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Foto: Bernardo Quintella/MARE

Aclimatização aumenta sucesso de repovoamento com meros no sudoeste alentejano

25.06.2025

Um período de aclimatização no ambiente natural promove a fixação deste predador de topo nos locais de libertação e ajuda à conservação desta espécie ameaçada, revela um novo estudo de investigadores portugueses.

Um novo estudo, publicado na revista Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems, revela que períodos de aclimatização em jaulas no mar podem fazer toda a diferença no sucesso das ações de repovoamento com meros (Epinephelus marginatus) criados em cativeiro.

Foto: Bernardo Quintella/MARE

O mero é uma espécie emblemática e ameaçada, com estatuto de conservação Em Perigo na Europa.

Apesar de estar protegida em Áreas Marinhas Protegidas, como o Parque Marinho do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, onde a sua captura é interdita desde 2011, a sua recuperação é demorada devido ao crescimento lento, maturação tardia e comportamento territorial, lembram os investigadores do MARE, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (CIÊNCIAS ULisboa) e da Universidade de Évora, em colaboração com investigadores do IPMA.

“O mero-legítimo está, para o meio marinho, como o lince-ibérico está para o meio terrestre”, disse, em comunicado, Bernardo Quintella, investigador do MARE-ULisboa/ARNET (Rede de Investigação Aquática) e coordenador do estudo. “É um predador de topo e a sua presença é indicadora de uma elevada qualidade ecológica do ecossistema aquático.”

Foto: Bernardo Quintella/MARE

No âmbito deste trabalho foram libertados no Porto de Sines 15 meros adultos produzidos na Estação Piloto de Piscicultura de Olhão (IPMA/EPPO), previamente marcados com dispositivos eletrónicos que permitiram monitorizar os seus movimentos na área de libertação.

Oito desses exemplares foram previamente expostos ao ambiente natural em jaulas de piscicultura durante cinco semanas, enquanto os restantes foram libertados diretamente no mar. 

“Os resultados foram claros: metade dos meros que passaram pela fase de aclimatização continuava a ser detetada no local de libertação dez meses após o repovoamento, e um deles permaneceu na zona por mais de dois anos. Em contraste, os indivíduos não aclimatizados dispersaram rapidamente, muitos em menos de dois dias”, afirma Ana Filipa Silva, investigadora do MARE-ULisboa/ARNET, aluna de doutoramento e primeira autora do estudo.

Foto: Bernardo Quintella/MARE

A equipa recorreu à biotelemetria acústica para acompanhar os movimentos dos peixes, detetando mais de 200 mil sinais ao longo do estudo. A presença prolongada dos meros aclimatizados no local de libertação indica que este método pode ser decisivo para melhorar a eficácia de projetos de restauro que envolvam ações de repovoamento.

“Este trabalho representa um avanço concreto nas estratégias de conservação marinha”, considerou Bernardo Quintella. “Ao garantir que os peixes reconhecem o habitat e permanecem nas áreas protegidas, aumentamos a probabilidade de sucesso reprodutivo e de recuperação das populações.”

Tal torna-se particularmente importante no Parque Marinho do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, onde a abundância e o tamanho dos meros têm diminuído.

Foto: Bernardo Quintella/MARE

Segundo Bernardo Quintella, “a conservação desta espécie terá, necessariamente, de passar por uma abordagem mais integrada, dirigida ao ecossistema marinho no seu todo. O que estamos a fazer é tentar acelerar a recuperação do mero numa área marinha protegida.”

Os investigadores acreditam que este trabalho estabelece um novo padrão para iniciativas de conservação de espécies marinhas associadas a habitats recifais e de elevado valor ecológico, ao demonstrar que a aclimatização no mar promove a fixação dos peixes no habitat, com aplicação potencial a outras espécies de interesse ecológico e comercial.

Segundo João Castro, investigador do MARE-UÉvora/ARNET e membro da equipa de investigação, “como a espécie tem um elevado valor para a pesca e para o mergulho recreativo, a sua recuperação também pode ser economicamente importante a nível regional”.

Foto: Bernardo Quintella/MARE

O estudo foi realizado em articulação com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), no âmbito dos projetos MARSW e ATLAZUL, com financiamento do POSEUR, INTERREG, Fundo Ambiental e dos municípios de Odemira, Aljezur e Vila do Bispo. A infraestrutura de biotelemetria foi assegurada pela rede CoastNet, tendo o trabalho contado, ainda, com o apoio técnico da empresa de aquacultura Seaculture e da Administração dos Portos de Sines e do Algarve.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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