Novo estudo desvenda o mundo maravilhoso das formigas-leão e moscas-serpente de Portugal

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A Ciência portuguesa acaba de fechar uma grande lacuna que tínhamos sobre as nossas espécies. Investigadores estudaram os insectos da superordem Neuropterida, até hoje pouco conhecidos mas com uma beleza ímpar e comportamentos surpreendentes. E descobriram novas espécies para Portugal.

O mundo dos insectos da superordem Neuropterida, animais com asas mais ou menos transparentes, está recheado de feitos surpreendentes.

Ascalafídeo Libelloides longicornis. Foto: João Nunes

Uns constroem cones na areia que servem de armadilha a formigas; outros comunicam entre si produzindo vibrações, movendo o abdómen para cima e para baixo muito rapidamente quando estão pousados em folhas; e depois há outros ainda que têm um aspeto único, assemelhando-se, em repouso, a uma pequena folha seca.

Alguns são predadores auxiliares na agricultura, no controle de pragas. Mas todos desempenham um papel relevante nos ecossistemas.

Em Portugal são conhecidas 107 espécies de insectos Neurópteros, onde se incluem formigas-leão, moscas-serpente, crisopas e ascalafídeos.

“O grupo a que se assemelham mais é, sem dúvida, o grupo das libélulas e libelinhas”, explicou à Wilder Sónia Ferreira, uma das autoras do artigo publicado recentemente na revista científica ZooKeys que veio melhorar em muito o nosso conhecimento sobre estes animais.

“Morfologicamente são muito semelhantes. Partilham as asas com muitas nervuras, sendo a maior diferença a presença de antenas bem visíveis nos Neuropterida e quase invisiveis nas libélulas e libelinhas (ainda que sempre presentes). Tanto os neurópteros como as libélulas e libelinhas são predadores vorazes, mas as libélulas estão todas dependentes de meios aquáticos, enquanto que a grande maioria dos Neurópteros não.”

O estudo realizado por investigadores do CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos), reuniu informação genética sobre estes insectos que permite distinguir as diferentes espécies destes animais pouco conhecidos. Além disso, a investigação conseguiu apresentar dados inéditos sobre a diversidade e distribuição destes insectos em Portugal.

Segundo Sónia Ferreira, investigadora do CIBIO-InBIO, antes deste trabalho já existiam listagens de espécies bastante completas. “Apenas conseguimos encontrar três espécies ainda não conhecidas do inventário nacional”.

São elas as formigas-leão Gymnocnemia variegata (Schneider, 1845) e Myrmecaelurus trigrammus (Pallas, 1771), ambas encontradas nos terrenos da Horta da Saboia – Faia Brava, em Figueira de Castelo Rodrigo, em terreno da associação ATNatureza.

A terceira espécie é a Wesmaelius (Kimninsia) nervosus (Fabricius, 1793) e foi encontrada no Poço do Inferno, na Serra da Estrela. Esta espécie foi publicada num artigo científico em 2020.

Ainda assim, salienta, o que se sabia até agora sobre estes insectos “provinha, na maior parte das vezes, de escassos registos de distribuição, muitas vezes de entomólogos estrangeiros de visita a Portugal”. “Por exemplo, neste trabalho temos dezenas de novos registos da espécie Solter liber, que estava dada para Portugal por Navàs, no início do século passado. Desde 1924, não existiam registos publicados para esta espécie.”

Isoscellipteron glaserellum. Foto: João Nunes

“Pouco se sabe sobre estes insetos em Portugal. Talvez por serem menos comuns que outros grupos de insetos, ou por serem menos numerosos, nunca despertaram interesse de maior nos entomólogos nacionais, existindo ainda muito para descobrir.”

O trabalho agora publicado “é o primeiro a recolher amostras e sequências de ADN de espécies destes grupos em Portugal”. Foi criada uma coleção de referência no CIBIO-InBIO com espécimes capturados em Portugal e identificados morfologicamente por Daniel Oliveira, no decurso da sua tese de mestrado em Biodiversidade, Genética e Evolução na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto orientado por Sónia Ferreira, entomóloga doutorada e investigadora no CIBIO-InBIO.

Foram obtidas sequências de código de barras de ADN de 658 pares de bases de 243 espécimes de 54 espécies. “Os resultados mostraram que a maioria das espécies pode ser identificada com sucesso por meio de códigos de barras de ADN, com exceção de sete espécies de crisopas (Chrysopidae – Neuroptera).”

