favorece o abandono da propriedade e a escusa para se promoverem as opções que deveriam conduzir a uma composição diversa e resiliente da floresta.
Portugal é anualmente devastado por grandes incêndios. Ao longo dos últimos 30 anos, cerca de 1/3 do território foi afetado por incêndios, sendo que os maiores estão frequentemente associados a manchas contínuas de matos e incultos, a elevadas cargas de combustível por unidade territorial, e a áreas em abandono ou sem atividade económica, que representam mais de 25% do território nacional.
As manchas de matos e incultos tenderão a aumentar, por razões diversas: os solos perdem o seu potencial produtivo; as populações abandonam a terra por perda efetiva de ligação ou por falta de expetativa; as populações que permanecem, tantas vezes envelhecidas, não têm recursos nem incentivos para limpar ou cuidar dos terrenos; as atividades económicas que mantinham determinadas práticas acabaram, e o seu regresso está dependente de novos modelos de uso e organização do território.
Os problemas da floresta portuguesa estão bem identificados e revelam uma situação de grave disfunção económica e ambiental, que se acentuará com a perda de produtividade e valor da floresta.
Uma floresta dominada por plantações com fins produtivos, como a que tem dominado nos territórios, privilegia uma tipologia de uso desligada das comunidades locais, sem um papel ambiental ou social estruturante.
Que floresta devemos resgatar?
É urgente resgatar uma floresta que assegure um equilíbrio entre a função económica de produtividade silvícola e a conservação dos seus múltiplos recursos. Os obstáculos são conhecidos. Em especial, a estrutura fundiária do espaço rural, a necessidade de mecanismos de responsabilização do proprietário florestal e a ausência de um cadastro florestal nacional. Estes obstáculos, entre outros, dificultam naturalmente a aplicação de políticas florestais fundamentadas.
A tragédia de Pedrogão Grande e os violentos incêndios deste Verão interpelam-nos a todos de modo particular. A violência e a devastação humana dos acontecimentos foi demasiado cruel e não pode ser encarada como mais um drama, a que assistimos subjugados pela complacência de um destino.
Temos que fazer deste tempo a oportunidade para um compromisso pela edificação de uma outra floresta, apoiada em novos modelos de silvicultura, na conversão em paisagens diversificadas, e na valorização dos matos e incultos.
Esta conversão só é possível com uma melhor articulação e maior cooperação entre o Governo, as Câmaras Municipais e as instituições de ensino e investigação do sector, a quem compete desenvolver modelos cientificamente sólidos, dirigidos ao ecossistema florestal e envolvendo uma maior diversidade de espécies relevantes para o equilíbrio ecológico da floresta.
Medidas anunciadas não bastam
As medidas anunciadas pelo atual Governo são importantes, mas não bastam. Precisamos de iniciativas complementares, que passam por investimentos na valorização ambiental e económica dos territórios, sendo que a sua viabilidade depende do apoio directo às comunidades residentes e da afirmação e apoio a redes locais colaborativas, como as que podem representar as associações de desenvolvimento local e as associações de produtores florestais.
O Estado não tem recursos técnicos, humanos e financeiros para continuar a assegurar as funções que lhe competem apenas em parte, no quadro actual de prioridades e soluções. Os territórios precisam de recursos técnicos especializados, com competências específicas nas diversas áreas de intervenção. São estes recursos que podem desenvolver trabalho de terreno, fomentando e apoiando as parcerias locais, organizadas em redes, na montagem técnica, institucional e financeira dos projetos e iniciativas, tendo em vista a sua operacionalização.
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Este artigo é o segundo de uma série de quatro dedicados aos incêndios que ocorreram e ao futuro da floresta em Portugal, numa parceria entre a Wilder e a Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO).
Leia o primeiro destes artigos, sobre o que mudou no solo devido ao fogo e o que devemos fazer para o recuperar.