Além dos códigos de barras de ADN, são apresentados os primeiros dados de distribuição publicados para Portugal para as espécies Gymnocnemia variegata (Schneider, 1845) e Myrmecaelurus (Myrmecaelurus) trigrammus (Pallas, 1771).

Códigos de Barras para insectos

O trabalho foi desenvolvido recolhendo animais na natureza, capturando-os no campo usando redes e armadilhas luminosas. De cada inseto foi recolhida uma amostra de tecido, geralmente uma pata, e é deste tecido que se extrai o ADN e se obtém a sequência do Código de Barras.

Esta investigação faz parte da iniciativa de DNA Barcoding do CIBIO-InBIO, IBI: InBIO Barcoding Initiative financiada pelo projeto PORBIOTA e EnvMetaGen, programa Horizonte 2020 da Comissão Europeia.

Bubopsis agrionoides. Foto: João Nunes

“A iniciativa IBI consiste na construção de uma biblioteca de códigos de barras de ADN de Invertebrados”, explica Sónia Ferreira. “Durante os trabalhos deste projeto foram já descobertas quatro espécies de borboletas novas para a Ciência e adicionadas diversas espécies de invertebrados à fauna de Portugal de borboletas, moscas, percevejos, cigarrinhas e até de uma sanguessuga! No futuro espera-se que esta coleção de referência do CIBIO-InBIO se torne uma ferramenta fundamental para a monitorização da biodiversidade a longo prazo e em larga escala na Península Ibérica e, seguramente, a identificação de mais espécies por enquanto desconhecidas da Ciência.”

Em Biologia, “códigos de barras de ADN” são segmentos curtos de ADN que podem ser analisados para distinguir as diferentes espécies existentes. “Esta técnica é particularmente importante em situações em que a análise somente das características morfológicas não é conclusiva. A identificação de um organismo através deste método baseia-se na comparação dos “códigos de barras” com uma base de dados na qual diferentes espécies estão catalogadas”, explicam os autores do artigo.

A base de dados resultante da IBI disponibiliza publicamente em plataformas internacionais os códigos de barras de inúmeras espécies de invertebrados com ocorrência em Portugal. Ou seja, faz parte de um esforço internacional, que conta já com vários anos na obtenção e disponibilização de códigos de barras de ADN que representem a biodiversidade nos ecossistemas e que possibilitem o desenvolvimento de diversos estudos, seja em Ecologia, Ciências Forenses, Microbiologia, Segurança alimentar, ou outras áreas científicas.

Este tipo de base de dados serve de fundação a um método de identificação baseado nestes códigos de barras de ADN. “Isto tem aplicações vastíssimas, em especial em grupos diversos e desafiantes morfologicamente como os insetos, pois facilita o trabalho dos investigadores que poderão necessitar de identificar determinado indivíduo mas não têm o conhecimento taxonómico suficiente ou em situações em que o estado de conservação do indivíduo/amostra não possibilita a sua identificação, sejam em produtos processados para alimentação seja em análise de dietas de organismos baseados em amostras de conteúdos de estomagos ou estudando os dejetos (de morcegos, por exemplo)”.

Até agora, há 76 espécies de Neurópteros com ocorrência em Portugal já sequenciadas, considerando já as 22 espécies sequenciadas pela primeira vez neste trabalho.

Crisopa Nothochrysa fulviceps. Foto: João Nunes

A equipa de investigadores vai continuar a “ampliar a coleção de referência (no que toca aos Neurópteros) de forma a poder representar nas bases de dados públicas as mais de 30 espécies cujos códigos de barras permanecem desconhecidos”, adiantou Sónia Ferreira.

“É ainda necessário criar uma checklist de espécies e produzir uma ferramenta de identificação de fácil utilização, de forma a que mais pessoas possam contribuir para o conhecimento do grupo”, acrescentou. “Muitas espécies são atraídas pela luz e como tal facilmente observáveis. No entanto, a sua identificação está longe de ser fácil e imediata. Algumas espécies são até facilmente identificáveis, mas a informação disponível é ainda muito técnica e pouco acessível.”

Actualmente, o grupo está a trabalhar em várias outras ordens de insetos, muitos deles polinizadores, e até de grupos de invertebrados bem menos conhecidos como é o caso das sanguessugas.”


Saiba mais.

Descubra aqui quem são estes insectos, com a ajuda de Sónia Ferreira, entomóloga do CIBIO-InBIO.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.

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